antologia bilingue de autores açorianos

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ANTOLOGIA BILINGUE DE AUTORES AÇORIANOS CONTEMPORÂNEOS COORDENADA POR HELENA CHRYSTELLO E ROSÁRIO GIRÃO

Tudo surgiu na Lagoa) em 2008, num colóquio da AICL (Associação Internacional dos Colóquios da Lusofonia, quando se discutia o problema de autores açorianos não serem reconhecidos, como acontecera em 2005 na Maia onde leciono, com o Daniel de Sá que localmente todos sabiam ser professor e poucos conheciam como escritor. Depois disso, eu e a colega Rosário Girão da Universidade do Minho metemos mãos à obra e aqui está.Esta antologia bilingue tem uma história curiosa. Trata-se da versão reduzida da antologia monolingue mas é destinada a todos os lusofalantes de todo o mundo, em especial os da diáspora no Canadá e EUA.

Tivemos apoio nesta aposta da editora CALENDÁRIO DE LETRAS sendo um desenvolvimento natural do que fizemos nos colóquios da lusofonia com os Cadernos de Estudos Açorianos livremente disponíveis para consultar[i] extratos de obras de autores de matriz açoriana na sua maioria esgotados ou fora do mercado. Aliás os colóquios da lusofonia, desde 2008, têm uma Homenagem Contra O Esquecimento em que se recordam as obras de autores açorianos contemporâneos ainda vivos. Igualmente se inseria no projeto do CURSO DE AÇORIANIDADES na universidade do Minho (2010-2011), nos mestrados e doutoramentos na Roménia e Polónia que a Rosário Girão ministrasob o tema de autores açorianos, e ainda noutro projeto dos colóquios que visa Traduzir Excertos de Autores Açorianos em 7 Línguas (francês, italiano, romeno, búlgaro, russo, polaco e esloveno) e cuja primeira obra O Passageiro Em Trânsito de Cristóvão de Aguiar foi já totalmente traduzida em italiano. A antologia monolingue foi já incluída no Plano Regional de Leitura dos Açores.

 

Antologia Bilingue de Autores Açorianos Contemporâneos,

HELENA CHRYSTELLO, EBI MAIA, S. MIGUEL AÇORES e MARIA DO ROSÁRIO GIRÃO DOS SANTOS, DEPARTAMENTO ESTUDOS ROMÂNICOS DA UNIVERSIDADE DO MINHO

Exempla docent, non jubent

Escreveu Pedro da Silveira, redimindo-se, talvez, do caráter pouco sucinto que imprimiu ao texto de abertura da sua Antologia de Poesia Açoriana. Do século XVIII a 1975, que os prefácios (e incluímos nesta dimensão paratextual, como é óbvio, as introduções, as notas preliminares e as apresentações) devem ser “introdutores e não… abafadores” (1977: 39). A fim de render preito a tão assisada prescrição, não podem as Autoras deixar de tecer algumas considerações, breves que sejam (assim evitando ‘sufocar’ os Espetadores presentes, futuros Leitores), relativas à génese, aos objetivos, à estrutura, aos desafios (futuros) e à receção desta Antologia bilingue.

No que respeita ao primeiro item, é de referir que, se em 2008 se propôs à Direção Regional da Educação e Formação do Governo Regional dos Açores a elaboração de uma Antologia de Autores açorianos contemporâneos passível de integração no plano curricular do Ensino Básico, decidiu-se, ulteriormente, solicitar o apoio da Direção Geral das Comunidades para o financiamento de uma edição bilingue, português-inglês, numa versão menos longa do que a sua homóloga, a Antologia monolingue.

