ALRA: Rejeitada proposta Para utilização de pirotecnia silenciosa

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530. ALRA: Rejeitada proposta Para utilização de pirotecnia silenciosa

(esta e as aneriores crónicas em https://www.lusofonias.net/mais/as-ana-chronicas-acorianas.html

Os fogos-de-artifício tornaram-se populares no ocidente a partir do século XVII e teriam surgido na Ásia há mais de 2000 anos, datam de há cerca de 1000 anos os primeiros registos de tiros coloridos de morteiros para fins militares na China, a fim de avisar e comemorar vitórias nas guerras e no século XIV estes fogos começam a aparecer na Arábia e nalguns países europeus (Espanha e Itália criaram fábricas próprias). O uso de fogo-de-artifício pode trazer além dos riscos à integridade física e a audição daquele que os utiliza, riscos ao meio ambiente (incêndios, liberação de poluentes, perigo aos animais) e as demais pessoas (traumas físicos e psicológicos, amputações, danos físicos e financeiros) e causam muita poluição sonora e atmosférica. Muitos animais sofrem com o barulho dos fogos-de-artifício, sejam eles silvestres da fauna natural ou animais domésticos como cães, gatos e pássaros, podendo causar reações de estresse nestes levando a alterações fisiológicas como aumento da frequência cardíaca, piloereção e alterações no metabolismo da glicose. Geralmente, essas pessoas se sentem perturbadas com barulhos muito altos. Quanto aos danos na atmosfera, causam uma contaminação a curto prazo, levando ao aumento de partículas em suspensão no ar em até 7,16%, sendo nocivo a quem respira e aumentando consideravelmente a emissão de partículas de metais, produtos químicos nocivos e outros componentes que podem causar problemas de saúde, incluindo na tiroide.

 

Foi a 10.07.2024 que se registou a data histórica para os anais do atraso civilizacional deste arquipélago que adotei como meu. O parlamento rejeitou, por maioria, o projeto de decreto legislativo regional do PAN que propunha a transição para a utilização de pirotecnia silenciosa ou de reduzida intensidade sonora nas festividades. Só o PAN e o BE apoiaram a proposta, eram 2 a que me junto orgulhosamente nestas linhas, convicto de que é uma mera questão de tempo até que as ditas tradições sejam remetidas a outro nível. As tradições não se perdem, transformam-se, assim como a sociedade e a era em que estão inseridas. Quem não se lembra das regras da boa educação?

O homem que usava chapéu sempre que cumprimentava alguém tirava-o, ao entrar na casa de alguém tirava o chapéu, só o voltava a colocar quando saísse de casa. Ao passar um funeral, uma procissão, à porta de uma igreja tirava o chapéu. Também o fazia ao entrar na igreja. Hoje há pessoas na procissão de chapéu na cabeça, de chapéu ou boina na cabeça no café. Dantes, a mulher usava o lenço atado de uma maneira no trabalho e de outra maneira na igreja ou nas romarias.

Quando ouço “a tradição já não é o que era”, penso “ainda bem!” Se a tradição fosse o que era, hoje não teríamos um país mais inovador, mais criativo, mais arrojado à conquista de mercados internacionais. Mas se é para mantermos tradições, então aquela de cobrir de alcatrão e penas os batoteiros e aldrabões devia ser recuperada em todo o seu esplendor e não faltarão candidatos, nos partidos que hoje não aprovaram a proposta do PAN.

Mais perturbado fico com tradições, que nada têm a ver com as nossas, a imporem-se nas novas gerações. Nas escolas portuguesas, o Halloween, já se assume como “festividade” intrínseca que inclui alunos, professores, funcionários e pais.

Outra das tradições perdidas foi a de chegar ao casamento “intacta”. Após 1968, não fazia sentido conservar a virgindade até ao altar, graças à popularização da pílula e dos preservativos e foi crescendo o número de adolescentes que mantinham relações sexuais pré-nupciais, sem remorsos ou medo de engravidar. Com o decréscimo da influência da Igreja ou independência económica dos jovens em relação aos pais, os costumes sexuais nunca mais foram os mesmos. A sociedade portuguesa, em meados de 70/80, desistiu de defender os valores mais tradicionais, como a virgindade ou a abstinência, em busca de novos modelos, muitos deles baseados nas telenovelas brasileiras.

A tradição é um dos argumentos mais utilizados na defesa da continuidade de atividades que envolvem exploração animal para entretenimento. Em nome da “liberdade cultural”, perpetuam-se inúmeras atividades brutais, vergonhosas e injustificáveis em espetáculos de entretenimento. O novo paradigma da ética animal entende todos os seres vivos como seres sencientes. Assim, todo o sofrimento animal para entretenimento humano é injustificável. A Assembleia da República aprovou uma lei que prevê que qualquer mau trato físico a algum animal de companhia seja punido com uma pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias. Mesmo depois de esta lei ter entrado em vigor, a 1 de outubro de 2014, ficam questões por responder: Porque apenas os maus tratos a animais de companhia ficam sujeitos a penalização? Como compatibilizar a existência de touradas com a prova de que os touros e cavalos são seres sencientes? É possível que o valor da tradição supere o valor da vida dos restantes seres vivos?
Não esqueço que a tradição é muito importante para a memória coletiva de um povo, sendo fator de identificação de diferentes culturas.

