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11.20. ADOLESCENTES, 19 MAIO 2006 CRÓNICA 20.
De repente, penso ser demasiado exigente com o filho mais novo, tal como o pai foi comigo e estou errado. Vou tentar emendar-me. Fui bafejado com uma criança inteligente, ativa e dinâmica, sem dificuldades no ensino e continuo a exigir a calma e atitude que só tive em fase adiantada. Repito trajetos genéticos na ânsia de ter um filho que sofra menos do que eu até ter estabilidade emocional e psíquica. Quero incutir-lhe a ética de trabalho, dedicação e respeito pelos outros, que raramente se vê nos jovens, e que caraterizaram a minha vida. No resto não preciso de lhe incutir nada pois irá beneficiar da educação mais independente, destes tempos livres, mais desacompanhados do que eu tive, andando na aldeia de bicicleta, a brincar com os amigos e a descobrir o que quer que ande a descobrir. Em dezº 2005 voei pelo Atlântico para passar o Natal com a minha mãe. Era sempre eu quem fazia a deslocação, pois reconhecia (mas começava a ter dúvidas) que os filhos tinham esse dever. Em tempos esperara que nos fizessem o mesmo.
Não houve essa sorte. Estive sempre disposto a fazer o que fosse preciso pelos pais. Sonhei que se repercutiria comigo mas não tinha ilusões. A relação não era biunívoca, as gerações não eram estanques. O primo de Ponta Delgada tem duas filhas expatriadas que vêm visitá-lo (quando eles não vão lá). O segredo: incentivo económico à vinda. Outro casal tem filhos noutras ilhas mas são eles que visitam, a alternativa era enviarem bilhetes de avião para os filhos. Discordo e decidi que quem vier cá virá à sua custa, sem subsídios. Sei como desiludi os pais durante décadas. Queriam uma imagem outra, dum espelho em que não estava, e a que não pertencia. Nada disso pedi aos filhos. Que se passou, no país e no mundo? Erramos na educação? Não inculcamos valores pelos quais nos guiamos na nossa vida? Não os soubemos transmitir? Algo errado devemos ter feito, ou esta sociedade nada tem a ver com a nossa?
O casamento deixou de ser uma meta. Os jovens amancebam-se para ver se dá. Para pagarem menos impostos. Se não der ou quando não dá, é mais fácil e económico, cada um vai à sua vida. Os filhos não programados vêm quando vêm. Depois logo se vê. Entretanto, usufruem da vantagem de os pais serem à moda antiga e vão colaborando, com o que for preciso, para a alegria de verem os netos. Havia dantes uma palavra para nos definir: palonços. Quando aprenderem as duras realidades do custo de vida é provável que telefonem a solicitar comiseração, um subsídio para as dificuldades. O que se passa, de facto, mas como é invisível não é comentado, é a perda irreparável dos laços tradicionais entre pais e filhos, muitas vezes mantida através da “compra” da sua presença por viagens. Durante mais de duas décadas e meia de expatriado sempre voltei a Portugal ver pais e filhos. Ainda lamurio que podia ter viajado pelo Pacífico, Nova Zelândia, Fiji, Nova Caledónia, Filipinas, Vanuatu e outras ilhas. Não me arrependo. Cria piamente na obrigação de vir ver os de cá, já que, jamais iriam lá, por mais bilhetes que mandasse ou súplicas que fizesse.
Mantive o vínculo a um passado mítico que mais tarde viria a desmistificar. Esta é uma reação ao envelhecimento e à evolução tecnológica brutal, que ocorre, para a qual esta geração não estava preparada. Como qualquer revolução, deixa uns mais preparados que outros para arrostar com provações e prosseguir. Estou cético e negativista, pois a velhice vai encontrar silêncio dos mais jovens, incapazes de nos verem envelhecer e aceitar graciosamente as mudanças, inclusive a relação entre pais e filhos. Não podemos agir como os nossos pais. Estamos em constante evolução e nada melhor que bom senso e amor para educar os filhos e manter um bom relacionamento. Na Austrália havia 97% de coisas positivas, e queixava-me dos 3% que abominava, a inumanidade de tratamento dos pais pelos filhos. Pensei encontrar cá os 3%. Enganei-me, ambos os países tinham sociedades similares de desprezo pela Terceira-Idade.