Os objetivos que então, tal como hoje, presidiram à sua elaboração (e cujo elenco mais ou menos completo seria fastidioso) foram, entre outros, o de proporcionar às comunidades estrangeiras e açorianas, lusofalantes e não só, radicadas nos Estados Unidos e no Canadá (para mais não citar), o acesso a uma obra nascida no Arquipélago, esgotada, na maioria dos casos (porque não reeditada) ou, então, relegada para os ‘Reservados’ das Bibliotecas e para os ‘Arquivos’ dos periódicos, solitários, mas desmerecedores de solidão. Para além da divulgação literária, não se marginalizou, como objetivo segundo, a aprendizagem da língua portuguesa em geral e dos açorianismos em particular, que enobrecem a primeira e lhe conferem um casticismo regionalista e universalizante em simultâneo. Caso assim não fosse, não se teria justificado a publicação, há já alguns anos, de um Dicionário inteiramente consagrado aos vocábulos e às expressões açorianas. Por último, e mercê da tradução para língua inglesa dos textos compilados, pretendeu-se ‘alargar’ o público-alvo, proveniente à partida das Ilhas e do Continente (como é sólito dizer-se no Continente e nas Ilhas), ao ‘estrangeiro’, tanto o que desconhece e mal conhece o português como o aprendiz ou neófito que tateia e tenteia, embora numa escala diferente, as competências linguísticas e literárias basilares. Ainda neste contexto, uma outra vantagem não deixará de ter esta Antologia bilingue, quer para os estudantes, quer para os especialistas em “Estudos de tradução”: a de facultar, linha a linha, página a página, a comparação ou o paralelismo entre o texto de partida e o texto de chegada, ajuizando os constrangimentos impostos pela(s) língua(s) e avalizando o mérito do tradutor, que nem sempre é ‘traidor’, mas, preferencialmente, decifrador e criador, para não dizer coautor.

No tocante à sua estrutura, e com o intuito de agilizar um manuseio eficaz, optou-se por ordenar alfabeticamente (a partir do primeiro nome) os Autores constando do “Índice”, e, antecedendo os extratos escolhidos em português e traduzidos para língua inglesa, proceder a uma breve apresentação individual sob forma de ‘ficha’ biobibliográfica sumária, conquanto dilucidativa. Nesta sequência, optou-se por privilegiar, numa etapa inicial, a diversidade genológica: assim se explica a coabitação do poema em prosa (“Visão das Ilhas” de Victor Rui Dores), da crónica (“Que nome é esse, ó Nézimo” de Onésimo Teotónio de Almeida), da entrevista (“O que é a L(USA)LÂNDIA?” – entrevista dada por Onésimo Teotónio de Almeida ao Correio dos Açores e conduzida por Eduardo Bettencourt Pinto), do jornal íntimo e da autoficção que subjazem à novela O pastor das casas mortas de Daniel de Sá, da estória (“Estória de Natal” de Álamo de Oliveira), do conto (“A Herança” de Maria de Fátima Borges), do ensaio (“A Ilha” de Urbano Bettencourt) e da poesia (emblematizada por Eduíno de Jesus, Emanuel Félix, Emanuel de Sousa, Marcolino Candeias, Vasco Pereira da Costa e Urbano Bettencourt).

Conquanto numerados, por razões óbvias de consulta, foram feitas diligências para que os “textos estremados” não constituíssem compartimentos estanques, mas antes “vasos comunicantes”. Assim sendo, “Amor à ilha” de Caetano Valadão Serpa parece responder em eco à ilha amada por Ti Fausto, em Plantador de palavras Vendedor de lérias de Vasco Pereira da Costa.

 

“O amor à ilha é grande, quase não tem limites, transcende as próprias dimensões do arquipélago e continua pelas sete partidas do mundo. […] Daqui, vem o sonho e a aspiração da casa de verão ou da habitação entre dois mundos para os últimos anos da existência.” (2011: 31).

“A ilha, para ele [Ti Fausto], não são freguesias, canadas, casas, faias, inhameiros, macieiras, pastos, gado e todo o povo. É uma namorada antiga, que ele afaga nos dias ensoados e que ama com paixão maluca nas noites curtas e eternas.” (2011: 209).

 

Do mesmo modo, e a fim de evitar a monotonia que a simetria veicula, preferiu-se estabelecer o contraste entre o tom lírico de Daniel de Sá inerente à pintura da serra, o tom satírico de José Martins Garcia nessa crítica social que tem por título “Imposto ininterrupto” e o tom hilariante de Onésimo no texto “Que nome é esse, ó Nézimo?”.

