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Marcelo, Mário Soares e a ilha do Corvo
O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa decidiu visitar a ilha do Corvo na noite da passagem de ano. Para justificar esse propósito, Marcelo disse que tinha uma promessa nesse sentido e recordou uma qualquer conversa de circunstância com Jaime Gama. Estava, portanto, como declarou enfaticamente, a cumprir a promessa e a palavra dada. A promessa é algo que, em geral, a população da ilha do Corvo desconhecia e a conversa relatada não passa de um simples fait divers.
A justificação marcelista em relação à motivação da viagem é muito pouco convincente. Mas então qual era a real motivação de Marcelo? Pensei, num primeiro momento, que o objetivo era estar junto das populações mais afetadas pelos estragos do furacão Lorenzo. Que o Presidente queria solidarizar-se com as populações das ilhas do Grupo Ocidental, em particular com a sempre esquecida população da ilha do Corvo. Foi por isso que, no contexto da visita presidencial, sinalizei as dificuldades de abastecimento que a ilha estava a enfrentar e solicitei que o Presidente da República pressionasse o Governo Regional no sentido do mesmo melhorar a eficácia da sua atuação.
Percebi, logo nos primeiros instantes da visita, que o propósito e o espírito da visita presidencial era outro. Marcelo procurava apenas um simbólico golpe de efeito. O seu propósito era, estou convencido disso, emular a visita triunfal que Mário Soares realizou, em maio de 1989, à ilha do Corvo. Este excerto da notícia elaborada pela Lusa não deixa qualquer dúvida: “Isto é uma festa fora do calendário”, justificavam os populares que o Presidente da República conseguiu reunir – todos – num serão corvino que incluiu jantar e festa que pôs “a dançar, na mesma pista, os presidentes da República e da Assembleia e Governo regionais”.
Ora a visita presidencial foi um enorme fracasso em termos de adesão popular. Que fatores explicam este desastre, que só a boa imprensa de que goza Marcelo conseguiu, em parte, maquilhar? Na primeira linha de responsáveis está o próprio Marcelo. Achou que bastava escoltar-se com um punhado de beijinhos e de selfies para arrancar o entusiasmo popular. Ora os tempos não estão para festas na ilha do Corvo. Uma parte significativa da população está bastante descontente com a atuação dos poderes públicos no âmbito das dificuldades de abastecimento que surgiram após o furacão Lorenzo. Marcelo preferiu desvalorizar o assunto. Fez mal, como se constatou.
Depois, Marcelo decidiu encomendar-se ao poder socialista regional e local, desvalorizando todos os outros sectores de opinião, inclusivamente o Parlamento Regional que não foi convidado para acompanhar a visita presidencial (nem mesmo a própria Presidente do Parlamento). Um erro que o então imensamente popular Mário Soares não cometeu. A desconsideração institucional só tem uma resposta possível: a retribuição simétrica do gesto presidencial. Tudo o resto seria mero servilismo.
O terceiro fator foi a imensa incompetência e impopularidade do Presidente da Câmara do Corvo, que foi o personagem a quem a presidência confiou a preparação da visita presidencial. Outro enorme erro. O homem lá enfiou o seu melhor fatinho e preparou a fita adesiva com que se amarrou ao Presidente da República. Não o largou um único segundo. Acompanhou-o a todo o lado. Por momentos cheguei a pensar, ao ver as imagens na televisão, que se iria atirar ao mar, na esteira do Presidente, ataviado com o fato e a gravata que portava na altura. Não via um número destes desde que o João Pinto se agarrou à Taça dos Campeões em 1987 e nunca mais a largou até chegar ao balneário.
O problema é que, depois de 6 anos de presidência na Câmara Municipal, sem obra, mas sempre com maior e crescente arrogância e prepotência (a todos os títulos amplamente injustificada), o referido autarca é amplamente detestado pela maioria esmagadora da população. Com uma companhia assim, partilhando sempre o mesmo oxigénio, Marcelo não tinha hipóteses. Estou convencido que nem a Cristina Ferreira teria. Dou só um dado esclarecedor do desleixo e incompetência do autarca: os convites à população para participar no jantar foram afixados apenas no dia anterior ao jantar de fim de ano. Esclarecidos?
Quer isto dizer que a população local não recebeu dignamente Marcelo Rebelo de Sousa. Claro que recebeu! Foi sempre simpática, como é com toda a gente que visita a ilha. Não estava mobilizada? Não, não estava. Ninguém, a começar pelo próprio Presidente, fez por isso.
Mário Soares obteve quase três milhões de votos (70,35%) em 1991. O melhor resultado eleitoral nacional da História deste país. Marcelo tem como objetivo aproximar-se ou mesmo bater esse resultado. Começou mal, na ilha do Corvo. Ainda está do outro lado do Rubicão
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