Curiosamente, a minha mãe, em finais de 1990, apoquentada, contava a todos que se arrependia de não me ter deixado seguir Letras e Humanidades como eu pretendia. Sossegara-a, estava perdoada. Não fazia mal. Cheguei ao destino, com uns milhões de quilómetros de desvio, mas cheguei. Não recrimino as escolhas dos pais por não me terem deixado seguir Direito em Coimbra. Escreveram direito por linhas tortas. Tento concentrar-se no mais novo. Dar-lhe o que possa, em experiência e conselhos úteis. Beneficiei de ter vivido mais tempo com ele do que com os outros. Seria reciproco? Para mim foi ótimo, mas também doloroso, exasperante. Sempre fiz telefonemas diários para saber da mãe, sem recordar que raramente recebi telefonemas dos filhos. Quando queria era eu quem tomava a iniciativa, até que me cansei da inutilidade dessas tentativas. Vim para Portugal e estar com a família, alargada a primos e descendentes.
“Estou deprimido” é expressão recorrente nesta geração paradoxal. Inconsciência crónica com excesso de preocupações. Da banalidade despreocupada à angústia paralisante. Convém recordar que a atual geração não passou por privações familiares, comparado com a minha geração de “baby boomers” no pós-guerra. A geração rebelde que, no fim dos anos 60, se revoltava contra o status quo na França e contra a guerra colonial em Portugal tinha algo contra que lutar. Vivia melhor que a geração dos pais, em conforto e posses económicas, mas era arrastada para projetos militares alienígenas aos quais se opunham. Queria tomar parte na construção da História e não ser arrastada como nota de rodapé como acontecera aos pais. Depois chegou o 25 de abril e as liberdades misturaram-se inicialmente com as libertinagens. Os jovens dos anos 70 e 80 nasceram com o rei na barriga. Nada era proibido e podiam almejar à sociedade sem classes em que todos tinham acesso ilimitado a todos os bens, sendo felizes para todo o sempre.
As crises económicas não se fizeram sentir muito na Europa Ocidental (exceção: a crise do petróleo, 1972) e a máquina da publicidade assenhoreou-se da televisão e comunicação social, moldando os que temos em casa ou que dela saíram há pouco. Por mais que tenhamos dito que a vida era feita de sacrifícios, não passaram pelas nossas experiências dolorosas, nem as viram nem as sentiram. Frequentar a universidade não era um apanágio de elites, nem mesmo as privadas era já considerado elitista. Os cursos facilitaram o acesso a canudos que tinham a fama de servirem para distinguir entre os que vencem na vida e os outros, embora na prática começasse a ser diferente.
A maioria dos pais enfrenta a situação desconcertante de terem filhos que, por um lado, se comportam irresponsavelmente sem dar importância às coisas que, teoricamente ,lhes deveriam interessar e, por outro lado, se manifestam devastados pela incerteza do futuro ou por pequenos reveses. Parece que nasceram sabendo tudo mas são incapazes de enfrentar minúsculos contratempos. Quase que são incapazes de, à minha janela, ver a lua mas distinguem o minúsculo farol de Santa Iria? Como é possível, que jovens tão pouco dados a levar a vida a sério se tornem em vítimas quando veem as coisas mal paradas. Estarão a exagerar? Não se tratará dum estratagema de autodesculpa, um recurso para obterem compaixão e evitarem atuar? Tudo leva a crer que não. Poucas vezes se trata de excesso de birras e de espavento de crianças ou adolescentes malcriados tentando comover os adultos assustadiços a fim de levarem a sua avante. Os pais fizeram o que lhes competia dando o máximo de bens materiais aos filhos, pois eles não tinham tido esse acesso. Aproveitaram igualmente para se rodearem desses bens e não podiam viver sem eles. Parecia uma sociedade de abundância sem limites. A pressão dos pares a nível social, engendrada pela insaciável publicidade, ajudou-os a que comprassem tudo e mais alguma coisa. Quando a árvore das patacas seca, i.e. só quando saem de casa é que se dão conta de que até as mais pequenas coisas têm um custo. A vida está feita de pequenas coisas, o que os irrita profundamente porque quando chegam às grandes coisas já não há dinheiro.
Muitos especialistas concordam, as causas da intolerância e da frustração jovens estão intimamente ligadas aos valores propugnados pelos meios de comunicação. Quando, desde a nascença, um jovem recebe através da TV, mensagens subliminares, não é descabido pensar que alguém os incapacitou para enfrentar a realidade. Esse alguém não foi nem o pai nem a mãe, incapazes de negarem os seus caprichos, mas os meios de comunicação a enganar e manipular as mentes dos recetores consumidores. A televisão (ou a publicidade que dirige como soberana implacável os conteúdos e as formas das mensagens) é o agente principal da frustração. Que capacidades de enfrentar os problemas terão os que nos anos mais recetivos da vida foram metralhados com promessas de felicidade virtual, de satisfação através do consumo, de êxito imediato, visões da vida pintada como um show de diversões que nunca termina? O discurso mediático e mercantil alimenta a falta de maturidade que se revela quando a realidade nua e crua mostra a face e o jovem constata que nada é como lhe disseram, criando um desajustamento causador de insatisfação e ansiedade. Assim como nos anos 60 e 70 se falava da geração rebelde, nos 90 foi a geração Prozac ou “rasca,” depois tivemos os “Millenials” agora podemos ter chegado à da frustração. Nem poderia ser doutra forma, mas a evidência não resolve o problema nem serve de consolo. Quando os adolescentes dizem que estão agoniados e deprimidos estão a falar a sério, sofrendo mais do que possamos imaginar. E convém fazer constatações mais comezinhas.