 

“Uma paz idílica, profunda como a altura destes montes, estende-se até onde alcança o olhar, que tudo quer ver num relance e em cada pormenor teima em deter-se. Pontilhando os vales e as encostas, aldeias de casas bíblicas, sólidas e imutáveis como os penedos que as enformam, são como que uma afirmação de eternidade no vórtice do tempo.” (2011: 51).

“Quando, no começo do outono, recebeu uma carta enviada por um tal Manuel Calhau, abriu-a com um misto de repulsa e indiferença. Nela se lhe comunicava que, tendo a chefia da contabilidade da Suma Filosófica transitado para a pessoa do signatário, urgia uma revisão das despesas com vista a uma política de transparência. Pedia-se ao destinatário o favor de preencher o recibo anexo. Era branco, o recibo anexo, com dizeres datilografados. “ (2011: 147).

“Nos Estados Unidos, as histórias continuaram. Um dia, à espera de ser recebido por um decano da universidade, ouvi uma secretária chamar várias vezes: ‘Uanessaimo’! Como não havia mais ninguém na sala de espera, volta-se para mim e pergunta: ‘Não é você o Mr. Uanessaimo Elmira (versão americana de Almeida?’ Olhei para ela e, de repente, ocorreu-me descodificar naquela pronúncia a leitura de Onesimo, que as máquinas americanas despojavam do acento. […]”.

 

Fazendo apelo, ainda neste contexto, ao caráter estruturador ou aglutinador do ensaio, não deixou de se introduzir esse metatexto que é “A Ilha” de Urbano Bettencourt, incidindo na produção de alguns escritores açorianos contemporâneos: se, mediante o ensaio supracitado, ao leitor não incauto, mas talvez neófito, é dado verificar que Onésimo Teotónio de Almeida, a par de Manuel Ferreira Duarte e José Francisco Costa, “escreve(m) a emigração a partir de dentro e da visão que sua própria experiência lhes proporcionou” (2011: 199), a leitura de “Que nome é esse, ó Nézimo?” mais não virá do que corroborar o estatuto de “excelente poeta” que é Urbano Bettencourt.

 

“Em Ponta Delgada, vou a casa do meu amigo e excelente poeta Urbano Bettencourt. A filhinha pergunta-lhe: ‘Ó pai, este é que é o Vitorino Onésimo?’” (2011: 183).

 

Como parece ser óbvio, os textos foram selecionados em função quer de uma temática à qual parece ser alheia a açorianidade (veja-se, por exemplo, “Estória de Natal” e O pastor das casas mortas), quer do discurso da açorianidade ou, mais bem dito, das açorianidades, englobando certas características idiossincráticas que o diferenciam, como, por exemplo, o imaginário dinâmico do ilhéu, confinado ao isolamento e à insularidade, imbuído de um sentimento inegável de religiosidade popular e bipartido, em termos de sonho emigratório, entre o anelo da partida e o desejo do regresso (mesmo se a  ‘largada’ só interiormente, no imo, se concretizou). Nesta conjuntura, procurou-se delinear uma ‘esquadria’ de veios isotópicos e linhas temáticas, começando pela escrita da terra e do mar. Advindo deste epicentro do ‘fenómeno’ literário açoriano, o discurso da insularidade e do isolamento não poderia ser secundarizado: se, por um lado, o cárcere metaforiza a Ilha, por outro torna-se o ilhéu, ao interiorizar o espaço natal e ao deleitar-se e infernizar-se, masoquista, com a sua ‘insula-dependência’, símbolo dessa prisão insular: homem-ilha. Assim sendo, enquanto Valdemiro, personagem de Eduardo Bettencourt Pinto, sente agudamente a ligação umbilical ao mar, Armando, personagem de Fernando Aires, questiona-se sobre o seu aprisionamento geográfico e ontológico.

 

“De súbito sobrevinha-lhe aquela ligação íntima com a ilha, um amor rasgado de ausências, os milhentos lenços brancos acenando na memória. Sabia que nunca ousaria desligar-se daquele mar que lhe falava tão de perto, daqueles odores da terra que lhe recebiam os passos como um deus perdido no destino do vento.” (2011: 63).

