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Carta a Sérgio Ávila
Caro Sérgio: recebi a tua cartinha cá em casa e, como sou um homem educado, aqui está a minha resposta.
Primeiro, deixa-me dizer-te que estás muito lindinho ao lado do António Costa. Uma perfeição. Se contasse apenas a beleza física, quem me dera poder votar várias vezes no domingo que vem. Infelizmente para vocês, o que está em causa nestas eleições não é um concurso de carinhas, mas o que está atrás das carinhas, o cérebro, e o que está dentro desse cérebro – as ideias, os projectos, as políticas. E, como não vejo nada atrás dos sorrisos, e as palavras da cartinha não me esclarecem, não podereis contar com a minha cruz.
A frase propagandística da fotografia deixa-me confuso: “juntos pelos Açores conseguimos”. O tempo do verbo não é conclusivo. Pode ser passado, ou pode ser no sentido de “vamos conseguir”. Se é passado, não conseguiram nada. Se é com perspectiva de futuro, também não vejo como conseguiríeis juntos o que separados não conseguiram…
Entendo que não queiram falar do passado, pela vergonha que encerra, e que falar de futuro não vos ficaria bem. Costa foi 1º ministro nos últimos seis anos e tu vice-presidente do governo regional até há um ano e pouco. Isto justificaria uma frase do género “juntos vamos continuar a conseguir”. Como tal não é possível, a frase é um desastre total. Porque o futuro depende muito do que se fez no passado, certamente concordarás comigo.
Numa carta com oito períodos, usas cinco vezes a expressão “a nossa terra”. Quase que dava uma terra por cada período, não fosse um desses períodos ter duas vezes a expressão. Não pode ser por acaso. Como sabemos que não escreves com os pés, pelo contrário, pesas cada letra sempre que pegas na caneta, este martelar com a nossa terra tem uma intenção. E essa intenção é deixar no espírito de quem lê a ideia de que, sem ti, nem terra haveria e se houvesse não seria nossa. Tudo o que vemos em redor é obra tua…
Escreves também que aceitaste candidatar-te para representar a tal “nossa terra”. Quem te lê ainda pensa que não querias. Ah, não, ando nisto desde 1995, já fiz a minha parte, arranjem outro, mais jovem, com mais sangue na guelra… Recusa que teria convocado romarias a perder de vista, qual Serreta qual nada. Gente nessas estradas, vinda de todas as freguesias desta Tarceira de Jasus, a rogar, a implorar, a fazer promessas. E tu, muito contrariado, lá aceitaste…
Todos sabemos que não foi assim, Sérgio, já ninguém vai nessa cantiga. Tu é que quiseste e, se não tivesses querido, nada te demoveria do propósito de voltares para a Inspeção…
Do mesmo modo, escreves que o que sempre te norteou foi “o espírito de servir”. Pronto, aceitando que tenhas andado na vida pública por sacrifício, pelo menos eu quero libertar-te de tal jugo. Tendo começado em 95, com tanto cargo desempenhado, era o tempo do merecido descanso. Foram 27 anos terríveis, a servir como deputado na Assembleia da República, como Director da Solidariedade Social, como Presidente da Câmara de Angra, como Vice-Presidente de 4 governos regionais seguidos. É dose, Sérgio…
Sobretudo sabendo que quase de certeza serás eleito domingo que vem e que, se a legislatura chegar ao fim, tudo somado dará 31 anos de serviço. Credo, ninguém aguenta. E isto se o PS não ganhar as eleições. Porque, se ganha, ainda vais parar a Ministro das Finanças, para fazer o Centeno parecer um estagiário L, ou da Economia, para fazer esquecer o Manuel Pinho…
Creio que teria sido a altura certa para continuares na Assembleia Regional e, daqui a três anos, ires para casa, voltares à tua profissão. Mas exigências mais altas se levantaram. O PS tinha de apresentar os melhores, os vencedores natos, mesmo que, como cabeça de lista nas últimas regionais, não tenhas conseguido fazer eleger o sexto do costume aqui na Terceira…
Beijos e abraços, Sérgio. E que, em Lisboa, sejas pelo menos tão feliz como foste na “nossa terra”.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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