Será por isso que aumentou substancialmente nas últimas décadas o número de consultas de adolescentes nos serviços de urgência psiquiátrica. Num hospital de Barcelona as estatísticas indicam primeiro, as alterações de conduta, seguidas das crises de ansiedade, 25% do total de casos. Se acrescentarmos os 15% de tentativas de suicídio teremos de admitir que se trata dum problema grave e crescente. Trata-se de intolerância à frustração. Muitos jovens não aguentam os revezes pois não foram treinados para os enfrentarem. Nasceram sobreprotegidos, acostumados a conseguirem da família tudo, falta-lhes a experiência de sentirem necessidades ou de passarem pela penúria, carecendo de defesas face às dificuldades. Já se disse e redisse à saciedade, e com certo fundamento, que os pais das últimas décadas criaram inválidos sem recursos para enfrentarem um mundo, regido pela competitividade e elevados padrões de exigência, a nível laboral e profissional, nas relações interpessoais e integração social. Os adolescentes naufragam no trajeto entre a infância almofadada que nada lhes exigiu e um futuro eriçado de obstáculos.
A geração paterna apenas tem a perpetuação desse estereótipo. A sobreproteção e a permissividade excessivas criaram jovens dependentes, sem autonomia para fazer planos, tomar decisões maduras e confrontarem os próprios problemas. Não será totalmente justo adotar o discurso de serem os pais culpados da desventura da adolescência. As famílias, apenas em parte são culpadas da irresponsabilidade dos filhos que pagam com angústias, a vida mole e não adianta colocar mais esse peso nos ombros dos pais. Atuaram movidos pelo carinho, mesmo se revestido de formas erradas. A maioria dos jovens deprimidos deixou de buscar apoio e cumplicidade nos amigos como acontecia, quando se refugiavam dos pais cheios de defeitos, mas mais eficazes a gerirem a segurança emocional que é necessária nesses momentos. Hoje há leis e proteção contra “bullying”. No meu tempo fui vítima anos a fio (na primária e liceu, sem saber sequer que se chamava “bullying”) sem apoio parental ou outro. Tive de me desenvencilhar sozinho e sobrevivi. Sei que ainda hoje não me sinto à vontade, evito falar no assunto e não entro em detalhes, exceto para mencionar que a maioria jogava futebol e eu jogava xadrez, lia, fazia um jornal de liceu, dizia poesia, e não conseguia ficar bronzeado.
Numa conferência sobre educação e conflitos de gerações, o médico inglês Ronald Gibson citou quatro frases:
1) A juventude adora o luxo, é mal-educada, troça da autoridade e não tem respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais e são simplesmente maus.
2) Não tenho esperança no futuro do país se a juventude tomar o poder amanhã, porque é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível.
3) O nosso mundo atingiu o ponto crítico. Os filhos não ouvem os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe.
4) Esta juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura.
Após ter lido as citações, ficou satisfeito com a aprovação dos espetadores e revelou a origem:
- A primeira é de Sócrates (470-399 a.C.)
A segunda é de Hesíodo (720 a.C.)
A terceira é de um sacerdote do ano 2.000 a.C.
E a quarta foi escrita num vaso de argila na Babilónia (atual Bagdad) há mais de 4.000 anos.
Aos que são pais: RELAXEM, sempre foi assim. Como crianças mimadas em vez de lutarem por trabalhar e ganhar mais, queixam-se, entram em depressão apática, sofrem na inação e deprimem-se mais. Tudo é um direito divino que compete aos pais satisfazer e quando não alimentam a ilusória vida fácil, sentem-se traídos pela sociedade e família. O que não sabem é que um dia vão pagar as dívidas que o mundo e a sociedade lhes deixaram, e só então terão razão para se sentirem deprimidos, mas ainda não chegaram lá e não se preocupam. Parece a história deste país que habito, mas não é. Foi tudo inventado numa deprimente tarde chuvosa de inverno aqui na ilha de S. Miguel.