António Bulcão · Carta a Vasco Cordeiro

Carta a Vasco Cordeiro
Caro Vasco: transcrevo as tuas palavras, na apresentação de nova candidatura à presidência do teu partido. “Não tenho qualquer problema em dizê-lo, que aprendi com aquilo que os açorianos me disseram a mim e disseram ao PS Açores em outubro de 2020”.
Estou numa idade em que as palavras já me dizem pouco, na política. Prefiro estar atento aos actos e aos factos. E, por isso, não consigo entender a essência do teu discurso.
É fácil interpretar o sentido de voto dos açorianos, em outubro de 2020. Embora dando a vitória ao PS, retiraram-lhe a maioria absoluta. E fizeram-no porque estavam fartos da vossa forma de governar estas ilhas. Fartos da arrogância, do quero, posso e mando, da alimentação de clientelas, do domínio ou da tentativa de dominar tudo, instituições culturais, desportivas e politicas.
Não o digo agora, que fostes apeados. Disse-o ao longo dos 24 anos em que fostes poder. Fui denunciando as políticas erradas e a ausência das mesmas, que fizeram dos Açores a região mais pobre do País. Fomos falhando em todos os indicadores de desenvolvimento, económicos, políticos, demográficos e socioculturais. Convosco a mandar, atingimos níveis de pobreza indesculpáveis, não conseguimos resolver o problema dos transportes marítimos, a SATA está praticamente falida, as empresas públicas regionais por vós criadas foram acumulando milhões de dívidas.
E vós sempre os mesmos. Sem renovar o vosso partido. Sem mudar de candidatos à Assembleia ou de governantes no executivo. Sem mudar as políticas. Sem sequer ouvirem os avisos da oposição, que representava cidadãos destas ilhas, logo digna de respeito. Vós é que sabíeis. Tudo. A isto chama-se arrogância, Vasco. E há sempre um momento na História em que as pessoas se cansam dos arrogantes.
Já afastados do poder, o que fizestes? Banistes a tal arrogância? Criastes humildade? Afirmastes-vos como oposição “séria, competente, capaz e motivada”, que agora afirmas querer o PS ser como alternativa? Começastes a renovar o vosso próprio partido, atraindo ou formando novos quadros? Não, nada disso.
Ou não nos lembramos da recusa de Tiago Lopes para ficar em gestão e passar a pasta ao seu sucessor, em plena progressão da Covid 19? Ou já esquecemos a ausência de Sérgio Ávila na passagem da pasta ao novo Vice-Presidente? Quereis mesmo que ninguém note a sanha com que andais por aí, na Assembleia Legislativa, nos jornais, com deputados a escrever todas as semanas, deturpando realidades, tentando deitar abaixo toda e qualquer medida governamental?
Votastes contra diplomas que resolviam problemas que já deviam estar resolvidos por vós há muitos anos, como aquele que reduziu drasticamente a precariedade dos professores que ensinam nas escolas açorianas. Não estais de acordo ser esta uma boa lei? Se voltásseis a ser governo, irieis revogá-la? É assim que quereis alguém acredite pretenderdes ser uma “alternativa séria, competente, capaz e motivada”? Votando contra um diploma que toda a gente entende ser bom para professores, alunos, pais e encarregados de educação, que trouxe estabilidade às escolas?
Vasco: foste para São Jorge, em plena crise sísmica. Quando ouvido pela RTP-A, disseste ter ido para verificar “in loco”, no local, a situação. Daqui te agradecemos a tradução do latim para o português, não fosse alguém pensar que “in loco” quer dizer dentro do louco. Mas a seguir acrescentaste: esperavas que o governo tomasse medidas, mas, se não as tomasse, o PS apresentaria uma proposta de resolução. Mais tarde, vieste tornar públicas quais deviam ser essas medidas. A isto chama-se demagogia. Populismo. Por que não deixas quem governa governar? Por pura arrogância. Tu é que sabes. Os outros andam todos a dormir…
Mercê desta oposição desastrada, gostava de saber o que aprendeste com o que os açorianos te disseram em 2020. Se achas que vivemos num “crescente pântano político”, como qualificarias o clima em que vivíamos depois de 24 anos de governação socialista?
Se tivesses aprendido mesmo alguma coisa, não serias candidato a presidente do partido, já anunciando que queres ser presidente do governo regional. Abririas lugar à renovação. Mas a renovação, dentro do PS, não existe. Basta ver o que aconteceu com as candidaturas à Assembleia da República e com as candidaturas às Câmaras Municipais que o PS perdeu. Como basta ver o que aconteceu com a substituição de Sérgio Ávila na Assembleia Regional. Quem se lhe seguia na lista era Isabel Quinto. Mas quem tomou assento, mais uma vez, foi Francisco Coelho. Em outubro de 2020, o povo terceirense votou, para sexto lugar na lista, Isabel Quinto. Em 2022, o PS decide levar para a Assembleia um dinossauro. Bonita renovação… Linda forma de aprender com o que “os açorianos disseram…”.
Por fim, continuas a falar em “ameaças, perseguições e atitudes pidescas” por parte de membros do governo actual. E eu de novo te peço: fala em nomes, Vasco. Nomes dos que ameaçam, perseguem e agem como a PIDE agia. Nomes dos ameaçados, dos perseguidos, das vítimas dessa polícia horrorosa que era a PIDE. Bocas sem provas são difamações, mesmo que o difamador goze de imunidade parlamentar.
Por todo o dito, Vasco, no plano das palavras, podes dizer o que quiseres, nomeadamente que aprendeste com o que os açorianos te disseram em outubro de 2020. No plano dos actos e dos factos, acho que não aprendeste nada, 18 meses depois das eleições.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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  • Eunice Franco

    As infestantes dominam a política, infelizmente.
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