ANTÓNIO BULCÃO FALAR AOS PEIXES

Melhores ouvintes que certos homens…
Há meses contei-vos do tanque que há no jardim da Secretaria Regional da Educação e dos peixes que nele habitam.
Pensei ser tema esgotado. Só que aconteceu um episódio que merece ser contado.
Como vos tinha dito que faria, vou alimentar os peixes todos os dias. Flocos que cheiram a camarão, juro-vos que ao ponto de me desorientarem a bicha-solitária. Espalho a leve comida ao longo das margens e fico a ver os bichos a comer. Estão cada vez maiores e mais bonitos, as cores mais vivas, nota-se que estão bem mais felizes do que quando só tinham lodo à disposição.
No princípio da semana passada, no entanto, não apareciam. Nem um. Rodeei o tanque várias vezes, a olhar o fundo e… nada. Estranho. Muito estranho. Teriam sido roubados? Por um ladrão tão meticuloso que rapara tudo, nem deixando um para amostra? Armado de escada para ultrapassar o muro, camaroeiro para retirar os animais, baldes com água para os meter? Tudo isto sem ser visto, denunciado à polícia? Muito pouco provável. Mas a verdade é que o tanque parecia vazio…
Já preocupado, decidi pegar no telemóvel e ligar para o Dr. José Humberto. “Os peixes desapareceram todos…”.
“Como desapareceram? Isso não pode ser. Ah, já sei, os meus fazem a mesma coisa no tanque lá de casa. Quando a água está muito fria, escondem-se debaixo dos nenúfares para se aquecerem…”.
“Ah é? Olhe, começaram a aparecer. Obrigado. Um abraço”.
Comecei a tentar entender. Não a causa do desaparecimento, essa estava explicada e bem entendida, fazia todo o sentido. Só não conseguia perceber o que levara os peixes a virem à superfície. A única coisa diferente que houvera tinha sido a minha conversa.
De repente, fez-se luz. Tinha sido a minha voz. Não sei explicar cientificamente a relação de causa e efeito, mas os peixes ouvem. Serão as vibrações da voz na água? Que se propagarão em ondas até às suas escamas e guelras? Será qualquer outro fenómeno que os físicos tomarão como banal mas que, para mim, foi como um milagre?
Decidi testar a minha teoria. Nos dias seguintes, aproximei-me devagar, quase pé ante pé, para não ser visto nem ouvido. Chegado à borda do tanque, disse, em bom som: “Rapaziada, chegou a paparoca!”. As águas, vazias antes, encheram-se de corpos natatórios. Os peixes ouvem, meus amigos.
O padre António Vieira já o sabia. Eu é que não o li bem. Assim sendo, vou convidar o mesmo pregador para dar umas voltas por aí e fazer uns sermões. Não aos peixes, desses já tratou antes e agora trato eu. Quero que ensine umas coisas a um certo deputado, que teima em malhar na Educação deste governo, não hesitando até em distorcer a verdade para tentar convencer não imagino quem…
O melhor ano para todos. Que se vá embora a Covid, em todas as suas variantes. Que certas almas tomem juízo e se convençam de que estas ilhas não têm donos, por muitos anos tenham mandado, convencidos de que eram sua propriedade privada. Os donos destes calhaus somos todos nós. E todos os que vierem por bem… serão bem-vindos.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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  • Arminda A Alvernaz

    Desejo que o Ano Novo que está a chegar lhe seja tão gostoso como é para mim ler os seus textos. Simplesmente ADORO! 🌟