Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL

SE OS AÇORES FOSSEM ISRAEL ÉRAMOS PALESTINIANOS?

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395 SE OS AÇORES FOSSEM ISRAEL ÉRAMOS PALESTINIANOS?maio 2021

Há muito que me debato com esta dúvida. Se em 1947 as potências mundiais tivessem considerado a rica composição genética portuguesa como predominantemente judaica, que o é, juntamente com miríade de outras miscigenações, e tivesse decidido dividir os Açores em Estado de Israel e Região Autónoma dos Açores, pode ser que as coisas até tivessem ocorrido sem problemas de maior nos primeiros anos. Embora os açorianos (exceto em S Miguel) se tivessem fortemente rebelado contra o domínio castelhano 1580-1642 não haveria grande oposição inicial. Só quando os colonatos judeus começassem a ocupar todas as ilhas e os descendentes de açorianos se tivessem de refugiar no Corvo uma ilha de 17 km2 (com um quarto de milhão de habitantes seria quase tão densamente habitado como Macau) é que a “intifada” açoriana teria maior expressão, mas seria como David e Golias, uma fisga contra canhões e submarinos. E compreende-se que do Corvo podiam disparar “rockets” e mísseis contra as restantes 8 ilhas pondo em perigo a nação israelita dessas ilhas e sua homogeneidade, apesar de todos os habitantes do Corvo trabalharem em fábricas e serviços israelitas doutras ilhas, onde não poderiam viver, tendo que retornar diariamente ao Corvo para dormir.

Salam Kawakibi

Pois bem a história real é parecida mas acontece no Médio Oriente berço das religiões e local eternamente em conflito. São já 73 anos de guerra, fruto da divisão da Palestina a 14 de maio 1948, no termo do mandato britânico. Em 1914 o território fazia parte do Império otomano. Em 1939 a Grã-Bretanha era o poder colonial e Turquia e Irão eram independentes. Em 29 de novembro de 1947, por 33 votos a favor, 10 contra e 13 abstenções, a ONU divide a Palestina do mandato britânico em dois Estados: um judaico e um árabe. A Resolução 181 previa uma união económica e colocava Jerusalém sob estatuto internacional. Os dois Estados seriam territórios descontínuos ligados por corredores estreitos. Ao Estado judaico foi atribuída uma larga faixa costeira ao longo do Mediterrâneo, a Galileia oriental, e praticamente todo o deserto do Negueve, com uma saída para o mar Vermelho. Ao Estado árabe foi oferecida a Galileia ocidental, e acesso ao Mediterrâneo, a partir de Acre, a Cisjordânia (exceto Jerusalém) e a Faixa de Gaza. Jaffa, cidade portuária de maioria árabe, permaneceria um enclave árabe. Os sionistas apoiaram este projeto de divisão que garantia soberania e imigração sem entraves. Os árabes rejeitaram-no unanimemente e pegaram logo em armas. O plano jamais chegou a ser aplicado.

Em 1967 a vitória na Guerra dos Seis Dias dá a Israel importantes posições estratégicas. Começa uma acelerada colonização da Cisjordânia e é anexado o setor oriental de Jerusalém. A cidade é unilateralmente proclamada “capital una e indivisível” do Estado judaico.

Em 1985 após a Guerra de Yom Kippur (1973) a única alteração, imposta pelos EUA, foi a evacuação da cidade de Kuneitra nos Montes Golã.

Em 1981, este planalto, conquistado à Síria em 1967, é anexado por Israel, e um tratado de paz devolve ao Egito a península do Sinai.

Em 1982, Israel invade o Líbano e cerca Beirute, mas, em 1985, depois de expulsar 8000 guerrilheiros da OLP, reposiciona-se numa “zona de segurança” no sul do país – a retirada total só se dará em 2000.

