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Pouco admirado mundo novo
Em 2010 troquei pontos por um telemóvel Blackberry. Os meus alunos abriam a boca de espanto: “O professor tem um Blackberry!!!”.
Já na altura usava o telemóvel apenas para falar e mandar mensagens. Se não trocasse os pontos, perdia-os, e decidi mudar do meu velho Nokia para uma coisa com melhor aspecto. Mas não esperava tanta admiração sempre que sacava do aparelho…
A partir de certo ano, já distante, os meus alunos continuaram a dizer “o professor tem um Blackberry”, mas num tom de desdém. Como quem diz “olhem-me só este homem das cavernas”. Um amigo, já bem mais velho que os meus alunos, deu-lhe para a gaitadaria desabrida quando viu o meu equipamento: “Ainda tens um telemóvel de teclas?”. E ria muito, gozando-me a mim e ao meu Blackberry.
No Porto Martins tenho pouca rede. Um traço tímido a tremer no ecrã indica que a minha ligação aos satélites espaciais não está famosa.
Com o meu Blackberry inquietava-me para comunicar. Às vezes bastava torcer-me na cadeira para do outro lado me dizerem “agora está melhor”. Mas, de outras vezes, tinha de ir para outro quarto, ou andar pela casa fora em ritmo de marcha olímpica, com a pessoa no meu ouvido a desesperar “não te ouço, não te ouço…”.
A operadora culpou o Blackberry. Está tudo bem com os cabos, ainda melhor com a fibra, vários testes o comprovaram, o seu telemóvel é que não tem capacidade. Estava na altura de comprar um smartphone.
Tinha outra vez pontos, agora chamados meos, e lá fui. Esta coisa é realmente milagrosa. Basta passar o dedo e aparecem montes de potencialidades que continuo a não usar. Enganei-me num dos desenhos e acendeu-se um foco potente que até me assustou no escuro do quarto. Ai tal relâmpago. Para escrever mensagens, inquieto-me. Basta um tremor momentâneo para aparecer uma letra que não faz parte daquela palavra e lá tenho de apagar numa cruz. Ainda vou a meio de certa palavra e o estupor já adivinha a palavra toda. Por alguma razão é smart. Tive colegas na primária com mais dificuldades…
Mas tenho cada vez mais saudades do tempo em que só havia telefones fixos. Quando ligava, se não estava ninguém em casa, não atendia. Se estava alguém em casa, atendia e dizia “estou”, como se fosse possível atender sem estar. Agora, se a pessoa não pode atender o telemóvel, ele toca, toca, e depois uma senhora diz que cheguei à caixa de correio.
Para mim, a caixa de correio é mesmo uma caixa, que fica na rua e tem uma tampa onde diz correio. De madeira ou de metal, serve para receber cartas, que são umas coisas escritas em papel, que o carteiro traz. Agora, quando chego à caixa de correio, espero por um som que parece uma fona envergonhada, para dizer o que quero. Quando sou receptor da mensagem, depois de um barulho bastante suspeito, ouço a voz de uma menina que não consegue falar seguido.
Manda-me marcar o meu código pessoal, seguido de cardinal. Longe vão os tempos em que só o 007 tinha um código secreto. Pois lá o marco, sentindo-me Bond, James Bond, e até chegar a pessoa que me ligou a menina vai joacizando “tem uma… mensagem…nova…recebida às no…ve…horas e quaren…ta e cin…co minu…tos”.
E sinto-me com sorte. Bem pior é quando ligo para certos números e fica uma tipa a dizer-me que se quiser uma coisa devo marcar 1, se quiser outra já é o 2, e por aí adiante. Canso-me tanto com estas novas tecnologias.
Mas os meus alunos ficaram em êxtase quando me viram de smartphone. Até bateram palmas e estoiram de felicidade quando me ensinam maneiras de conseguir o que quero, tipo encontrar o ponto de interrogação no teclado virtual. Escrevem com os dois polegares, numa velocidade que nem vos conto. Ouvem música com fones, fazem vídeo chamadas, buscam matérias difíceis com motores, dizem pelo face o que não têm coragem para dizer na cara.
O meu Blackberry está fechado numa gaveta, até conseguir copiar os números todos que guarda na sua agenda. Mas a verdade é que, com o smartphone, onde até me posso ver reflectido no ecrã, nunca mais tive problemas de rede.
Com imensas saudades do tempo em que redes eram para apanhar peixe ou para meter nas janelas de verão, deixando os mosquitos com as asas pregadas à mesma com cara de quem foi atraiçoado.
António Bulcão
antoniobulcao59@gmail.com
P.S – Reparem que o email mudou. O sapo finou-se. Já não há sapos como antigamente, apenas a coaxar de noite no lago do jardim público.
(publicada hoje no Diário Insular)
Comentários
Um comentário a “ANTÓNIO BULCÃO DO BLACKBERRY AO SMARTPHONE SEM SAPO”
Maravilhoso e actua !!!