“O vício de preferir estar onde não estava, de apetecer o que não tinha. Prisioneiro de si. Prisioneiro da Ilha.” (2011: 131).

 

E como, na ótica de Maria de Fátima Borges, “A ligeireza com que se sai de uma pequena ilha é igual à facilidade com que nela se entra, mesmo quando apenas o mar era o caminho e o passaporte.” (2011: 161), a diáspora – traduzida pela pré-largada, ato de partir e apoteose do retorno – revela-se não-refrigério ou paliativo, mas recurso definitivo ou derradeira solução. Daí a “L(USA)LÂNDIA” de Onésimo, carreando uma ‘Açorialândia’ de nostalgia, ritmada pelas ‘vivaldianas’ “Quatro Estações” de Emanuel Félix e firmada no “Poema de saudade ardente” de Marcolino Candeias.

 

“[…] Quero sufocar a mão fechada deste quarto

no fumo ausente de meu cigarro tonto

como se estivesse em Angra no café dizendo palavras rolando em espirais […]” (2011: 151).

 

Ainda neste contexto, foi voluntariamente que se trouxe à liça a sempiterna e controversa questão da nomenclatura: literatura açoriana, como sugere Onésimo? Ou literatura portuguesa de significação e matriz açoriana, como advogam determinados críticos? Não interpretando o complemente determinativo posposto em termos de redução constrangedora ou de afunilamento depreciativo (note-se que a temática açoriana acresce à temática da literatura portuguesa, complementando-a…), mas como enriquecimento óbvio e amplificação universalizante, tomou-se a resolução de preterir a especificidade da literatura (suscetível de ser definida como objeto estético e construção intertextual e autorreflexiva, detendo funções que sustentam o seu caráter paradoxal) em proveito dos seus artesãos/Autores, bem como dos seus ‘artefactos’/produtos textuais, E, em vez de traçar a história da literatura que viu a luz no Arquipélago, recuando a Gaspar Frutuoso ou começando por Vitorino Nemésio, transitando para a prosa fantástica de Carlos Wallenstein ou para o estilo inconfundível de Natália Correia e terminando tal ‘digressão turística’ com os mais lídimos representantes da “Geração da Horta”, privilegiou-se a ‘Geração Glacial’, cujos membros (e membros afins…) publicavam no “Suplemento Cultural das Artes e Letras” Glacial, nas páginas do jornal A União de Angra.

Não parece despiciendo citar, a este respeito, João de Melo:

Numa altura em que o fascismo despertava na juventude açoriana interrogações e traumatismos de toda a ordem, […] nasce uma consciência coletiva que se expressa no poema e no conto, […] tendo como ponto de partida um projeto que desde logo se afirma pelo desbloqueio das estruturas decrépitas da cultura insular. […] Não se limitando a produzir e a publicar apenas na base do suplemento, em breve se transforma num movimento de intervenção cultural que ora promove a edição individual ou coletiva […] ora leva a efeito iniciativas culturais […]” (Antologia panorâmica do conto açoriano. Séculos XIX e XX. Lisboa, Editorial Vega, 1978, p. 24).

No seio desta plêiade, um Autor, Emanuel de Sousa, mereceu particular relevo: por um lado, a inegável qualidade dos seus versos coligidos em Eurídice e Ariadne, com data de 1989 e 1999, respetivamente; por outro, a total ausência de quaisquer elementos biobibliográficos suscetíveis de servirem de suporte a um curto texto de apresentação. Apesar das diligências efetuadas em terras açorianas e americanas, de contactos estabelecidos por telefone (números desativados) ou demais endereços (moradas desatualizadas) e de solicitações à “Quetzal Editores” (que alertou para a mudança de gerência e para os longos doze anos decorridos sobre a última publicação), deparou-se tão-somente com o vazio, que só veio a ser colmatado em 2014. Do estro deste Poeta ‘gráfico’, ilustre desconhecido, prefaciado por Natália Correia, testemunha o seguinte fragmento poético:

 

“As palavras passam

por estreitos corredores.

sílaba a

sílaba. […]

procuro o rosto

o ventre das palavras. […]

procuro os verões verdes na tua boca inacabada. […]” (2011: 99).

