Que possamos saber quais são
Nestes tempos terríveis que vivemos, há nestas ilhas quem se entretenha a cometer crimes.
Crimes de desobediência, de falsificação e, pelos vistos, até crimes de propagação de doença.
Não devia ser preciso o Direito, para evitar tais comportamentos desviantes. Deveria bastar a consciência individual e o respeito pelos outros.
Quando as autoridades de saúde e governamentais tornam público que há criaturas tão desejosas de passar férias que chegam a alterar o próprio nome ou a entregar pedidos em delegações diferentes das suas a fim de obterem autorização para viajarem, a minha falta de fé no ser humano cresce sem controlo.
Não temem estas almas pela sua saúde e das suas famílias? Não querem saber dos outros, cidadãos responsáveis que se trancaram em casa para conter, na medida do possível, a propagação deste vírus maldito?
Quem viola uma quarentena imposta comete um crime de desobediência. Quem, sabendo-se infectado, anda por aí como se nada fosse, comete um crime de propagação de doença. Quem altera a sua identidade ou o local de residência comete crimes de falsificação.
Estes, que se fazem passar por outros, estão a tentar desobedecer. Num crime de desobediência, no entanto, a tentativa não é punível. Quando há desobediência a uma ordem dada por quem tem legitimidade para a dar, o crime está consumado.
Por outras palavras: em circunstâncias normais, ninguém tenta desobedecer. Ou desobedece ou não desobedece.
Só que estas não são circunstâncias normais.
Nos dias em que vivemos, há uma ordem para apenas viajar em caso de força maior. Quem tenta viajar para ir passar férias está a tentar desobedecer àquela ordem.
Não sendo a tentativa punível, se não houver uma alteração legislativa, imposta pelo estado de emergência, os trapaceiros desrespeitadores ficarão impunes, perante a Justiça.
Só que o Direito não é a única ordem normativa existente numa sociedade. Há mais três.
A ordem de simples trato social, que obriga por exemplo a que cumprimentemos os nossos vizinhos, ou que demos a parte de dentro do passeio ao mais velho. Quem viola estas normas não vai a Tribunal. Mas é olhado de soslaio pelos seus semelhantes e vai sendo progressivamente “posto de lado”.
A ordem de moral, que impõe a distinção entre o bem e o mal. Quem cospe na rua não vai para a cadeia, pelo menos por enquanto. Mas é olhado com nojo por quem vê.
A ordem religiosa. Quem viola os mandamentos sujeita-se ao cumprimento de penitências.
O que a ordem jurídica tem de mais intimidador é a natureza da sanção. Pode impor multas, pagamento de indemnizações, ou, nos casos mais graves, a privação da liberdade.
Os violadores do seu dever de obediência, os falsificadores de documentos ou os propagadores de doença podem ir parar à cadeia. Poderão ainda vir a ser processados civilmente e eventualmente serem condenados a pagar indemnizações a terceiros aos quais prejudiquem.
Mas aos que apenas tentam violar o dever de obediência nada lhes acontece.
Por isso proponho que a Autoridade de Saúde passe a divulgar publicamente os seus nomes. Se esses seres marginais podem alterar o nome para potencialmente contrair uma doença e eventualmente infectar os demais, então que saibamos o seu nome verdadeiro.
Para que os possamos olhar com desprezo. Quem se está a marimbar para a saúde colectiva, merece, pelo menos, que a gente se marimbe para eles quando este drama passar.
António Bulcão