Os Acordos de Oslo assinados em 1992 por Israel e pela OLP de Arafat levam a uma complexa fragmentação territorial. A Autoridade Palestiniana passa a controlar 70% da Faixa de Gaza. Na Cisjordânia são instituídas três zonas: A (controlo palestiniano); B (controlo misto) e C (controlo exclusivo de Israel), incluindo as instalações militares e 150 colonatos judaicos. Este mapa de Oslo ficou mais retalhado em 2000, quando, depois da Segunda Intifada, Israel reocupou militarmente a Cisjordânia e iniciou a construção de um “muro de separação” – que tem transformado povoações palestinianas em guetos. 2017: As iniciativas legislativas do Governo de direita, dominado pela ala nacionalista do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu criaram mais retalhos no mapa, abrindo caminho para a anexação de territórios ocupados. Em setembro 2017, o Parlamento aprovou uma lei que permite a criação de universidades na Cisjordânia ocupada. Há iniciativas para os tribunais israelitas terem jurisdição na Área C, que compreende 60% da Cisjordânia. Os colonatos não cessam de aumentar. Muros, vedações eletrificadas e outros obstáculos são utilizados para controlar o movimento dos palestinianos. A construção do muro dentro da Cisjordânia continua, apesar de o tribunal internacional de Justiça ter considerado que não devia existir. NB: Nova guerra começou em 2023 com a invasão da Faixa de Gaza. Esta guerra Israel-Hamas, conflito Israel-Gaza ou israelo-palestino de 2023, começou em 7 de outubro após um ataque terrorista de vários grupos militantes palestinos contra cidades israelitas, passagens de fronteira, instalações militares adjacentes e colonatos civis nas proximidades da Faixa de Gaza. Descrito como uma Terceira Intifada por alguns observadores as hostilidades foram iniciadas por um bombardeio de mísseis contra Israel e incursões em território israelita, com vários ataques contra os militares israelitas e comunidades civis. O ataque foi liderado por grupos militantes palestinos (Hamas, a Jihad Islâmica e a Frente Popular para a Libertação da Palestina), com o apoio do Irão. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, apoiou verbalmente o levante, afirmando que os palestinos tinham o direito de se defenderem contra a ocupação. O Coordenador Especial das Nações Unidas para o Processo de Paz no Oriente Médio, a União Europeia e muitos países membros expressaram condenação dos ataques e disseram que Israel tinha o direito à autodefesa. Pelo menos 2 200 mísseis foram disparados da Faixa de Gaza enquanto militantes do Hamas violavam a barreira Israel-Gaza, matando 200 israelitas e levando o governo de Israel a declarar estado de emergência. Vários países do mundo ocidental condenaram o Hamas pela violência e chamaram as táticas de “terrorismo” enquanto países do mundo muçulmano culparam a ocupação dos territórios palestinos e a negação da autodeterminação palestina como a causa da escalada da violência. A Amnistia Internacional condenou o Hamas e Israel pela conduta da guerra. O conflito produziu uma grave crise humanitária no território de Gaza com mais de 40 mil mortos e mais de 90 mil feridos palestinos (agosto de 2024), incluindo milhares de mulheres e crianças, destruição maciça de infraestrutura e habitações, quase dois milhões de pessoas desalojadas de suas casas, desabastecimento generalizado de energia, combustível e medicamentos, destruição de hospitais e serviços sanitários, 95% da população perdeu o acesso à água de boa qualidade e a fome atingiu virtualmente 100% da população. Segundo oficiais das Nações Unidas, “a crise humanitária em Gaza é mais do que catastrófica, e piora a cada dia. Nos três meses desde o início do conflito, Gaza tornou-se um lugar de morte e desespero”. No lado israelita mais de 1,5 mil pessoas morreram e 500 mil foram desalojadas

EMBAIXADA BRITÃNICA ACONSELHA ESTE TRADUTOR

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Helena Chrystello, O Silêncio da Paixão ANABELA FREITAS

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Helena Chrystello, O Silêncio da Paixão

É difícil fazer a apresentação de uma obra como O Silêncio da Paixão. Desde logo pelo meu envolvimento no texto, envolvimento que durou meses. Mas seria sempre uma tarefa hercúlea, sobretudo, porque esta novela abre as portas a muitas leituras possíveis, porque é densa, porque nos envolve e depois nos arrasta com ela. Daria um outro livro falar na riqueza dos recursos a que a autora lança mão para nos seduzir com eles.

A única tarefa fácil é a de dizer-vos do que fala o texto. A autora fez isso por nós e incluiu o resumo que o encabeça e que deve ter funcionado como um guia para a sua escrita.

Clara Viel, a artista que cantou através do mundo inteiro. Aí está ela, na flor da vida, isolada em Joinville, no Cotentin. As dunas, o mar cinzento e a solidão. Ninguém sabe por que é que ela renunciou repetidamente à sua carreira, abandonou a música, os teatros, fugindo cada vez para mais longe.

