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«Grigory Yudin é um cientista político russo, um crítico da guerra, um dos poucos que se mantêm no país e em liberdade. O professor da Escola de Ciências Sociais e Económicas de Moscovo acredita que o presidente russo não tem linhas vermelhas.
(…)
Há anos que a liderança russa dizia que uma guerra com o ocidente era inevitável e estava a preparar-se para isso. Em 2020, a constituição foi alterada e transformaram a Rússia numa monarquia onde o imperador tem poder absoluto. Para que é que foi isso? Que ameaça havia para justificar a concentração de tanto poder?
Penso que a partir desse ano ficou claro que a guerra iria acontecer. Provavelmente, não era claro onde é que ela seria, mas em 2021 Putin disse que a Ucrânia só tinha duas hipóteses, ou se transformava num protectorado russo, de forma pacífica, ou seria conquistada militarmente. A partir daí, honestamente, não sei porque é que as pessoas ainda duvidavam que ia haver guerra.
Entrámos no segundo ano de conflito e a Rússia ainda não conseguiu uma vitória significativa. O tempo corre contra Putin? Pode ele perder o apoio do povo?
Penso que, no geral, o tempo está a favor de Putin porque o que ele prevê é que a aliança que está a enfrentar irá eventualmente desfazer-se. O apoio a Kiev vai diminuir e com isso ele consegue controlar, pelo menos, parte do território da Ucrânia. Esse será mais um passo na estratégia que está a ser seguida. Inicialmente, ele ocupou a Crimeia e não foi punido, depois iniciou a guerra no Donbass e nada aconteceu. Agora vamos assumir que os países ocidentais, principalmente na Europa, estão cansados e deixam-no anexar as 4 regiões ucranianas, isso vai permitir que rearme o país e possa lançar uma nova ofensiva no futuro, mas também lhe vai dar mais força política porque as conquistas serão legitimadas.
Ele vai continuar, é óbvio que a Moldova já faz parte deste plano militar e depois ele vai avançar para outros países da Europa de Leste, começando talvez com os estados bálticos porque no final de 2021 ele fez um ultimato à NATO e aos Estados Unidos em que disse, muito claramente, que deviam sair da Europa de Leste porque esse é um território que pertence à Rússia. Acho que essa é a ideia dele, gradualmente ir atingindo os objectivos se não houver determinação em pará-lo.
O que está a dizer é que Putin não tem qualquer linha vermelha, nem o facto de um país pertencer à NATO?
Não. Ele pensa, e isso já foi dito muitas vezes pelos estrategas do Kremlin, que a Aliança Atlântica foi longe demais. Ele acredita num mundo em que há poucas potências soberanas, e essas serão os Estados Unidos, a Rússia, provavelmente a China e talvez mais um país, mas isso não é certo. Todos os outros estados não são soberanos, são apenas territórios controladas por essas potências.
(…) Putin acredita que o artigo cinco não vai funcionar e a NATO vai acabar se ele for inteligente a planear os ataques. Todos os países que fizeram parte do Pacto de Varsóvia e da União Soviética pertencem legitimamente à Rússia e ninguém os vai defender. Os Estados Unidos podem ser um problema, mas ele acredita, ou espera, que nessa altura já haja um outro presidente que não se vai envolver nesta luta. Assim, ele reconquistará esses países, não digo que de forma pacifica, mas com poucos custos.
(…) estou convencido de que Putin vai falhar. Isso vai acontecer por várias razões: ele não tem nada a oferecer aos países que quer conquistar e não tem uma estratégia clara para estas guerras aventureiras, é apenas expansão por expansão. É óbvio, também, que o exército de Putin é corrupto e os soldados estão desmoralizados e desmotivados. Eu digo apenas que há cenário claro em que ele consegue o que quer. Mesmo que falhe, ele vai tentar porque a Rússia é um império moribundo e, normalmente, quando os impérios estão a morrer, têm um último momento de crescimento e isso pode causar muitas mortes. Potencialmente esta é uma guerra com milhões de vítimas.
Acredita que ele pode recorrer às armas nucleares?
Absolutamente, por que não?
Porque nesse caso também perde, perdemos todos, perde o mundo.
