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Resposta ao Dr. José Luís Parreira
Meu caro Dr. Parreira: pensei muito antes de escrever as linhas que se seguem. Concluí que não valia a pena, que não tinha entendido a razão do meu escrito nem o seu conteúdo principal, que não tinha grande fundamento a sua ofensa profunda.
Só que a noite passada aconteceu uma coisa não prevista. Fui tomar banho, como sempre faço antes de recolher ao leito, e quando voltei para o quarto quem é que encontro sentado na cama? Ainda por cima com umas pantufas minhas calçadas nos pés?
O Adam Smith. Exactamente, esse Adam Smith, pai do Liberalismo. Assustei-me um pouco, apesar de o homem estar bem conservado, mesmo que morto. Não estava nada à espera de encontrar tal suma figura na minha cama. Por isso decidi interpelá-lo rapidamente:
– Sr. Adam, tenho aulas amanhã de manhã e preciso de dormir. O que é que o senhor quer a estas horas?
A resposta foi surpreendente e é o motivo desta cartinha. Ralhou-me o erudito por ter escrito o que escrevi. E explicou o motivo. Segundo ele, o verdadeiro autor de “ A Riqueza das Nações”, bíblia da sua nova ideologia, é o Dr. Parreira, noutra vida que viveu. Ele, o Smith, ter-se-á limitado a assinar, porque o senhor quereria manter o anonimato, já que é tremendamente modesto.
Confesso que fiquei de rastos. Juro-lhe que se tivesse sabido disto antes nunca teria falado em vergonha ou coisa que o valha. Muito pelo contrário, tornaria pública a informação, gabaria sem limites as suas capacidades e talvez até votasse em si, quem sabe?
Depois fui reler a resposta que me dirigiu e mais impressionado fiquei com o seu curriculum.
Actividades extracurriculares no liceu; fase nacional das olimpíadas de física; parlamento jovem; porta-voz do círculo açoriano na Assembleia da República; terceiro classificado num concurso Euroescola Portugal; representação no Parlamento Europeu.
Perdeu-se a modéstia que o terá levado a não assumir que é o senhor o pai do Liberalismo, mas fica uma certeza: nesta vida, o Dr. está ainda melhor que na outra.
Só não consigo entender como é que um homem de inteligência superior, gabada por todos, vai para um debate dizer que conhece pouco do Plano de Revitalização da ilha pela qual se candidata. Ó homem, então não podia ter dito o pouco que sabia e derivado para a agricultura, que era a matéria sobre a qual desejava falar? Um político nunca pode dizer que não sabe ou conhece pouco. Diz umas coisas, generalidades coalhadas com banalidades, e depois começa a falar sobre o que sabe. Umas coisinhas, para não dar mau aspecto.
Não tenho vergonha de si. Muito menos das gerações mais novas, muitas das quais ajudei a formar como professor no Liceu onde foi aluno. Pelo contrário, tenho o maior orgulho em alguns dos meus antigos alunos. Só alguns exemplos, Andreia Cardoso, Joel Neto, Luís Filipe Borges…
Senti foi vergonha de algumas gaffes, a sua incluída. As pessoas riram, reparou? Eu não. Senti-me envergonhado. Sobretudo porque todos os “escassos” gozados pelo Ricardo Araújo Pereira eram facilmente evitáveis.
Numa coisa que escreveu dou-lhe toda a razão: a culpa disto ter chegado a este ponto é da minha geração, da anterior e da posterior. Mas isto está no meu escrito, quando digo que “fomos nós que deixámos que isto chegasse a este ponto”, acrescentando que Portugal inteiro riu “não apenas daqueles candidatos, mas de todos nós”.
Só vós, os novos, podereis vir a pôr ordem nisto. Mas será preciso que, para além de escreverem noutras vidas livros brilhantes, não confessem saber pouco seja do que for respeitante à ilha cujo povo querem defender.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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- Como meu professor, encantou-me com a forma inspirada com que apresentou uma disciplina “chata” comoera a “Introdução à Política”. Os seus actuais artigos continuam a deliciar-me, “saborosos”, plenos de fina ironia, onde as mais tristes verdades estão “embrulhadas” num refinado e delicioso sentido de humor. Adorei. Beijinhos