Estranha, silenciosa. Como única testemunha daquilo que ela parece procurar obstinadamente, um jovem. Para únicas imagens – apenas rochedos, água e céu – estes clarões dilacerantes das recordações. Berlim, o encontro com um pintor, Eric, o amor que irradia a memória. Como única ligação ao mundo exterior estas cartas chegadas de Praga onde alguém a ama ainda.

Na lembrança tenaz, existe uma rotura. Fenda também na sua arte. Uma cena que Clara Viel não consegue reconstituir. Logo que ela se elevar para lá da doença, da alucinação, descobrirá talvez a verdade, saberá por que é que a morte a atrai tão fortemente.

O destino permite-lhe ainda tornar a ver Eric; por fim a cena torna-se clara. O mar, a morte confundem-se.

A narração é levada num ritmo onde o desejo da nostalgia e a nostalgia do desejo se alternam como a maré que cobre e descobre esta sombra – enigmático amor.

«que cobre e descobre» – é exatamente este movimento de vaivém, repetitivo, que, ao longo de toda a novela envolve o leitor, como se ele rolasse nesse cenário de areia e mar. O uso predominante do presente do indicativo e as referências constantes à paisagem marinha e às suas constantes mutações, contribuem para essa sensação de identificação com a protagonista. O leitor sente, por empatia, o sufoco e, logo, o estado de saúde física e mental e toda a dimensão do sofrimento da protagonista. Por outro lado, os momentos de analepse na narrativa, a convocação do passado de Clara, muito embora frequentes, são breves e entrecortados, porque sempre O mar volta depressa, anelante. Esta omnipresença do mar torna-se obsessiva e oprimente. Porque esse mar tudo envolve, até mesmo o local que deveria ser o seu refúgio, a casa, pois ele espreita, impõe-se: Por entre todas as janelas.

A autora não perde a oportunidade de realçar a importância que o mar tem. Seria incontornável, impossível, não falar do mar. Por isso, fá-lo também graficamente. Assim, a espaços, isola o sintagma “o mar” numa linha apenas, ora a meio da linha, ora no início do parágrafo.

Na verdade, todos estes estratagemas preparam-nos para o fim anunciado: a morte no seio do mar.

A própria protagonista é retratada nesse vaivém, como se flutuasse sobre as ondas, balançando entre o amor de dois homens – Gilles e Jiri – porém, sem que ela ceda, presa, constante na sua paixão por Eric, o fiel da balança.

O mar domina todo o espaço cénico, pelo menos o da realidade. Só o das memórias é que nem sempre o inclui, pois esse é o tempo em que Clara ainda cantava, ainda se sentia presa à vida.

E falar de mar é também falar do tempo, das fortes chuvadas, do frio, das nuvens, não ao estilo de um quadro impressionista, cheio de luz, em pinceladas rápidas, mas sim de um quadro romântico, carregado, dramático. O tempo atmosférico, sufocante e de mau agouro, também participa desse ritmo binário e também ele serve de adjuvante ao desfecho da ação:

A tempestade rebenta depressa com a queda de granizo. Depois o silêncio. Novamente o granizo.

O cenário é demasiado grandioso, dominador:

Os cabelos, o rosto ensopados, Clara olha e pensa na sua morte, talvez porque desejasse estar ao nível daquilo que via.

É esse mar que preenche todas as horas de Clara. É dele que agora ela se alimenta. Todos os seus sentidos são bombardeados pela presença dele: a visão, o olfato, o tato, o paladar e também a audição. Pois embora a música seja uma referência constante, desde logo porque Clara era cantora lírica, essa mesma música que preencheu a sua vida, acabou por ser abandonada e substituída pelo mar, como confessa a uma amiga que lhe pergunta se ela era feliz:

-… feliz? A minha família gostava de mim. Tinha o mar em Joinville, os meus amigos, o piano…

– A música? E agora?

– O mar.

Mas, obviamente que a música, muito embora já não faça parte da vida atual de Clara, por vontade própria, porque abandonou a carreira, está presente ao longo de toda a novela. Durante a leitura nunca perdemos de vista o facto de a protagonista ser cantora lírica. Falar da música torna-se óbvio e contribui para a criação de um ambiente onírico muito sugestivo. A sua presença é poderosíssima no texto. A música funciona ainda como a banda sonora da narrativa, o pano de fundo que nos prepara para a tragédia que se avizinha. É o leitmotiv de toda a ação. É também ela que desperta as memórias, que liga a protagonista ao seu passado, que nos dá conta do seu estado de ânimo no presente.