Bem, há duas hipóteses aqui. A primeira é que o Putin acredita genuinamente que está apenas a levar o que é dele, estes são países dele. Não está a tentar conquistar nada que não lhe pertença. A Ucrânia é dele e Putin está convencido de que toda a gente percebe isso. Assim sendo, ninguém vai arriscar uma guerra nuclear por um país que lhe pertence. Quando ele faz chantagem com um ataque nuclear, acredita que o ocidente vai recuar porque esta não é uma ameaça existencial para os países ocidentais, mas para ele já é. Putin está disposto a pagar o preço por mais elevado que seja. Esta é a hipótese número um, mas se isso não acontecer, se ele se aperceber que vai perder esta guerra, nesse caso, como disse, o mundo perde, mas para que é que o mundo existe se Putin não estiver no poder? Há alguma razão para o mundo existir? Diga-me qual é o objectivo?
Esse é um pensamento assustador.
Ele já o disse, de forma totalmente clara, muitas vezes. Disse exactamente estas palavras: “o mundo não merece existir sem a Rússia” e, por Rússia, Putin quer dizer ele próprio, porque, na cabeça dele, os dois são a mesma coisa.
Se ele perder, torna-se numa ameaça existencial e a doutrina nuclear russa diz isso, se essa ameaça existir, Moscovo pode usar armas nucleares. Aos olhos de Putin, uma ameaça existencial para o país também o é para ele e se houver uma ameaça existencial para o presidente, o mundo não merece existir. Qual é a razão para o mundo continuar?
(…) os russos que se opõem a esta guerra têm pela frente as mesmas pessoas que estão a bombardear a Ucrânia, a matar e a violar ucranianos, só que há uma diferença significativa, os ucranianos têm armas e os russos não. Há uma ideia estranha de que os russos estão a lidar com um governo diferente, provavelmente com pessoas simpáticas e gentis que vão retirar-se da Ucrânia mal a população comece a sair à rua. Não. São as mesmas pessoas, o mesmo presidente e o mesmo conselho de segurança e estão dispostos a matar tantas pessoas quantas forem necessárias para atingirem os objetivos. Não querem saber se são ucranianos ou russos, vejam, eles estão a destruir a zona da Ucrânia onde se fala russo. Honestamente, não entendo quais são as expectativas.
(…)
Quanto à questão da censura, a Rússia tem uma sociedade totalmente despolitizada. As pessoas não querem ter nada a ver com a política. Não confiam nos políticos e acreditam que a política só serve para bandidos e idiotas. O mesmo se aplica a esta guerra, a grande maioria das pessoas está a tentar negar e esquecer e isso acaba por ser um apoio passivo. Pensam que se o presidente diz que quer desnazificar a Ucrânia, então deve ter razão, porque se não tiver o problema é bastante maior. Há uma apatia dominante na sociedade russa que muitas vezes se confunde com apoio passivo. Também há um fatalismo porque os russos sabem que o que Putin quer, Putin tem. Ele está no poder há duas décadas e sempre foi assim. A ocupação da Crimeia, a guerra no Donbass, o assassinato de opositores políticos nada teve consequências para ele, pelo contrário, ficou mais rico e recebeu apoios do ocidente. Isto é algo que os russos sabem e por isso existe este fatalismo. Esta é a atitude predominante, a apatia, a ignorância e a negação. Depois temos uma minoria, talvez 20% a 25% da população, dependendo de quantos russos fugiram do país, que se opõe à guerra, mas está totalmente silenciada. Do outro lado temos, talvez 15% da população, que acredita totalmente na versão de Vladimir Putin, é uma minoria agressiva que quer mais sangue e que é muita ruidosa porque tem todos os meios do estado à disposição.»
Uma entrevista de um académico russo que merece ser lida na íntegra.
TSF.PT | BY TSF – RÁDIO NOTÍCIAS
Cientista político russo diz que Putin pensa que sem ele o mundo não deve existir
Grigory Yudin é um cientista político russo, um crítico da guerra, um dos poucos que se mantém no país e em liberdade. O professor da Escola de Ciências Sociais e Económicas de Moscovo acredita que o presidente russo não tem linhas vermelhas.
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Vítor Oliveira Martins
Tanto se diz que a NATO foi para leste e tão pouco se aborda a questão pelo lado da soberana vontade desses povos…
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