ANTÓNIO BULCÃO E A HISTÓRIA DE UM EURODEPUTADO

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O eurodeputado József (Zé para os amigos)
(Bruxelas, um dia destes…)
– Meu subchefe, temos aqui um cidadão a tentar fugir por um cano de esgoto!
– Polícia! Toca a sair daí depressinha. Mãos ao ar!
– Calma senhores agentes. Eu estou imune.
– Imune o tanas. Vista mas é as cuecas e depois ponha as mãos no ar. Como é que o cavalheiro pode afiançar que é imune à Covid?
– Não é à Covid, senhor agente. Eu sou imune porque sou deputado europeu. Gozo de imunidade diplomática…
– Olhe, em primeiro lugar vá chamar senhor agente à sua tia. Eu sou subchefe, percebeu? E o senhor foi apanhado em pleno confinamento numa festa gay e estava a tentar escapulir-se daqui para fora. Mãos ao ar ou disparo.
– Senhor subchefe, o suspeito tem droga na mochila. Droga na mochila, repito.
– Afirmativo, recebido, compreendido e processado. Parece que o cavalheiro não é apenas danado para a brincadeira como gosta de se ganzar. Está bonito, está…
– Senhor subchefe, pelo que lhe é mais sagrado, vossa senhoria não poderia fechar os olhos?
– Podia, claro que podia. Mas daqui a pouco ia abri-los outra vez e o cidadão continuaria aí, na minha frente, nessa figurinha triste e patética. Não é assim tão grave a sua conduta… Vai apanhar uma multa e prontes…
– Não, o senhor subchefe não está a perceber. Se isto se souber, estou acabado, destruído… Eu sou József Szájer, eurodeputado húngaro. Fui eleito nas listas de um partido ultra conservador, e fui autor de uma revisão constitucional no meu país, que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Je suis tramé if the subchief doesn’t cooperate. Isto é francês caldeado com inglês e quer dizer que estou tramado se o senhor subchefe não me deixar desapegar daqui pra fora…
– O cidadão devia ter pensado nisso tudo antes.
– O senhor subchefe está-se a revelar um homofóbico de primeira…
– Ó senhor José, é preciso descaramento. O senhor é que contribuiu para impedir o casamento entre pessoas do mesmo sexo no seu país, vai-se enfiar num bar gay, despe-se e enrola-se no chão com mais vinte e tal pessoas igualmente nuas, qual encantador de cobras, violando todas as regras de confinamento em vigor, tenta fugir quando nós chegamos, esconde-se atrás de uma imunidade diplomática que não se aplica a actos privados, tem droga na sua mochila, e eu é que sou homofóbico? Ganhe juízo na tola, senhor José… Vai levar a multazinha por ter violado as regras do confinamento, não pelo que faz com o seu corpo em privado, nada tenho a ver com isso. Só acho triste a hipocrisia…
– Senhor subchefe, aceito o resto do seu discurso mas essa droga não é minha. Alguém a plantou na minha mochila. Como é que os senhores deram connosco? Quem fez a denúncia?
– Qual denúncia, qual carapuça, senhor José! Os senhores fizeram um tal chinfrim que os vizinhos se queixaram. Que parecia um comboio, disseram eles. Não podiam brincar uns com os outros em silêncio? Tinham de abrir a goela, esganiçando o “apita o comboio, lá vai a apitar, apita o comboio, com a pomba no ar?”. O seu cartão de cidadão se faz favor…
– Senhor subchefe, rogo-lhe uma última vez. Faça de conta que eu não estava aqui. Assim vou ter de me demitir do Parlamento Europeu, dar explicações ao meu partido, justificar-me perante a família… Ainda por cima minha mulher é juíza, senhor subchefe, juíza…
– Ah é? Pois então ela que o julgue!
António Bulcão
(publicada hoje, no Diário Insular)
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