agora é moda…o formulário LEONOR SAMPAIO SILVA

Já há algum tempo não venho cá informar-vos acerca das últimas modas. Hoje falo-vos desta tendência omnipresente:
O formulário
O formulário, apesar dos seus antecedentes toscos, como qualquer espécie que se preze (as declarações, as fichas de inscrição, as minutas) é, em rigor, uma invenção do século XXI. Pelo menos na sua versão omnipresente e eletrónica, foi nos últimos anos que a descoberta da escrita minimal se tornou indispensável a uma vida plena. A grande diferença em relação aos antepassados primitivos é que a sua evolução concretizou o ideal de igualdade ao nível físico e intelectual que a nossa própria espécie não conseguiu atingir em muitos milénios de existência.
Passo a explicar: enquanto os primeiros seres desta admirável nova espécie eram documentos muito desiguais em extensão, forma e conteúdo – uns baixos e magros, outros altos e encorpados, uns tímidos e iletrados, outros confiantes e palavrosos – o formulário é a prova de que a escrita encontrou a utopia da uniformidade em que todos vivem felizes numa sociedade sem assimetrias linguísticas ou exclusão conceptual.
Como os campos estão pré-definidos, o nível de exigência intelectual é zero. Se, dantes, era necessário decidir pelo texto corrido ou pela estruturação em esquema, pelo emprego de adjetivos ou pela linguagem neutral, pelo estilo sintético ou analítico, correndo-se o risco de se parecer incompetente por se errar na linha da assinatura, na saudação inicial, na divisão em parágrafos, na ordem em que se referia lugar e data, escrevendo em pânico, telefonando a pedir conselho, elaborando rascunhos, dando-os a ler, atirando-os para o lixo, tremendo e rezando para não se fazer má figura, graças ao formulário esta tortura terminou.
Tudo o que se pede agora é que o(a) requerente/declarador/candidato(a) – doravante chamado de Homoform – forneça dados e apresente comprovativos. Também se pede senha e, nos casos mais importantes, informação em inglês, ou um mínimo de conhecimento dessa língua para se perceber que um PLF não é um Plano de Libertação e Fuga!
Nesta utopia documental, a assinatura foi extinta – vestígio elitista de uma discursividade barroca. Só temos de estar sempre online e preparados para preencher um formulário antes de sairmos de casa, dizendo para onde vamos, o que iremos fazer e a que hora regressaremos, de preferência em inglês.
LSS. «Agora é Moda», publicado no AÇORIANO ORIENTAL em abril.
Ilustração de Carla Medeiros.
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    Paula Cabral

    Adorei o seu texto! A burocracia é um fenómeno que me fascina ( pela negativa, claro está!) e que me interessa perceber, quanto mais absurda se torna. A ‘burrocracia’, como lhe chamava Herberto Hélder, tem algo de transcendente! 😁
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  • Maria Clara

    Convenhamos que esta nova moda veio salvar muita gente de ” sérios problemas” 🙂 . Bjs, Leonor, bom feriado
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