ANTÓNIO BULCÃO QUEM REPRESENTA QUEM?

Quem representa quem?
A democracia é o regime em que a soberania reside no povo. Muitos preferem uma definição mais simples, dizendo que a democracia é do povo e para o povo.
Depois de 48 anos de ditadura, com partido único e eleições de fachada, é comum dizer-se que vivemos numa democracia desde 1974. Mas enquanto a maioria de nós pensou “o que é a democracia pode fazer por todos?”, alguns pensaram “o que é que a democracia pode fazer por MIM?”.
Esta minoria rapidamente se apercebeu de como funcionava a democracia representativa. Através dos partidos. Durante muito tempo para quase todos os órgãos nacionais, regionais e locais, a partir de certa altura permitindo a lei candidaturas independentes para as autarquias. Mas, para a Assembleia da República e para a Assembleia Regional, os partidos mantiveram o seu monopólio ao nível da possibilidade de candidatura. Era a oportunidade dos tais que pensaram “o que é que a democracia pode fazer por MIM?”.
Ao fim de alguns anos, estabeleceu-se a certeza de que eram “sempre os mesmos” os candidatos naquelas eleições. E eram. Com algumas excepções, nos partidos que exerciam o poder. Os lugares cimeiros eram ocupados por quem já se sabia que iria “sair para o governo”, e lá deixavam as cúpulas que lugares mais abaixo na lista fossem preenchidos por “caras novas”. Mas os tais “mesmos” tinham sempre lugar seguro: se o seu partido ganhasse as eleições, iam realmente para o governo. Se perdesse, iam para deputados.
Conheci professores que nunca deram uma aula, entregues à árdua tarefa de nos representarem. Funcionários públicos que deixaram de funcionar publicamente para tomarem assento na Assembleia. E pessoas que nunca trabalharam na vida deputados vitalícios. Políticos de profissão. No interior dos partidos, de quatro em quatro anos, era uma guerra pegada, para a ocupação dos “lugares elegíveis”. E os eleitos eram outra vez os mesmos…
No meio deste sistema de “por costume serem os mesmos”, deixámos de nos perguntar se os eleitos tinham realmente capacidade para nos representarem. Habituámo-nos. Elegíamos deputados que depois não ocupavam o seu lugar nos parlamentos. E a democracia foi ficando cada vez mais representativa apenas na teoria.
Nas próximas eleições, o PS apresenta como primeiro candidato Francisco César, filho de Carlos César. Nenhum deles trabalhou um dia que fosse na vida. Nessa medida, representam uma minoria, já que a maioria não tem outro remédio senão trabalhar para viver.
Sérgio Ávila é o segundo da lista. Trabalhou uns poucos anos, mas há 26 anos que não larga a “coisa pública”. E só por milagre não alargará para 30 anos essa sede de serviço.
O que seria de um e outro, se o PS tivesse constituído governo nos Açores? Francisco César teria sido o quê? Presidente da Assembleia Regional? Secretário regional? E Sérgio Ávila? Seria neste momento novamente vice-presidente, com todas as alegrias que o cargo lhe proporcionava?
Como a coisa não lhes correu de feição, toca a cavar daqui para fora. Vamos para Lisboa, isto aqui nas ilhas já deu o que tinha a dar. Vasco Cordeiro e muitos dos que querem os lugares que eles deixarão vagos na Assembleia Regional ficam contentes. Vão-se livrar deles…
Mas… e quem votou neles? Ficará contente também? Afinal, há pouco mais de um ano, votaram em tais personagens para os representarem, ou para eles fazerem o que é melhor para os próprios?
Com quase 48 anos de democracia, talvez seja mais que tempo de pensarmos nisto muito a sério. Começando já daqui a 12 dias. Escolhamos para nos representar quem realmente o merece e quer assumir o seu mandato, pensando no povo que, pelo menos na Constituição da República, continua a ser soberano.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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