AÇORES não são ‘ilhas europeias’, mas ‘ilhas oceânicas’

Joao-Luis Medeiros

Ora Viva! – Boa Malta! Como estamos a penetrar a ‘portas-d’armas’ do Verão, lembrei–me de vos oferecer um orvalho de palavras para refrescar a memória: m e m o r a n d u m
João-Luís de Medeiros


—- //// —-

Cultivar a arte de (di)gerir a Incerteza…

1 – … depois da monarquia, a democracia vencerá o tribalismo?…
Aquando do verão de 1982 (alguns meses após o início da minha experiência imigrante), resolvi registar na imprensa da diáspora açor-lusitana a serena conviccão pessoal de que ‘não só da Europa vive o Açoriano’. Perante a indiferença habitual dos alcaides da açorianidade d’aquém e de além-mar, fui levado a decorar o alfabeto da realidade, ou seja, desembarquei na conclusão de que as ideias, as sugestões, os avisos, as urgências são (ou não) consideradas pertinentes consoante o perfil político-partidário do mensageiro, e raramente aceites pelo valor intrínseco do respetivo conteúdo.
Na tentativa de aclarar estes dizeres, falta talvez realçar o seguinte: quando a túnica ideológica do mensageiro oferece um colorido estranho ao chamado credo regional ‘partidariamente correto’, a mensagem fica ‘ab initio’ passível duma prudente (quiçá amedrontada) rejeição… Aqueles que (como nós) conseguiram ultrapassar o ciclo preparatório no treino contra o indiferentismo étnico-político – muitos desses já têm sido aspergidos pelo orvalho cívico de aprovação em relação ao que escrevem em voz alta!
Como quem diz: “–recordar para acordar – um nunca mais acabar!” Reconheço que a liberdade de expressão deve ser ensaiada sob o pálio da responsabilidade democrática (e não raro com o auxílio do paraquedas do bom senso, para que a mensagem chegue intacta em terreno opinável). É sabido que a generalidade opinante comunitária prefere o noticiário ‘pronto-a-vestir’, porque os ‘vedetas-recitadores’ dos noticiários detestam a ‘palmada informativa’ devidamente assumida e identificada… Haja saúde!
Seja-me permitido recordar que, durante a minha ‘recruta’ parlamentar (1976-80), aderi à crença de que os Açores não são ‘ilhas europeias’, mas sim um belo agrupamento de ‘ilhas oceânicas’. Sabemos que o ilhéu dispensa que a geografia seja a sua especialidade académica: desde o século XVIII, o clima psicossociológico do ilhéu açoriano tem sido influenciado por fatores geoculturais ‘soprados’ do Oeste… Não é pecado salientar que cada ilha açoriana continua orgulhosa da sua fisionomia geo-humana…
Vimos notando que o atribulado estatuto constitucional da Autonomia político-administrativa continua a ser visto (à distância continental) como mero galardão pelo bom comportamento dos atlantas insulares. Apesar de, nas últimas três décadas, ter optado por (sobre)viver num dos oásis do ‘sonho americano’, sinto-me beliscado pela suspeita de que a Autonomia política continua a ser usada como ‘caldeirão’ sociológico para acelerar o indesejado ‘melting-pot’ açórico das micro-especificidades dos ilhéus atlantas…
Prestimosas(os) Companheiras(os): vamos acreditar na ‘união’ solidária dos ilhéus; persistir na comédia em curso da massa-sovada da unicidade açoriana, seria apostar no convívio ameno entre codornizes e milhafres: nada de confundir a “semelhança” com a “igualdade”…

2 – “democratizar os falhanços versus personificar os sucessos”
(refinada astúcia da classe política)
Durante vários séculos, os ilhéus açorianos permaneceram sitiados adentro das ameias oceânicas (muitas delas inventadas pelos mordomos do destino ilhéu, não raro auxiliados pelo trepidar dos humores vulcânicos). Creio não ser novidade relembrar que, nos últimos 50 anos, as especificidades geoclimáticas (consideradas responsáveis pelo clássico ‘torpor’ açoriano) estão a mudar, mercê da mobilidade sociocultural resultante da globalização das comunicações. Aliás, para capar a vontade popular – segundo o credo fascista – basta reduzir a sua educação e eternizar a sua pobreza. De resto, o cosmopolitismo moderno considera uma ‘ilha’ um colchão-marítimo barato para repoiso romântico dos profissionais do bem-estar…
…/… Nas últimas décadas, no sudeste brasileiro (mais precisamente no Estado brasileiro de Santa Catarina, onde vive mais de metade da população portuguesa) há uma elite académica que continua a animar o movimento humanista de revisitação solidária da ‘açorianidade comovida’ a oeste da Europa. Chega-se, assim, à óbvia conclusão de que a história da emigração açoriana continua a formar uma parcela importante da história portuguesa…
Façamos um silencioso convite para revisitar o facto da descoberta dos Açores ter ‘acontecido’ pouco mais de meio século antes do ‘achamento’ oficial do Brasil. Vamos recordar um curioso pormenor histórico: quando as primeiras gerações de emigrantes açorianos tentavam ‘refazer’ o seu destino ao sul do equador, já havia um grupo de ‘patriotas’ brasileiros apostado em conversações secretas, em Paris, com o então embaixador norte-americano, Mr. Thomas Jefferson. Naquele tempo, estavam a ensaiar os primeiros retoques em prol da independência brasileira – evento que viria a acontecer décadas mais tarde, graças à apatia da coroca monarquia portuguesa…
…/… quando o poeta escreve que ‘partir é morrer um pouco’, certamente reconhece que o emigrante sente-se por vezes diplomado como ‘profissional da ausência’. Perante a balbúrdia sistemática dos assalariados da política vesga, o slogan seguinte é porventura antigo, mas tem sido remoçado pelo atual delírio lusitano: “democratizar falhanços versus personificar sucessos”. Pois é: no final das contas, apreciadas(os) amigas(os), apetece desabafar em termos poéticos: “emigrar não é trair nem vergar / é partir para um novo-estar…”