Ouvimos argumentarem que não se poderá exigir o fim das touradas por todas as tradições serem legitimas e, portanto, ao tentar aboli-las não se respeita a cultura de um povo. No entanto, o respeito pela cultura de um povo não é igual ao respeito por todas as tradições de um povo. Resumindo, não existem culturas mais ou menos “melhores”, mas existem tradições que respeitam ou não os direitos humanos, animais e ambientais.

Os festivais, os trajes, os costumes, as cerimónias, os rituais e as crenças que no passado deram à humanidade a sua variedade folclórica e etnológica estão a desaparecer ou a restringir-se a setores minoritários, enquanto a maioria da sociedade os abandona e adopta outros mais adequados à realidade do nosso tempo. Todos os países deste planeta passam por este processo, alguns a um ritmo mais acelerado do que outros. Tal deve-se à modernização, da qual a globalização é o efeito e não a causa. É certamente possível lamentar que este processo ocorra, e sentir nostalgia pelo eclipsar das formas antigas de vida que, em particular desde o nosso confortável ponto de vista no presente, parecem cheias de diversão, originalidade e cor. Mas este processo é inevitável.

Os regimes totalitários em países como Cuba ou Coreia do Norte, receosos de que qualquer abertura os destrua, fecham-se e criam todo o tipo de proibições e censuras contra a modernização que faz com que hábitos tradicionais desapareçam. Mas abre oportunidades e constitui um importante passo em frente para a sociedade. É por isso que, quando lhes é concedida a oportunidade de escolher livremente, os povos, contrariamente àquilo de que os seus líderes ou intelectuais mais conservadores gostariam, optam pela modernização. Os argumentos contra a globalização e a favor da identidade cultural revelam uma conceção estática da cultura, que não é corroborada pela história. Que culturas permaneceram idênticas e imutáveis ao longo dos tempos? as pequenas e primitivas comunidades mágico-religiosas que vivem em cavernas, adoram trovões e monstros, e que, devido ao seu primitivismo, são mais vulneráveis à exploração e ao extermínio.

Os parlamentares açorianos, como os de Cuba ou da Coreia do Norte, estão todos temerosos que a utilização de pirotecnia silenciosa ou de reduzida intensidade sonora nas festividades da região, lhes roube votos nas próximas eleições pois que com a “cultura e tradições do povo açoriano” não se brinca. Depois, há também o incumprimento das normas e horários, se ao menos estes fossem cumpridos! O que eles não entendem é que no sistema atual não há controlo das autoridades sobre os horários legais para eventos pirotécnicos, nem controlo sobre o excesso de ruído das festividades, que excede os 55 dB legais, e as juntas de freguesia sempre fazem mais uns tostões com as licenças que a PSP e GNR não fiscalizam, a menos que haja queixas.

É a partir de maio e até finais de setembro que o tormento surge. Estamos na época do Espírito Santo e não só nesta festa, mas em todas as ocasiões (e elas parecem ser semanais) há as roqueiras (os tradicionais foguetes ruidosos) que impedem qualquer descanso, assustando animais e humanos a qualquer hora do dia e da noite. Costumo dizer que se eu mandasse …. nunca mais acendiam nenhum foguete…

Haverá, quiçá, até uma certa xenofobia e a velha afirmação de que eu afinal nem sou de cá…ou como o outro (vizinho) em tempos me disse, “ó senhor isto não é a cidade” e a desculpa tola de que como é tradição sobrepõe-se a toda e qualquer lei que exista ou venha a existir.

Qualquer festa, festarola ou celebração (até no desporto futeboleiro) vem sempre acompanhada de foguetes estrelejando nos céus com o seu característico bum, que ainda hoje ninguém me conseguiu explicar para que servem. Já tentei entender se tem a ver com frustrações edípicas ou outras, com sexualidades reprimidas ou quejandas, mas nada descortinei que as pudesse explicar, de forma satisfatória. Além do inconveniente para tímpanos mais sensíveis, há o desassossego de animais domésticos e outros que entram em pânico com o barulho, como há anos observamos cá em casa. Uma das cadelas passa o dia aterrorizada a urinar por toda a casa e a tentar esconder-se debaixo dos meus pés, aqui na secretária, donde escrevo este lamento que, infelizmente, ninguém vai ouvir e muitos irão criticar.

Os açorianos primam pelo desconhecimento e incumprimento de normas de segurança, em geral. É vê-los de cigarro na boca, a acender foguetes na ponta do rastilho e lançar o projétil ao ar. Parecem crianças com um brinquedo, deveras perigoso, mas a irracionalidade de os lançar a qualquer hora confunde-me e irrita-me. Sei que somos poucos, uma minoria de descontentes com esta tradição, a precisar de leis e normas e fiscalização para se acabar com este flagelo auditivo nas suas múltiplas vertentes de perigo além do inconveniente estrondo. Na RTP-Açores, este mês de julho já surgiram mais pessoas a darem a cara a este abuso do direito ao descanso e do respeito pela não-poluição sonora. Vai demorar tempo mas também esta tradição se modernizará.

 

 

 

 

 

Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

[Australian Journalists’ Association – MEEA]

drchryschrystello@journalist.com,

Diário de Trás-os-Montes (2005) – Diário dos Açores (desde 2018) – Tribuna das Ilhas (2019) –

Jornal LusoPress, Québec, Canadá (2020) – Jornal do Pico (2021)

 

 

 

 

 

 

 

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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