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1. e-31 memórias mistas na ilha encantada das brumas [nos 57 anos do meu pai] – nov 27, 1971
na ilha encantada das brumas festeja-se hoje o dia universal do AMOR.
apesar do armistício mundial, as nações beligerantes num desespero de tédio tentaram boicotar a iniciativa.
meu pai – homem de palavras poucas mas sábias – nunca me disse onde conheceu minha mãe.
guardava esse segredo ciosamente com laivos de vingança contra o mundo. a perguntas minhas nunca calou RESPOSTA.
homem duro e marcado tinha palavras ternas nas mãos que também sabiam castigar.
meu pai era um HOMEM.
para ele vida sinonimizou sempre FAMÍLIA, ninguém como ele melhor me justificou a existência, mas na irreverência da minha dúvida eterna e jovem nem o ouvia.
compreendia-o e se o dissesse contradizia a imagem que de mim criara.
as minhas respostas eram insultos, ofensas. discutia, provocava.
bondoso acabava por vir até mim com uma palavra JUSTA e dócil, não se vergando nela como numa justificação, antes se enaltecendo e elevando a meus olhos por tal atitude.
como rebelde rejeitei sempre essa PALAVRA justa e dócil, mas ele era o CAMINHO, mostrava-mo vezes sem conta.
fingindo ouvir, baixava os olhos para mim próprio, escondendo na alcatifa os pensamentos.
falava-me: o caminho era ele e eu recusava-o, não era para mim, nem para as minhas posses.
a decisão tomara-a há muito, e ele sabia-o com dor e mágoa de pai.
embrenhado em atalhos e ruas duvidosas, sem futuro nem certezas, envergonhava-o desacreditava-o como pai e ele sempre sem saber como eu o admirava.
ao caminho demasiado árduo, preferi a vida, a aventura, emoção, luta fácil.
sei que choraria por mim se o soubesse, e merecia nem que fosse uma só palavra minha, terna, de amparo, o meu braço pouco forte em vez da mentira.
até um dia, belo, cinzento em que descobri o SEGREDO inviolável: meu pai encontrara minha mãe nas ilhas encantadas das brumas, lá onde habitava o AMOR.
jamais lá estive, por isso, sempre perto de meu pai, longe dele estive.
1954
1960
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1968
1982