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Liberdade açoriana
E eu não gosto de queijo.
É pior que ser ateu nos Açores.
Na terra (dizem) dos melhores queijos da pátria, não gosto.
A memória que o pai repete da minha infância?
levaram-me para Atenas, em férias, e comi, por engano, uma salada com queijo.
(fomos na TWA, que já não existe)
É muito fino, este.
Só come queijo na Grécia.
(ofendido, fui passear, sozinho, em Atenas;
nos anos setenta uma coisa banal, ninguém chamou a polícia ou a proteção civil)
Tinha sete anos.
(medo de andar sozinho, na rua Machado dos Santos, em Ponta Delgada, mas em Atenas, não)
E em Santa Maria os meus avós(com quem aprendi a ser livre)foram os primeiros divorciados legais da ilha e durante algum tempo, os únicos.
E o meu avô António, casou com a mulher, juíza em substituição, que lhe decretou o divórcio(seriam amantes há trinta anos).
Os meus avós morreram e eu nunca mais fui a Santa Maria.
E em São Lourenço, ainda na ilha mãe, acho que na casa dos primos Magalhães, ouvi alguém falar de uma “banda rock”, os “Velvet Underground”.
E para sempre(até hoje) são o meu grupo.
Parte da minha família imaginária.
Excelentíssimo senhor Lou Reed:
Chamo-me António, açoriano, tenho onze anos de idade e fiz estas letras.
Cumprimentos para o resto do pessoal.
Obrigado.
A minha esposa não autoriza
“All Tomorrow’s Parties” em casa.
(diz que é tortura)
Ainda espero por resposta dos Velvet.
E Lou Reed morreu.
E quando o padre João Seabra, capelão da Universidade Católica, em Lisboa(onde “estudei” direito uns anos), “me chamou” para perguntar se eu era comunista:
sabes o Bispo reitor(depois foi para Cardeal!)disse de uns rumores que és comuna, eu tinha de dizer para ele ir para aquele lado.
(liberdade)
Estamos a formar elites, Correia!
(nunca fui comuna ou marxista pois sou um individualista militante mas disse que sim para provocar)
E nunca mais lá voltei.
Está bem.
Tentei ler “O Capital” com dez anos.
Quase igual a ler James Joyce nos Açores.
(no entanto as mulheres comunistas sempre gostaram de mim, talvez pelo meu desespero).
E nunca gostei de cozido nas Furnas
(o cheiro a enxofre).
E isso, caro amigo, interessa a quem?
Foto: LP “The Velvet Underground & Nico”, 1966 (distribuído em 1967).
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