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Pedro Rodrigues, biólogo açoriano em investigação na Islândia
Os Açores “sofrerão as consequências de um ambiente em degradação rápida mais severamente do que áreas continentais”
Correio dos Açores – Licenciou-se em Biologia na Universidade dos Açores e fez o doutoramento sobre aves dos Açores. Porque optou pelas aves?
Pedro Rodrigues (Biólogo) – Licenciei-me em Biologia, ramo marinho na Universidade dos Açores e tirei o mestrado em Ciências Marinhas – Recursos marinhos, com especialização em Ecologia Marinha na Universidade do Porto. Em relação ao doutoramento em Biologia na Universidade dos Açores, em filogeografia dos passeriformes dos Açores, teve a ver com o meu interesse na evolução das espécies e no trabalho de Darwin nas Galápagos. Na altura em que estava a definir o que fazer após o mestrado, conheci o Peter e a Rosemary Grant, investigadores que trabalhavam nas Galápagos com os tentilhões. Foi aí que entendi que havia, e há, muito para fazer nos Açores nesta área.
Pode fazer uma breve descrição do seu percurso profissional?
Após o doutoramento, na Universidade dos Açores, fiz um pós-doutoramento na Universidad Austral de Chile e fui o principal investigador em diversos projectos relacionados com a filogeografia e a co-evolução com parasitas de diferentes espécies de animais (aves, mamíferos marinhos, invertebrados marinhos). Além disso, dei aulas a alunos dos cursos de Biologia e de Veterinária em manuseamento da vida selvagem, e em ecologia de aves.
Em 2019, mudei-me para a Islândia, onde continuei a desenvolver artigos científicos e a participar em diversos projectos científicos, e em 2021 comecei como Ddo Rif Field Station, em Raufarhöfn, localidade com cerca de 150 pessoas, no nordeste da Islândia, onde estou desde então.
Como classifica os Açores em termos de aves?
Os Açores, por serem ilhas geologicamente recentes e isoladas geograficamente, apresentam uma biodiversidade reduzida, mas a que têm é de grande importância. No que toca às aves, podemos abordar os Açores relativamente às aves marinhas e terrestres.
Em relação às marinhas, os Açores apresentam importantes colónias a nível europeu e mundial de espécies como o cagarro e os garajaus-rosados. Apresentam, também, espécies únicas como o paínho-de-monteiro.
No que diz respeito às aves terrestres, como estas normalmente são sedentárias e estão isoladas na Região – por vezes numa só ilha ou num grupo de ilhas – os Açores apresentam diversas espécies únicas do ponto de vista genético e morfológico. Desde logo, há o priolo que só existe na Tronqueira, em São Miguel, e tem grandes diferenças em relação ao dom-fafe europeu, daí ser importante continuar a proteger a área e ter projectos de conservação do habitat natural. O tentilhão, presente nos Açores há cerca de 1 milhão de anos, é outra das aves dos Açores com grandes diferenças para com as aves da Eurásia e África, e eventualmente deveria ser considerado uma espécie distinta da europeia. Também temos diversas subespécies, das quais destaco a estrelinha-de-poupa que tem três subespécies nos Açores, uma residente em Santa Maria, outro em São Miguel e outro no Grupo Central e Flores. Mas, com os estudos que fiz durante o meu doutoramento, constatei que as Flores apresentam uma estrelinha genética e morfologicamente distinta que talvez pudesse ser considerada uma espécie. Após o meu doutoramento, apresentei um projecto ao Governo Regional da altura para desenvolver estes estudos nos Açores, mas nunca me responderam com uma resposta afirmativa, nem tão pouco negativa.
Os Açores, devido à sua localização, são também muito interessantes para a observação de aves migradoras e de origem Neárctica que ocasionalmente aparecem na Região. Não é à toa que, no final do Verão, o Corvo se enche de birdwatchers.
Por que motivo decidiu sair dos Açores? Por escolha própria ou por falta de oportunidades na Região?
Após terminar o doutoramento, em 2012, esperei dois anos e meio por um pós-doutoramento, ou outra posição que permitisse desenvolver os meus conhecimentos científicos e fazer carreira nos Açores, terra que adoro, não só por ser o sítio onde nasci, mas também por ser um local onde muito há a descobrir. A oportunidade de continuar nos Açores nunca surgiu e em 2014, quase por acaso, descobri estarem abertos projectos de investigação no Chile e decidi escrever um projecto, apresentá-lo a investigadores e professores da Universidad Austral de Chile, na cidade de Valdivia, a norte da Patagónia chilena. Eles gostaram do projecto e incentivaram-me a concorrer a investigador pós-doutorado pela FONDECYT (similar à FCT em Portugal). Ganhei o projecto e no início de 2015 mudei-me para Valdivia.
Como foi a sua passagem pelo Chile? Que trabalho desenvolveu lá?
