. AS “TIAS” DOS MOINHOS, 8 AGOSTO 2009 Não há Derrida que me salve nem Piaget que me explique

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. AS “TIAS” DOS MOINHOS, 8 AGOSTO 2009 CRÓNICA 70.

 

Nos Moinhos (de Porto Formoso) de novo. Uma micaelense disfarçava um bocejo com sotaque citadino elitista dizendo que os novos lavabos e balneários pareciam masmorras em betão. A ignorância e as noções de estética não pagam imposto, valha-nos Deus. Quem vira as anteriores faltas de condições para os banhistas apreciava a obra que acaba por se moldar na paisagem sem ser demasiado agressiva, na estética moderna valorizando o mobiliário urbano. A obra favorece o ambiente e a saúde pública, mas aparentemente ia contra privilégios antigos da senhora, a cujo sogro pertenceram terrenos e casas limítrofes ora devassadas, conforme apregoava alto e bom som para todos, nas mesas circundantes, ouvirem.

Ri-me evocando o bidé das marquesas em São Martinho do Porto onde passara os verões do meu descontentamento matrimonial original, mas não havia comparação possível em possidonice. Faltava-lhe a sofisticação das “tias” da Linha do Estoril e Cascais e as acompanhantes não conseguiam dissimular a origem fonética micaelense a que a matriarca tão desesperadamente queria escapar. Complexo de inferioridade ilhéu dissimulado? Querer mostrar ser mais importante que os demais, provar que já ia aquela praia há quarenta anos (era quase um título de posse sobre a praia e a esplanada), sobressair a importância do sogro (e de outros nomes bem-sonantes que a mim nada diziam – os ingleses usam uma expressão maravilhosa, name-dropping), como quem atira nomes ao ar, em vez de rebuçados para as crianças pobres apanharem. Só lhe faltava ser professora da universidade local para ser totalmente importante. Se calhar até seria, ou já teria sido, mas como não o mencionou era improvável, já que este tipo de gente vomita o seu currículo em voz alta nas esplanadas da praia…

Na Austrália trabalhei anos e anos com dezenas de pessoas e nunca soube – nem estava interessado – quais eram as suas habilitações. Aqui (Açores e Portugal) andam coladas aos dedos e à cara como se fizessem parte do Bilhete de Identidade genético. Em ocasiões destas, e em tantas outras que não apetece agora evocar, desmoralizo em total desespero, ansiando lançar os braços ao mar e nadar para a novi-ilha do Cristóvão de Aguiar e ali arribado, falar, falar até desfalecer. Noutras ocasiões iria à minha amada Austrália onde estes espécimes humanos só se avistam em zoológicos de famílias em vias de extinção, muito britânicos, mais do que os próprios apesar de nados e criados há gerações naquele continente-ilha.

Há solidões solitárias e multidões ermas, faltam tertúlias como as que recordo dos meus anos finais do Liceu Dom Manuel II (atual Rodrigues de Freitas) e do início do percurso na faculdade de Economia do Porto. Já tivemos um arremedo de reuniões assim nas longas noites de invernia insular, aqui no bar dos Moinhos, com o Manuel Sá Couto, o Daniel de Sá, e tantos (outros e outras) que iam e vinham consoante a chuva, o frio e a humidade ilhoa que desperta essa vontade inaudita de contaminação humana. Todos à deriva neste imenso Mar Oceano. Não há Derrida que me salve nem Piaget que me explique.

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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One Response to . AS “TIAS” DOS MOINHOS, 8 AGOSTO 2009 Não há Derrida que me salve nem Piaget que me explique

  1. Laura Areias diz:

    Bravo! Apoiado!!!
    Eu vivo em Buenos Aires e não se exibem títulos… todos de tratam por tu, abraçam e beijam!
    Deve ser coisa no Novo Mundo…
    Laura Areias

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