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ChrysC
637. o fim do mundo (moinhos) 21 ago 2013
neste remanso micaelense
nesta paz podre e pobre
a vida procede inexorável
na lentidão secular
já o disse e repito
o mundo podia acabar hoje
e nós sem nunca o sabermos
chrys c
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Os Açores, com toda a sua sumptuosidade natural e complacência de espírito, são um lugar privilegiado para se assistir ao fim do mundo. Perante a débâcle que se vai abatendo sobre a Terra, estes nove pedaços de azul, verde e humidade soporífera não são um mau sofá para assistir ao calvário da nossa existência. É por isso, que é tão surpreendente ver a forma, insistente, como os açorianos se recusam a perceber o que está para lá de si próprios. O mundo está a desabar, pelo menos um determinado tempo, o tempo da industrialização e da globalização, a Era Moderna, se assim quisermos, estão, lenta mas resolutamente a bater a meia-noite. Mas, nestas nove ilhas esquecidas no meio do Atlântico Norte, continuamos a achar que os aviões a jato nunca foram inventados e que somos, ainda, tal como em Tordesilhas, o centro de todos os mares. No meio de guerras e de sanções, de bloqueios e crises, a sociedade açoriana entretém-se a discutir taxas turísticas e os predicados individuais de Angra do Heroísmo em detrimento do trânsito condicionado das ruas de Ponta Delgada. Nos salões, debruados a euros alemães, da burguesia política e comercial da região, as ilhas foram transformadas numa espécie de concurso de Misses, de notoriedade internacional, pavoneando biquínis e vestidos de noite, à espera que um qualquer júri de eurovisao declare, com vozes meladas, “para a Terceira 10 pontos, para São Miguel 12”…
O que mais impressiona, neste duelo espúrio e assinino, entre o embrutecimento Micaelense e a arrogância coquete Terceirense, é a incapacidade de ambos entenderem que o mundo mudou. Nada será como antes, mas os Açores teimam em achar que são a razão e o centro de tudo o que se passa no mundo. Depois de dois anos de insanidade pandémica, por estes dias, dois países com um peso económico combinado de 200 milhões de pessoas, estão em Guerra fratricida. Os países da Europa Ocidental, que representam quase 90% dos mercados emissores de turismo para a região, dependem em quase dois terços de energia Russa, seja em forma de gás, carvão, crude ou outra. A Alemanha, o nosso principal mercado emissor de turismo, está dependente em quase 70% do seu consumo energético de fontes Russas. Ao mesmo tempo, a Rússia e a Ucrânia são dois dos maiores exportadores mundiais de cereais, já para não falar no alumínio, produtos químicos, metalurgia, etc., etc., etc., Os efeitos desestabilizadores deste conflito nas cadeias comerciais globais são gigantescos. Mas, as nossas proeminentes figuras da política e da economia, estão ocupadas a insultarem-se mutuamente e entretidas a contabilizar os tostões de três noites de hotel de turistas que nunca chegarão a vir.
(em parênteses, ficam as perguntas. A tacanha de São Miguel é para ser cobrada pela ANA Aeroportos ou é pelo número de camas? E Ponta Delgada ganha mais, ou vai ser distribuído por Lagoas, mais a Ribeira do Caldeirão para não excluir o Nordeste? Na Terceira, Angra e Praia vão estabelecer um tratado de paridade nas camas, ou reverte tudo para uma tourada e um bailinho? E o Corvo recebe por birdwatcher ou por visita ao Boi-anão?)
Num tempo de Guerra e Peste a Indústria da Hospitalidade é um anacronismo. O Turismo, que nos últimos 200 anos foi a grande actividade diplomática do mundo, estreitando e sedimentando laços entre países e povos, está hoje sob uma dupla e inescapável ameaça. Por um lado as alterações no mercado de trabalho. O turismo depende não só da organização do trabalho como do seu rendimento. As ideias de lazer e de férias, são conceitos eminentemente burgueses e capitalistas e as actuais alterações na estruturação do trabalho, bem como a profunda crise económica que aí vem, levarão a transformações profundas na indústria do turismo, quer na disponibilidade para, quer nas formas de, viajar. Por outro, o fim dos equilíbrios geoestrategicos do pós-guerra, com o ressurgimento de uma nova ordem mundial, mais securitaria, binária e isolacionista, irão, também, impactar profundamente nos fluxos turísticos mundiais, em formas ainda quase totalmente desconhecidas e que impedem que se olhe para 2023 com as memórias de 2019. Mas, por cá, nas nossas esverdejantes ilhas, os responsáveis políticos e económicos digladiam-se a debater se a promoção dos Açores deve ser feita em 1 ou em 9 envelopes diferentes ou, já agora, porque não, em 19 agências municipais, financiadas com o ouro das taxas turísticas.
Os Açores são, de facto, um óptimo lugar para assistir ao fim do mundo. O único problema, é que em rodapé, vamos assistindo, também, à nossa própria autodestruição, em doses repetidas, e massivas, como projécteis explosivos, de bairrismo, miopia e idiotice…
Em tempos idos a solução era a emigração, só que agora, o problema, é para onde?

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