Por isso, ela é devidamente escolhida. Nunca é uma referência inocente, porque vai sempre repercutir-se nos movimentos, nos sentimentos, nas memórias das personagens. Não são já as lider ou as árias na voz de Clara quando ainda cantava nos palcos de toda a Europa, é a música gravada que dá voz à memória. Podemos perceber como essas escolhas implicaram, por parte da autora, um conhecimento aprofundado da música, pelo menos uma busca muito seletiva de trechos musicais, adaptados a cada circunstância. Assim,

A escolha de O Castelo de Barba Azul de Béla Bartók (Não conheço nada mais triste., afiança Gilles) pode ser entendida como uma alusão à inconstância amorosa de Eric e ao sofrimento que este causou nas mulheres rejeitadas;

Já o Erwartung de Arnold Schönberg, o drama da mulher que encontra o seu amado morto, que o acusa de ser infiel, mas que desespera porque não sabe como viver sem ele, é convocado insistentemente ao longo do texto, porque tem paralelismo com a vida da protagonista, sem bem que a morte de Eric não seja real, seja apenas a ausência dele;

O melodrama Pierrot lunaire (também de Schönberg) é recorrente, incluindo-se mesmo citações das líricas: (Am Hals ein Zöpfchen/ Wollüstig wird sie que significa: «Ela está voluptuosa com essa trança ao redor do pescoço» ou Den Wein, den man mit Augen trinkt). A violência verbal, a controvérsia causada por esta peça abre-nos a porta para a luta interna das personagens. Há também um excerto de uma pauta de Il lamento de Ariana de Monteverdi, que será o seu adeus a Jiri.

Podemos acrescentar referências às Altenberg lieder de Berg, que deixam a protagonista desesperada, ou às pungentes lieder de Shumann. Ou às de Webern. Não faltam As Bodas de Fígaro que, quando ouvidas transportam a protagonista para o encontro com Jiri em Praga.

Curiosamente, a tragédia de Pelléas and Mélisande de Claude Debussy torna-se parte da ação, confunde-se com ela, é mais como se fosse tomada por um acontecimento real, paradigmático:

Ela fecha os olhos, deixa as mãos ao abandono. Sim, é tudo por causa de uma mentira, dessa necessidade de saber, enfim, – uma última vez – essa necessidade violenta e mórbida.

Da mesma maneira que Golaud atormentando Mélissande: “A verdade, preciso de saber a verdade!”.

Não admira a sua referência, pois, esta é também a ópera que liga Clara a Eric. Quase como uma premonição, este tinha pintado alguns quadros inspirado nela.

A música, sempre a música, ligando impressões, memórias: A música que chama em seu socorro transporta-a a Berlim, há doze anos.

Berlim em plena Guerra Fria, numa atmosfera política ambivalente, nesse limbo entre o Leste e o Ocidente. É neste espaço centro-europeu da Guerra Fria que as personagens do passado de Clara se movem.

Um dia, Clara caminhou até ao Muro. Homens, mulheres vestidos de cinzento, de verde sombrio, esperavam e não se sabia se eles ficavam lá, com todas as esperanças de ver chegar algum parente, amigo, filho, se pensavam penetrar nas ruas interditas ou se não chegavam a acreditar no Muro. Os projetores das sentinelas, à noite, revisitavam as fachadas estreitas, os palácios abandonados.

O ambiente soturno, a opressão política contribuem também para adensar a intriga. Mas mais explícito ainda talvez sejam os sonhos premonitórios:

Houve durante a sua vida [de Clara] três sonhos premonitórios: a morte da mãe, o suicídio de Alain e um terceiro: a sua doença.

A sua paixão é então vista como uma doença, doença que lhe será fatal e que é anunciada inconscientemente, ou talvez não, por Eric.

«Quando nos amarmos demais, meu amor, matar-nos-emos juntos.». Eric falava, como se bebe, com embriaguez, sem pressentir o que poderia acontecer a Clara.

Esta quase sentença, sentença ou promessa? será mais tarde reiterada por Clara:

– Se nós amamos demais, meu amor, matamo-nos juntos.

Mas Eric não estará com ela nesse momento. O amor dele tinha findado. Por isso, ela morre sozinha. A paixão de Clara e a traição de Eric tinham-na dominado totalmente.

Não tenho ilusões de que o que disse sobre esta obra estará sempre muito aquém do muito que se poderá ainda continuar a dizer. Por isso, o melhor tributo que se lhe poderá prestar será lê-la e saborear cada uma das suas palavras.

anabela freitas abril 2024