as mulheres e o NObel

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AINDA EM RELAÇÃO AO PRÉMIO NOBEL DE LITERATURA E AS SUAS 16 MULHERES GALARDOADAS EM 119 ANOS.
Homens . 103; Mulheres: 16
SELMA LAGERLÖF (1858-1940) – A primeira mulher a ganhar o Prémio Nobel de Literatura em 1909; a primeira mulher a ocupar um lugar na Real Academia Sueca, o lugar número 7: a primeira mulher doutorada em Uppsala; a primeira feminista nórdica, activista e lutadora dos direitos das mulheres por essa Europa fora, por meio de conferências, sessões em locais públicos, etc, etc, num dificílimo princípio de século coberto pela guerra.
Deixo-vos o capítulo do meu livro publicado no ano 2018, por Relógio D’Água, o romance biográfico “A Saga de Selma Lagerlöf”.
2ª edição
Este livro foi nomeado em 2019 para o Prémio SPA – Autores melhor ficção narrativa
Este livro está incluído no PNL para o ensino secundário
…O PRÉMIO NOBEL – tudo o que eu ganhei
Antes de vos falar do Prémio Nobel, gostava de dizer que em 1914, cinco anos depois desta minha glória, fui convidada para a Academia Sueca. E assim me tornei na primeira mulher a estar presente nestas reuniões de homens sisudos, graves e austeros. Devo dizer que muitos deles me olharam de alto a baixo. Há dezenas e dezenas de anos, só homens eram admitidos na Academia. Fui, mais uma vez, a primeira.
Lutei com firmeza pela defesa efectiva dos direitos das mulheres sem conceder o mínimo espaço a parvoíces e a aproveitamentos políticos; percebi à distância o verdadeiro feminismo sem nunca conceder facilidades, lugares comuns e ignorâncias; expus-me de forma visível, ordeira, mas firme, cortei o meu poderoso cabelo, caminhei por todos os espaços com determinação e fui a voz de centenas de mulheres. E era nova, tão nova ainda…
Tomei de assento, na Academia, a cadeira com o número 7.
Mas antes deste importantíssimo acontecimento que deu voz a uma mulher, eu própria, em 1909, já com vários livros escritos e publicados, subi ao trono mais alto, esse muito desejado por todos os escritores: o Prémio Nobel de Literatura.
Ora eu, uma escritora provinciana, digamos assim, a escrever sobre as minhas raízes nada urbanas e que aspiro ao sublime; eu a escrever as paisagens da minha terra com seus mistérios e desvarios, bosques, florestas lagos, cavernas, bichos, seres alados, bagas, rebentos e comeres; eu, a viver e a crescer por entre bruxas velhas, videntes e trolls, a desejar as noites frias de luar e os fins de tarde de seda, esses fins de tarde em que o meu pai desejou morrer e neles morreu várias vezes; a insistir sempre e naturalmente numa escrita em prosa simples, amplamente descritiva repleta de imaginação, situações transcendentes, acontecimentos improváveis. Na minha literatura nunca aceitei, nem usei, nem compreendi o tal realismo e escrevi sempre o que imaginei com palavras fáceis e compreensíveis. Talvez por isto tudo, talvez por ter provocado um abanão, e dos fortes, na intelectualidade literária da época tive muitas opiniões desfavoráveis, bem sei, mas acabei por surpreender todos quantos me julgaram e apreciaram. Por exemplo, um dos grandes, enormes escritores da minha época, August Strindberg – morreu três anos depois de eu ter ganho o Prémio – tentou por todos os meios possíveis e ao seu alcance denegrir a minha imagem.
Cerca de dois anos antes do Prémio, tinha-me recomendado, como escritora, à sua filha adolescente que desejava escrever, no futuro. Achava-me ele, na altura, inofensiva. Era mais uma mulherzinha que se entretinha a escrever, bastante bem, umas historietas. Podia, facilmente, ser recomendada a uma adolescente pela “leveza e sinceridade” da obra. Enganou-se. Nem eu era inofensiva nem os meus livros eram historietas. August Strindberg odiou, odiou mesmo, a ideia de uma mulher obter e ganhar semelhante distinção em forma de Prémio. Nunca conseguiu nem esquecer nem ‘perdoar’ esse facto aos outros homens que me tinham proposto. Nem ele nunca chegou a saber que também fui a primeira mulher a ocupar um lugar na Real Academia Sueca. Naqueles tempos, era difícil esta nossa condição. Mulher, feminista, activista, escritora ainda por cima!
Pensei sempre nos meus opositores, todos quantos contrariaram a minha serena candidatura a este prémio, propondo sempre outras pessoas, cheios de raiva. Isso, nunca consegui perceber. A minha literatura ia, realmente, contra todas as marés da época, mas principalmente e acima de tudo, eu era uma mulher.
A subida de uma mulher ao trono literário podia ser uma remodelação total e um incentivo único nas escritas da época. Acredito que foram clarividentes, os jurados. Acredito que foram justos e inteligentes, os jurados.
Sei, perfeitamente, o meu valor como escritora. Por esta condição de vida me bati desde sempre. Desde a escrita, em segredo, das minhas centenas de poemas, em criança, no sótão de Mårbacka, sozinha, parada, enrolada sobre as minhas pernas, enquanto aprendia a ler Oceola, esse extraordinário livro de aventuras *, o primeiro livro que me excitou, deveras, o pensamento.
(…)
Daqui a cem anos, alguém se lembrará de mim? Saberão quem foi Selma Otília Lovisa Lagerlöf que assinou os seus poemas e todos os escritos transformados em livros com o nome de Selma Lagerlöf? Este prémio absoluto… Quem sou eu?
(…)
De tudo o que escrevi. Alguma coisa restará no futuro? E eu? Quem vai lembrar-se de mim? E mesmo que conheçam os meus livros, conhecerão a minha imagem? Tenho, neste momento, cinquenta e um anos e vou viver mais trinta. Isto sei eu, agora que escrevo sobre ti e tu sabes, eu sou tu e tu és eu e eu conheço a tua história e mesmo que tudo isto possa parecer inverosímil, a vida é assim, eu estou viva e escrevo passagens da tua vida e mal sabes tu, Selma Ottilia Lovisa Lagerlöf, que veio a existir uma pessoa, noventa e um anos depois da tua morte a escrever um pequeno livro sobre tão grande vida, sobre tão grande vontade e sonho. A tua vida.
O que pensarão sobre mim estes senhores para me concederem o tão desejado Prémio Nobel de Literatura neste ano de 1909? Aqui vem a chegar uma pobre mulher toda vestida de preto porque talvez pense que esta é a cor mais própria para tão venerado e ilustre acontecimento. E quando me observarem a coxear pelos salões, quando eu ler estas três páginas tão simples, dedicadas ao meu pai? E no fundo, dedicadas a mim que fui contemplada com tão grande e admirável prémio. Eu queria isto. Não vale a pena negar. Eu queria ganhar este prémio, fazia parte da minha vida literária, da minha ambição.
(…)
Cristina Carvalho em “A SAGA DE SELMA LAGERLÖF”
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