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Catarina Alves diz que tudo é possível com muito trabalho
Escultora transforma a natureza açoriana em arte através da sua marca Pedras de Lava
Correio dos Açores – Como e quando descobriu a sua paixão pelas artes, em particular pela escultura?
Catarina Alves (Artista) – Desde criança que gostava de trabalhar com vários materiais, de fazer experiências e de sujar as mãos. Venho de uma família de pessoas dotadas para as artes, com jeito para trabalhos manuais. A minha mãe era costureira e o meu pai sempre teve muito jeito para a carpintaria.
As pedras e os elementos da natureza sempre me fascinaram. Fazia colecções de pedras, galhos, troncos, folhas. Na escola era muito criativa, especialmente na parte da plasticidade e de exploração dos materiais. Quando fui para o Liceu (Escola Secundária Antero que Quental) enveredei pelas artes e foi nesta escola que desenvolvi mais o gosto pela expressão plástica. Na altura de escolher a universidade, optei por seguir Belas Artes. Entrei no ensino superior em 1999 e terminei o curso em 2004. Nos dois primeiros anos da licenciatura, tínhamos pintura, escultura e design em comum para todos, e nos últimos três anos é que nos especializávamos numa dessas áreas. No meu caso, a parte da escultura, as técnicas da madeira, da pedra, do gesso, foram-se tornando cada vez mais aliciantes.
Na faculdade, cheguei a levar pedras de São Miguel para Lisboa para fazer esculturas. Confesso que sou um pouco obcecada com o que define a minha terra. O basalto, que é a nossa rocha vulcânica, tem uma energia que não se encontra em mais matéria nenhuma. Sinto muito a ligação à matéria, com a rocha e com a energia que vem da terra.
Como nasceu a sua marca Pedras de Lava?
Depois da faculdade, fiz alguns trabalhos, mas sentia que me faltava algo. Como gostava de bijutaria e também por não encontrar em São Miguel nada com que me identificasse quando queria usar um acessório diferente, comecei a fazer algumas peças por brincadeira, utilizando cascalhos e outros materiais banais. Fui desenvolvendo algumas coisas e as pessoas foram gostando.
Porquê o nome Pedras de Lava?
Desde o princípio, decidi que tinha de se chamar Pedras de Lava, porque associo a pedra e a lava à origem, aos Açores. Os Açores são uma região rica em rochas vulcânicas, devido à sua formação geológica. Por todo o lado, existem pedras de diferentes formas, repletas de minerais. Cada pedra tem uma razão de existir e cada uma tem um sentido a dar às nossas vidas, por isso é que quando trabalho a pedra vejo nela a sua alma, e ela a minha.
De que forma a natureza e o artesanato dos Açores influenciam as suas criações?
Venho de uma família com uma raiz rural, muito ligada à terra. A minha mãe ensinou-me a fazer bordados e rendas. Dou muito valor às coisas que os meus antepassados fizeram. Quando comecei a trabalhar na marca Pedras de Lava, fiz uma série de peças alusivas a isso. Na altura, usava-se muito os maxi colares e eu fiz alguns que são mesmo bordados com linhas e missangas, inspirados nos bordados tradicionais. A parte dos lavores, dos trabalhos minuciosos que as mulheres faziam, sempre me fascinou.
Além disso, tento mostrar um pouco do que me define e que define a Região porque acredito que as Pedras de Lava também levam o nome dos Açores para outros locais do mundo.
Tenho como preocupação criar peças bonitas e faço-as a pensar no que eu gostaria de usar, e não apenas a pensar nos turistas. Não as faço só para agradar aos outros. No fundo, faço peças de autor, statement pieces. Quem usar uma peça destas, está a incorporar a marca.
Até onde já foram as suas peças?
Já tenho algumas sementes espalhadas por aí. Sei que estão no Dubai, na América, no Canadá, em Inglaterra, em França e nos países nórdicos também tenho bastantes.
Como reutiliza e valoriza materiais residuais e elementos da natureza nas suas peças?
Na escultura procuro a reutilização dos materiais, pois preocupa-me muito a questão do ambiente. Para as criações da Pedras de Lava, utilizo as sobras de madeira de projectos que já fiz e de outros carpinteiros. As pedras que uso são igualmente sobras dos meus trabalhos de escultura, para os quais fui à pedreira, ou seja, é feito de forma sustentável. No projecto Manifesto ao Desperdício tive a oportunidade de explorar muitos materiais pouco comuns, nomeadamente o plástico. Pedi no centro de triagem de Ponta Delgada que me fornecessem diversos sacos de diferentes cores para fazer tapeçarias, desenho com plástico sobre papel, entre outros. Criei muitas pastas utilizando papel e introduzindo em simultâneo ráfia desfiada ou plástico triturado. Realizei inúmeras experiências que me possibilitam criar outras esculturas com materiais diferentes. Ao fim ao cabo, os artistas plásticos são como os cientistas, na medida em que estamos sempre à procura de inovar e de experienciar técnicas e materiais diferentes.
