apresentar Eduíno de Jesus, na abertura do Azores Finge Festival, de 2024,

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Eduíno de Jesus, como um Afonso da Maia, mais velho do que o século, carrega consigo a experiência e a sabedoria das décadas acumuladas. Homem de longos silêncios, é dono de palavras múltiplas, que se aninham no seu regaço, como se delas fosse pai, mãe, capataz, patrão, senhor ou deus.
Contemporâneo da pós-modernidade, trilha o seu trajeto escapando às balizas demasiado restritas de correntes, géneros e tendências, alimentando a sua escrita com uma consciente fragmentação estilística, formal e temática, explorando a pluralidade, pela fusão de estilos.
O seu recente Como Tenuíssima Espuma de Luz (Poética Fragmentária), com desenhos de Artur Bual, que casam bem com a palavra dita e com a palavra omitida, é um exemplo da genialidade que não se confina ou submete à temporalidade de um período.
A sua obra está prenhe de referentes humanos, empíricos, Vergílio Ferreira, Maria João Bual, José Enes, Eleonora Marino Duarte, Fernando Aires… mas os textos, finitos mas não efémeros, sintéticos mas não mutilados, apresentam um convite para que se encete uma jornada para além das fronteiras da realidade e da palavra, onde os termos dançam ao ritmo de uma imaginação que o tempo não deixou minguar e de uma emoção que a cronologia não castrou.
A sua escrita transcende o tempo, mas está atenta ao poder incomensurável do verbo, como revela o poema
ARTESANIA POÉTICA (pág. 36)
Não é uma poesia labiríntica, que obrigue à dissolução de certezas e alimente as dúvidas existenciais do leitor, nem se alimenta de ambiguidades desnecessárias. Todo o processo de redação é meditado: a seleção da palavra, a cadência, a quebra do verso, a imagem concebida.
De facto, os poetas, os bons poetas, são imortais, apesar do sujeito lírico acreditar que “os homens passam”:
AS PALAVRAS (pág. 37)
Os seus 96 anos de provecta idade poderiam ditar um período de acalmia, porém, a sua voz continua a ressoar, não com a mesma vitalidade dos seus primeiros escritos, está claro, mas com a firmeza “[d]’um saber [só] de experiências feito” (Camões, Os Lusíadas). Cada palavra sua, cogitada até à fonte, é uma renúncia ao desnecessário, ao supérfluo, ao decorativo, manifesto da sua dedicação à arte da escrita e à verdade da Palavra. Urbano Bettencourt assim o reconhece, também, quando, na sua compilação de ensaios, Sala de espelhos, afirma que “A poesia de Eduíno de Jesus seguiu por outros caminhos, num assumido subjetivismo e numa sobre-vigiada elaboração formal, atenta ao poder da palavra e às potencialidades do seu manuseamento, desembocando por vezes no terreno do experimentalismo verbal e poético” (2020). É, no seu fim, uma celebração de vida, de talento e de arte.
Eduíno de Jesus é, assim, simultaneamente, mestre, visionário e Hipocrene, queiram as gerações seguintes sorver da água inspiracional que jorra desta nascente.
Demoradas vénias ao Mestre!
Pedro Paulo Câmara
(Coube-me a honra e o desafio de apresentar Eduíno de Jesus, na abertura do Azores Finge Festival, de 2024, no auditório da Madalena.)
Azores Fringe Festival
Pico – 2024
Homenagem a Eduíno de Jesus
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António Callixto

Parabéns ao mestre e ao apresentador.
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