AÇORES PRECISAM DA RYANAIR

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Ainda sobre este drama da Ryanair e o anúncio de que encerrará todos os voos para os Açores a partir de março de 2026, alegando como razões as taxas aeroportuárias elevadas e uma falta de intervenção governamental na redução de custos operacionais, vale a pena determo-nos sobre alguns detalhes.
A decisão, obviamente, provocou uma preocupação generalizada entre entidades regionais, operadores turísticos e autoridades económicas, algumas mesmo utilizando termos como “choque”, “golpe” e “pânico” para caracterizar este anúncio. Embora, da parte do Presidente do Governo Regional tenha havido uma alegação de, pelo menos aparente, tranquilidade. Alguém que me arranje o mesmo calmante, sff.
A Ryanair alega transportar cerca de 400 mil passageiros por ano, grande parte deles turistas em viagem de lazer ou negócios, o nosso mercado interno é pequeno e pouco abonado, portanto podemos acreditar que pelo menos mais de 60% a 70% destes 400 mil são efetivamente turistas. Ora a retirada da única oferta low-cost entre o continente e o arquipélago reduz significativamente a conectividade aérea do arquipélago e aumenta a dependência de outras companhias, como TAP e SATA, sabendo nós, também, como está, infeliz e fatidicamente, esta última.
Segundo estimativas por alto, baseadas no gasto médio por visitante (€276 por viagem segundo dados do INE), a perda direta de receitas turísticas provocadas pela retirada da Ryanair do destino Açores pode variar entre €27,7 milhões e €110 milhões anuais, dependendo do número de passageiros não residentes afetados. Se juntarmos a isto os efeitos indiretos na economia regional, esse impacto pode atingir entre €40 milhões e €166 milhões. E o Presidente do Governo diz-se tranquilo?!?!
Outro dos impactos a curto/médio prazo é a subida dos preços médios dos bilhetes, para além da redução do número de turistas sensíveis ao preço e impactos negativos em atividades complementares, incluindo restauração, transportes e animação turística. Já para não falar noutros impactos indiretos no consumo, retalho, produtos locais, etc. É que se os turistas produzem lixo, como todos nós, aliás, também gastam dinheiro, a tomar café, beber água, ou a meter gasolina nos carros de rent-a-car. Estimativas simples indicam que a perda de emprego direto pode variar entre 700 e 2 800 postos de trabalho, podendo superar 4 000 empregos se contabilizados os efeitos indiretos. Pensem por exemplo no consumo de lacticínios, carne, peixe, pão ou outros produtos.
Por outro lado temos os elevadíssimos custos reputacionais para a imagem do destino que esta novela provoca. A Ryanair aponta como causas da sua saída as taxas aeroportuárias praticadas pela ANA e a alegada inação do Governo, enquanto as autoridades regionais e nacionais defendem que os Açores têm algumas das taxas mais baixas da Europa.
Esta divergência reforça a perceção de que a decisão também poderá ter motivações estratégicas de negociação, mas ao mesmo tempo revela as fragilidades do destino em assegurar um crescimento sustentado e sustentável do sector turístico fazendo perigar não só investimentos como a própria perceção dos mercados sobre o valor intrínseco do destino. Já dizia a minha avó, leva uma vida a fazer um nome, mas basta um dia para o perder…
Face a este cenário, seria imprescindível que os sectores público e privado estudassem medidas de mitigação, incluindo negociações urgentes, e musculadas se necessário, com a ANA/VINCI, incentivos a operadores alternativos, reforço da promoção turística internacional e avaliação do impacto económico real através de estudos detalhados.
A Ryanair é a maior companhia aérea europeia em termos de número de passageiros transportados e alcance operacional voando para mais de 240 destinos, o que para nós significa uma conetividade com o mesmo número de potencias mercados. Não compreender este facto é não perceber como funciona a indústria do turismo, principalmente nas novas tendências de independent travelers e last minute, elementos essências por exemplo para combater a sazonalidade. Já para não falar no rombo comunicacional que representa sair desta máquina de promoção e comunicação que são 200 milhões de passageiros transportados anualmente.
Não quero defender o Sr O’leary que obviamente não precisa, mas reduzir isto tudo a uma birra ou a uma manobra negocial é não perceber ou não querer assumir como a distância da região dos aeroportos emissores, o sobrevoo do atlântico e tudo que isso implica em termos de consumos de combustível, seguros, especificações técnicas das tripulações e dos aparelhos, bem como outras incidências no preço, como capacidade de encher aviões, influem efetivamente na rentabilidade da rota e da operação. E, principalmente a responsabilidade que o destino têm em ser parceiro e não obstáculo…
A saída da Ryanair representa um abalo sísmico para a economia açoriana e coloca em evidência a vulnerabilidade do arquipélago face a alterações de conectividade aérea, sublinhando a importância de políticas estratégicas para assegurar acessibilidade e sustentabilidade do turismo regional. Tudo coisas que por mais que o espectador atento tente perscrutar não se vislumbram nem no imediato nem no horizonte mais longínquo.
Mais uma vez, estamos não só à mercê dos mercados, o que desde logo vai resultar num aumento lógico e imediato da tarifa média, com impactos diretos no tipo de cliente e perceção da oferta, como estamos também à mercê dos maus políticos, o que infelizmente, resulta no aumento direto da nossa desgraça coletiva…

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