Fale-nos sobre o Manifesto ao Desperdício…
Manifesto ao Desperdício foi um projecto que surgiu de uma exposição que fiz na Ribeira Grande em 2019, que tocava na sensibilização ambiental devido ao problema da poluição. Esta exposição suscitou o interesse da MUSAMI em apoiar o projecto. Manifesto ao Desperdício foi uma exposição itinerante que percorreu a ilha toda.
O projecto era um percurso que reflecte a forma como vejo o meio ambiente onde me integro, e o impacto deste meio ambiente em mim. Uma das séries que trabalhei foi sobre a metamorfose. Isto é, como eu me transformei também e como senti o impacto destes materiais. Ao fim ao cabo, este projecto acaba por resumir um pouco o percurso. Por outro lado, procurei passar uma mensagem. Tentei fazer algo que tivesse algum impacto nas comunidades. Mesmo que seja pouco, sempre influencia alguma coisa.
No âmbito deste projecto, fiz algumas visitas guiadas a jovens e crianças de várias escolas. O feedback deles foi muito interessante. No mínimo, obriguei-os a pensar e reflectir sobre o desperdício e as questões ambientais. Espero que tenha sido um contributo para que tenhamos um mundo melhor. Manifesto ao Desperdício foi a realização de um projecto que foi concebido por mim, do início ao fim, e que fechou um ciclo do meu trabalho.
Onde se podem encontrar as suas peças?
De momento, tenho as minhas peças à venda na loja Portugal Nice Things em Ponta Delgada, porque não consigo produzir muito. Já tive na La Bamba, mas não estava a conseguir produzir o suficiente pois tenho outros trabalhos a decorrer em paralelo.
Em que se inspira para criar as suas peças?
Tento criar colecções inspiradas nos elementos da natureza. Há dois anos, a colecção Ígneas foi inspirada no fogo. A mais recente é Terras de Bruma e é inspirada na terra. Nos materiais que utilizo, a madeira e a pedra, quase que só tiro o excesso de informação e tento conjugar os materiais.
A inspiração vem com muito trabalho. Há muita pesquisa e reflexão por trás. Esforço-me para ter uma ideia, ou seja, procuro reunir elementos para que consiga criar uma ideia. As ideias não surgem do nada, mas aparecem quase naturalmente depois de muita pesquisa e de muito pensar sobre aquilo.
Já teve alguma experiência desafiante ao criar as suas peças?
Já tive muitas, principalmente quando se trata de encomendas porque o cliente tem uma ideia e cria uma expectativa em relação ao que eu vou fazer, e é complicado superar as expectativas. Outro aspecto desafiante é a pressão do tempo. Conciliar o timing com a expectativa do cliente creio que é o mais desafiante.
Como é ser artista e viver da arte nos Açores?
Ainda ando a “sobreviver”, mas tudo é possível com muito trabalho. Ao longo dos anos tenho vindo a desenvolver vários projectos e fazer várias coisas, e tenho conseguido garantir a minha sobrevivência. Tenho também uma boa rede de apoio familiar. Sinto que, aos poucos, estou a conseguir crescer como artista. Estou a fazer a minha caminhada, com muitas pedras, mas que são todas necessárias, pois colho-as todas para utilizá-las nos meus trabalhos (risos). Destaco que tenho tido a ajuda, no que toca a estabelecer a marca Pedras de Lava e a torná-la sustentável, da MOVE ONG, uma organização que veio para São Miguel em 2020.
Além de artista, é formadora…
Trabalho com a Aurora Social. Faço, uma vez por semana, uma sessão de artesanato com eles. Nos últimos dois anos lectivos, estive a trabalhar em colaboração com a VidAçor – Associação de Desenvolvimento Comunitário. Eles têm um projecto muito interessante, denominado “Expressividades”, que leva as diferentes expressões artísticas a crianças do segundo ano. Fiquei encarregue da parte das expressões plásticas. O ano passado, começámos um projecto de sensibilização ambiental através da arte, com algumas turmas da Escola Rui Galvão de Carvalho em Rabo de Peixe.
Quais são os seus objectivos para a marca Pedras de Lava? O que gostaria ainda de explorar?
A marca Pedras de Lava já existe há alguns anos, mas sinto que agora é que ela está a crescer com força. Ambicionava que a marca fosse conhecida em todo o mundo. A nível de escultura, gostava de desenvolver alguns projectos, no entanto vejo-me cada vez mais a aplicar a escultura às peças pequenas das Pedras de Lava. Já deixei de fazer planos a longo prazo, na medida em que isso me bloqueava. Tenho uma projecção do que gostava de fazer mas sem grandes expectativas. Vou vivendo um dia de cada vez.
Carlota Pimentel *
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Alexandrina Bettencourt