 

Sobre a criação artística, metonimicamente traduzida, numa etapa inicial, pela busca da palavra desdivinizada conducente ao Verbo divino, escreveram, igualmente, Emanuel Félix e Eduíno de Jesus: enquanto o primeiro enfatiza o sofrimento inerente à produção, queda-se o segundo no horizonte de expectativa que subjaz à receção estética.

 

“[As palavras] elas lá ficam na página branca

à espera de um Levanta-te e caminha

de qualquer voz humana” (2011: 87).

“Com que amor violentamos a folha deserta

cujas margens tateiam a fronteira do sangue

cujas margens viajam à superfície múltipla

das dunas

mão aberta […]” (2011: 115).

Passando, de ora em diante, para os critérios relativos à compilação dos textos propriamente dita, encarada de um ponto de vista quantitativo e não temático, procurou-se equilibrar, no que respeita ao número de páginas, os contributos diversos dos quinze Autores antologiados e traduzidos. Se tal equidade se tornou exequível na poesia, deparou, em contrapartida, com escolhos múltiplos na prosa. Tais obstáculos foram contornados pela preferência outorgada à transcrição na íntegra de um ou dois textos (contos ou novelas) da mesma obra, evitando-se, desta feita, ruturas, discrepâncias ou dissonâncias passíveis de obnubilação de sentido. Como ‘suspender’, verdade seja dita, “A Herança” de Maria de Fátima Borges ou “Estória de Natal” de Álamo de Oliveira, sem prejudicar a leitura e lesar a compreensão, dececionando o leitor? Foi, aliás, a pensar neste último, sobretudo no leitor estrangeiro, que se inseriu, na Antologia bilingue, um conciso aparelho crítico ou exegético em breves notas de rodapé de ordem lexical, geográfica e cultural: é o caso de (Professora) “Regente” (2011: 44), “Cova da Iria” (2011: 52), “D. Sebastião” (2011: 86), “compadre” (2011: 182) e “Professores Óscar Lopes e Joel Serrão” (2011: 184).

Como é evidente, não contempla esta Antologia bilingue (difícil seria que, nas suas exíguas dimensões, contemplasse!) obras recém-publicadas, vindas a lume aquando do seu acabamento definitivo e da sua revisão final (a nível do conteúdo e da paginação), como, por exemplo, Fogo Oculto de Vasco Pereira da Costa e Português sem filtro de Onésimo Teotónio de Almeida que já têm o seu ‘lugar reservado’ na Antologia monolingue, em dois volumes, que será oportunamente dada ao prelo. Aliás, os desafios proliferam, a ponto de já se ter ideado uma Antologia de ‘olhares’ estrangeiros, convergentes ou divergentes, sobre as terras açorianas. Exemplo flagrante é o de Samuel Clemens (posteriormente célebre e celebrizado sob o pseudónimo de Mark Twain) que, tendo embarcado, como jornalista do Daily Alta Califórnia, no “Quaker City” a 8 de junho de 1867 com destino à Terra Santa, fez escala no Arquipélago dos Açores, do qual nos oferece as seguintes nótulas (citamos apenas os comentários positivos, marginalizando determinadas apreciações negativas):

 

The island in sight was Flores. […] But as we bore down upon it, the sun came out and made it a beautiful picture – a mass of green farms and meadows that swelled up to a height of fifteen hundred feet, and mingled its upper outlines with the clouds. It was ribbed with sharp, steep ridges, and cloven with narrow canons, and here and there on the heights, rocky upheavals shaped themselves into mimic battlements and castles; […] The Portuguese pennies or reis (pronounced rays) are prodigious. It takes one thousand reis to make a dollar, […] The roads [“at Faial – the people there pronounce it Fy-all, and put the accent on the first syllabe”] were a wonder, and well they might be. […]  Every where you go, in any direction, you find either a hard, smooth, level thoroughfare, just sprinkled with black lava sand, and bordered with little gutters neatly paved with small smooth pebbles […] They talk much of the Russ pavement in New York, and call it a new invention – yet here  they have been using it in this remote little isle of the sea for two hundred years! […] We sailed along the shore of the Island of Pico, under a stately green pyramid that rose up with one unbroken sweep from our very feet to an altitude of 7,613 feet, […]” (The Innocents Abroad. New York, The Modern Library, 2003, pp. 28-30-36-37).

