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606 ALEGRIA POPULAR NAS FESTAS NA PARÓQUIA, 31.8.2025
esta crónica e anteriores em https://www.lusofonias.net/mais/as-ana-chronicas-acorianas.html
Os politicamente corretos costumam crucificar-me ao lerem muitas das minhas crónicas. Desta vez neste ano de 2025 regozijo-me com a ansiada festa da paróquia, em honra de Nossa Senhora do Rosário da Lomba da Maia, como sempre na última semana do mês de agosto.
Assim como eu todos os 1035 votantes registados nos cadernos eleitorais (vivos ou não) deram mostras do seu contentamento pelas 07.05 quando os primeiros foguetes (roqueiras) começaram a estrelejar nos céus lembrando a época festiva de sete dias por que todos anseiam desde há um ano.
Discordando disto estavam os cães da vizinha, os de casa e dezenas de outros nas vizinhanças, e os pássaros que nesta semana debandam atordoados pelas incessantes roqueiras e foguetes tonitruantes que entre as 07 e as 03 da madrugada soam nos ares.
O largo da igreja e as ruas adjacentes fervilham todas as noites com bares e tascas improvisadas que nascem como cogumelos, e leva as pessoas a encostarem‑se aos berros, gritos e em alegadas conversas (bêbadas, muitas vezes) até altas horas, sob a sacada das minhas janelas ou sentadas nos degraus do patamar de casa. Pelo vozear são na maioria jovens que assim demonstram a sua alegria por estarem vivo e aqui viverem desfrutando de uns opôs sem a preocupação do dia seguinte.
Como a ecologia ainda não medra por estas bandas o chão fica atulhado de copos de plástico, beatas de cigarro e outros detritos que, eventualmente, o pessoal da junta irá limpar, quando acabarem de retirar do chão os detritos de folhas e flores que sobraram da procissão de domingo.
Se a ecologia não parece ainda fazer parte do currículo felizmente mantém-se tradição secular de pintar as fachadas das casas, o que dá um tom mais rejuvenescido às habitações onde se penduram colchas para a procissão, e todos os habitantes se penduram nas janelas para ver quem vai na procissão, como estão vestidos, penteados e pintados e se a ordem hierárquica ainda se mantém.
Este ano os pintores não tinham mãos a medir e eu que até pinto a casa quando precisa e não quando é festa, vi‑me e desejei‑me para arranjar “mestres” disponíveis meses antes do evento.
Foi pena há meia dúzia de anos terem deixado de colocar colunas de som nas ruas a debitar bem alto (para que todos fruíssem dessa dádiva gratuita) música encanada desde manhã cedo até altas horas. Sempre se poupava alguma coisa sem ter de ligar rádio, TV ou outros recetores de som.
Nas noites o coreto no largo da igreja servia de palco a conjuntos musicais e DJ para animar a malta.
Nestes últimos anos fazem a trasladação da imagem da Senhora do Rosário para a Capela e desta para a Igreja numa carrinha de vaqueiro e não aos ombros dos acólitos, um progresso tecnológico que demorou a chegar.
Em frente à janela do quarto onde durmo há a entrada do bar “Konteiras” mas temo que os seus frequentadores de ambos os sexos devem ter problemas auditivos pois ao virem cá para fora fumar e falar, faziam‑no aos berros noite adentro. Terão, porém, de esperar pois as consultas no Posto de Saúde local só para lá de maio 2026…
Admitamos que a população trabalhadora da freguesia continua a ter apenas esta festa anual para se libertar das grilhetas do quotidiano.
Para isso se aperaltam novas e velhas em seus vestidos, saias curtas e decotes generosos, maquilhadas como se fossem a um concurso de misses.
A grande diferença doutras eras é que já não se apalavram namoros ou casamentos como dantes, e a estatística diz que em cada dez casamentos sete dão lugar a divórcio e em curto prazo.
Mas, em compensação em maio nascem sempre muitas crianças.
Mudam‑se os tempos mas os emigrantes continuam a voltar para reviver eras passadas que já não reconhecem nestes dias que correm.
Um casal, emigrado nas Américas há 60 anos até me pediu para lhes tirar uma foto quando eu filmava os tapetes de flores da procissão e foram contando a sua vida e o orgulho de serem nativos daqui.
Ninguém se deu conta da crise que aí está para durar e encarecer mais a vida.
Estamos numa crise que se agudizará neste outono e inverno, logo a seguir às eleições autárquicas, mas a maioria das autarquias gastou o que tinha e não tinha nas habituais festas brancas, azuis, arcos-íris, filarmónicas, animação de noite e de dia, cantantes e demais artistas. E felizmente a inflação está baixa (2,29%) com algumas pessoas a queixarem-se dos aumentos de preços em víveres, combustíveis e a terrível crise da habitação.
Depois há as artimanhas do governo, que não cessa de se endividar, a dar a esmola que é uma ínfima parte do que a mais recebeu do turismo. Infelizmente, estes “circos” popularuchos servem para opiar mais o povo iletrado, inculto e ignorante que vota nos que melhor o exploram. Um novo tipo de feudalismo e de escravatura.
Perpetuam o fosso entre os que “têm” e os que não têm alforria. A massificação da Cultura popular” versus a redução abrupta dos orçamentos culturais (artes, teatro, literatura) manterá o mínimo denominador comum de iliteracia. Um povo iletrado não pode ser livre nem preserva a autonomia, permanece subjugado e submisso aos que o espezinham. Queixam‑se todos que os parcos apoios a eventos culturais e associações do setor nunca chegaram tão tarde, quando chegaram…pode ser que uns desistam e para o ano sempre se poupa mais algum. Ou então que emigrem em vez de organizarem conferências, palestras, exposições, Colóquios e outras atividades elitistas para meia dúzia de pessoas.
Os senhores nos castelos e os servos da gleba esmifrando as migalhas que lhes atiram das ameias, eternamente gratos, (agora já não há chapéus na mão) a agradecer tanta benesse e caridade. Nem o país, nem as ilhas progredirão, o “status quo” preserva a ordem estabelecida e os bobos da Corte.
A crítica mordaz não agrada aos que detêm o poder e são objeto da sátira e da jocosidade de quem vê o mundo numa moldura maior do que as mentes tacanhas. Até nisto a História se repete e poucos foram os que do olvido e da lei da morte se libertaram, numa paráfrase livre do épico Camões.
Resta‑me lavrar o desacordo e sonhar com um mundo melhor, mais justo e equitativo que é exatamente o oposto do que assistimos nas últimas décadas. Possa eu continuar a contar livremente sonhos e utopias, sinal de que os senhores do mundo ainda não calaram todas as vozes. Aqui não é o Haiti (como dizia o Caetano Veloso) nem a Coreia do Norte e ainda há liberdade de pensar. Nem as monarquias são o que eram e qualquer dia (exceto nas Arábias) passam a estar em zoológicos especiais. Não é que as democracias que conheço sejam melhores, há sempre ditaduras e tiranos ao virar da esquina, prontos a satisfazer os populismos de que se alimentam as festas de verão desta Crónica.
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