António Bulcão · vivi 11 ou 12 anos sem saber o que era um avião.

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Senhores passageiros…
Vivi 11 ou 12 anos sem saber o que era um avião.
O primeiro que vi foi um Boeing 727, que pousou na pista do Faial. Saiu de dentro dele um senhor baixinho e careca, que me disseram ser o Presidente da República, e estava inaugurado o aeroporto.
Durante mais de uma década, os meus tios que estudavam em Lisboa e demais faialenses que saíam da ilha partiam e chegavam no Funchal. O Funchal era um barco muito grande onde meu pai me comprava chocolates que não havia no Faial. Os picoenses que desembarcavam do Funchal tinham depois três frágeis lanchas para os levarem a casa. Chamavam-se Espalamaca, Velas e Calheta. Os jorgenses, graciosenses, florentinos e corvinos não sei se andavam no Funchal e menos sei como chegavam a casa depois de o paquete os largar no cais.
Quem nos via de fora, havia de julgar que os açorianos eram todos iguais. Mas não era assim. Um estudante de São Miguel ou da Terceira que ia estudar para o continente (na altura dizia-se Lisboa), partia de uma daquelas ilhas e voltava a uma daquelas ilhas, na TAP. Eu, como faialense, tinha de apanhar a SATA para uma daquelas ilhas, para depois me meter na TAP. Os corvinos, florentinos, picoenses, graciosenses e jorgenses tinham de chegar ao Faial em lanchas e pequenos barcos para apanharem a SATA para a Terceira ou para São Miguel.
Voei em muitos tipos de aviões entre as ilhas. Todos pequenos. Cheguei a voar em aviocars e c130 militares, quando chegou aos Açores uma coisa desconhecida chamada greve. Tinha aulas, exames a que não podia faltar na Faculdade e lá tinha de ir, nem que fosse sentado numa asa. Vi muitas vezes o diabo espreitar para dentro dos aviões, nos céus destas ilhas. Poços de ar, relâmpagos, nimbos que eram o cúmulo.
E eu apertado contra o cinto, sentindo-me tudo menos em segurança. Ao meu lado, olhos arregalados de colegas das ilhas mais pequenas, que ainda teriam de enfrentar vagas de seis metros para chegarem a casa. Houve natais que quase passei no aeroporto das Lajes, tal era o nevoeiro. Os colegas de São Miguel e Terceira já a embebedarem os perus e eu a jogar à rachinha contra uma parede da aerogare, com um senhor polícia a dizer-me que era proibido.
Os aviões da SATA sem conseguirem pousar na imensa pista das Lajes. E eu o dia todo no aeroporto, à espera de um milagre. Quando a noite caía, íamos de táxi para o Hotel de Angra. Pela recta da Achada, não havia vias rápidas. A 5 quilómetros por hora, que na recta da Achada o nevoeiro era ainda mais parede que na pista das Lajes. Às seis da manhã, toca para o aeroporto outra vez. Os dias a passar, meus pais a desesperarem pelo fixo, o Menino Jesus quase a nascer e eu a fintar o senhor polícia.
Era mais custoso ser das ilhas pequenas. Mais custoso e mais caro. Eu pagava mais que um micaelense ou um terceirense, os corvinos, florentinos, picoenses, jorgenses e graciosenses pagavam mais que eu.
Depois foram construídos aeroportos e aeródromos em todas as ilhas. Mas voar continuava a ser mais caro para os das ilhas pequenas.
Durante 24 anos, estas ilhas foram governadas por gente que se diz socialista. Que metia (e continua a meter) nos seus cartazes que governavam e querem governar para as pessoas. Mas os das ilhas pequenas continuaram a pagar mais. Geriram a SATA de modo a acumular milhões de dívida. Chegaram a comprar aviões que não voavam e que, parados, somavam mais milhões à dívida. Embriagados pela mania das grandezas, nunca se lembraram de facilitar a vida a quem vivia nas ilhas mais pequenas. Falavam em coesão, mas na prática separavam. Seriam menos pessoas, os marienses, faialenses, picoenses, jorgenses, graciosenses, florentinos e corvinos?
Em 2021, o governo que o PS chama de direita, instituiu a tarifa Açores. Todos os residentes, em pé de igualdade, podem voar por 60 euros. Muito pouco socialista, não acham? Uma coisa de direita, que só provoca instabilidade. Por esta e por outras, querem devolver a voz ao povo. Pois que o povo das ilhas pequenas, e, já agora, o povo das grandes que não conhecia o povo das mais pequenas, por ficar muito caro ir lá, lhes diga nas urnas o que significa instabilidade. Porque o que significa socialismo, já não vão a tempo de aprender…
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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