“A ilha que se avistava era a das Flores. […] à medida que nos aproximávamos veio o Sol, e tornou-se num belo quadro: um conjunto de quintas e prados verdes que subiam até aos mil e quinhentos pés, fundindo os seus contornos com as nuvens. Tinha escarpas íngremes e abruptas, escavadas por estreitos túneis, e, aqui e ali, nas alturas, os cimos rochosos pareciam desenhar fortalezas e castelos; […] A moeda portuguesa, os réis (pronunciam rays), é prodigiosa. Precisamos de mil réis para perfazer um dólar, […] As estradas (no Faial – “a que as pessoas de lá chamam Fá-i-ol”) eram uma maravilha e absolutamente imbatíveis. […] Muito se tem gabado a calçada de Nova Iorque como se fosse uma grande invenção – e eles, nesta pequena ilha perdida no mar usam-na desde há duzentos anos! Todas as ruas da Horta apresentam a mesma calçada compacta, com uma superfície polida e firme como o chão… em vez de cheia de buracos como na Broadway. […] Navegámos ao longo da costa do Pico, sob uma majestosa pirâmide de verde que se erguia de um pulo escorreito desde o solo que pisámos até uma altura de 7613 pés, […]” (59-60-62-69-70-71).

No que diz respeito à receção desta Antologia bilingue, uma panóplia de questões (assumindo-se como iminentes discursos críticos), redundando em eventual controvérsia, mero lamento ou imerecido encómio, poderia ser levantada: a primeira, crucial, remeteria, decerto, para a sua incompletude, questionando a omissão de alguns nomes de Autores antologiáveis, mas não antologiados, nesta ocorrência, por razões alheias à vontade e ao esforço das antologiadoras; a segunda, acessória, contestaria, quiçá, os critérios que presidiram à seleção dos textos recolhidos, bem como a legitimidade científica que detém um certo e determinado extrato no que à representação antologística do seu Autor diz respeito.

Que nos seja lícito, antecipando uma parca contra-argumentação a esses plausíveis argumentos (que ainda não o são, mas que o poderão vir a ser) sobre os quais temos vindo sobejamente a refletir, relembrar que uma antologia, vulgo florilégio ou seleta, mais não é do que uma amostra de Autores e uma recolha de textos, fragmentária e relativa, mas constituindo, mercê do seu teor fracionário e inacabado, trampolim para a totalidade almejada, tão-somente atingível (ou inalcançável?) mediante reedições, veiculando acréscimos ou atualizações, suprimindo lacunas capitais e firmando, desta feita, a desculpabilização do antologiador relativamente ao cariz não exaustivo da sua obra, apanágio de todo e qualquer ser humano. Do mesmo modo, a subjetividade que nos poderia ser legalmente apontada foi minorada pela colaboração dos Autores, aos quais agradecemos profundamente, tanto pela sua anuência à coleção dos textos antologiados (numa perspetiva não diacrónica) como pela verificação da respetiva tradução para língua inglesa.

Qualquer antologiador demiúrgico que para si reivindicasse a autoria de uma antologia perfeita e qualquer leitor ou consultador improficientes que apontassem omissões numa antologia que, definitoriamente e à partida, prima pelo teor elítico assemelhar-se-iam a Prometeu, incorrendo no risco de serem supliciados como Tântalo ou punidos como Ícaro.

Quanto a nós, conscientes da dificuldade em congraçar relativo e absoluto, elegemos, como parece ser recomendável em situações deste tipo, o esforço hercúleo e perfetível, mas incessantemente recomeçado, do infeliz Sísifo. Na verdade, errando, corrigitur error.

NOTA BENE: Este texto de apresentação não estaria, de modo algum, completo, pela parte que me toca, sem o devido e profundo agradecimento ao escritor Cristóvão de Aguiar, cujos livros ‘usei’ e de cuja biblioteca ‘abusei’ ao longo dos últimos anos.

 

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