Estive quatro anos no Chile. Cheguei para desenvolver um projecto com a cofilogeografia do corvo-marinho neotropical, ou biguá, e os seus parasitas de malária. Como sempre, gostei de desenvolver vários projectos e acabei por trabalhar também em estudos de evolução com outras aves como o colibri e diversas espécies de limícolas, e com a filogeografia de lobos-marinhos da América do Sul. Dei, ainda, aulas na universidade e ajudei na orientação de estudantes de mestrado e doutoramento.
O Chile vai ficar sempre na minha memória. Para além de boas amizades, tive a sorte de conhecer muito bem quase todo o país, que é lindíssimo e cheio de contrastes naturais. Trabalhei no deserto mais árido do mundo, o Atacama, no altiplano junto das fronteiras com o Perú e a Bolívia, por toda a cordilheira dos Andes até aos pântanos da Terra do Fogo, e as lindíssimas paisagens da Patagónia. Foi uma aventura para nunca mais esquecer. Faltou ir à Antártica, mas isso ainda poderá acontecer no futuro.
De momento optou para ir para a Islândia, onde dirige uma estação de investigação a três quilómetros do Círculo Polar Ártico. Qual o objectivo do projecto?
O Rif Field Station fica localizado na península de Melrakkaslétta, a três quilómetros do Círculo Polar Ártico, e é o único sítio na Islândia que, além de apresentar habitats do Subárctico, também apresenta habitats do Ártico. É um dos poucos sítios no mundo onde podemos dirigir o nosso próprio carro até ao Ártico.
O projecto tem como principal objectivo a monitorização da biodiversidade do Ártico e do Subártico na Islândia, desenvolvendo projectos para entender de que forma a biodiversidade está a ser afectada pelas alterações climáticas e mitigar estes problemas, sem nunca esquecer o desenvolvimento das comunidades rurais e a educação. Apoiamos também estudantes universitários e doutorandos nos seus estudos, e damos acesso a investigadores de todo o Mundo que estejam interessados em desenvolver os seus estudos na área. Pode ser que, algum dia, seja alguém da Universidade dos Açores.
Que trabalhos são executados por esta estação?
No Rif Field Station desenvolvemos mais de 20 projectos de investigação relacionados com a biologia/ecologia das espécies que habitam o Ártico e com a monitorização da biodiversidade. Parte dos projectos foram desenvolvidos por mim e outros em parceria com instituições nacionais, tais como diversas universidades da Islândia, vários centros de investigação da Natureza, o Instituto Islandês de História Natural, entre outros, e com universidades e institutos de investigação estrangeiros.
O Rif faz parte do INTERACT, que é uma rede circumpolar de estações de investigação que, para além de desenvolverem os seus projectos, apoiam investigadores de todo o mundo que queiram desenvolver projectos no Ártico e subártico.
Também recebemos grupos de estudantes universitários de todo o mundo para lhes apresentar o nosso trabalho e para realizar aulas e projectos relacionados com o Ártico.
Os projectos de investigação sobre a biodiversidade incluem apenas aves ou outros tipos de animais?
O Rif desenvolve projectos que envolvem aves de diversas famílias e ordens, mas também plantas, mamíferos terrestres e marinhos, peixes, invertebrados terrestres e marinhos, entre outros. O objectivo é entender de que forma as alterações climáticas estão a alterar os ecossistemas. Também temos projectos relacionados com doenças e parasitas que, devido ao aumento das temperaturas, começam a ser mais frequentes nos animais do Ártico, com as poeiras atmosféricas que são dos principais aerossóis na atmosfera, com a monitorização de lagos, e com o equilíbrio térmico na área.
Desenvolvemos, ainda, projectos com escolas locais e com escolas de arte da Islândia, de forma a transmitir os impactos das alterações climáticas na Natureza de modo mais simples que pela divulgação científica.
Pode descrever o ambiente único daquela zona da Islândia? O que distingue aquela zona dos demais ecossistemas?
Melrakkaslétta é caracterizada pela Tundra, com inúmeros lagos, rios e charcos criados pelo degelo. A zona costeira é constituída por diversas baías e praias de areia negra que apresentam óptimas condições para a desova de inúmeras espécies de peixes, o que é excelente para as aves em migração para a Gronelândia e zona Ártica canadiana, que encontram refúgio e alimento. Durante os meses de Maio e Junho, estas são aos milhares. A vegetação, típica do Ártico e subártico, é constituída por plantas de pequeno porte e alguns arbustos, não existindo árvores. Existem inúmeros líquenes. As suas planícies são óptimas para as aves nidificantes (mais de 50 espécies) encontrarem sítio para fazer os seus ninhos. Ao largo avistam-se diversas espécies de cetáceos e as focas-comuns usam as zonas costeiras para descansar. A raposa-do-árctico, animal que deu o seu nome à península, é comum na área. Quando estou no campo, passam dias em que não vejo nenhum humano.
Além desse trabalho, promove acções de divulgação científica e sensibilização ambiental. Pode explicar?
Para além de artigos científicos e apresentações de carácter mais científico, todos os meses o Rif apresenta um texto sobre a biodiversidade da área nas redes sociais. Além disso, fazemos saídas de campo para cientistas, escolas e universidades, grupos de pessoas interessadas na Natureza, artistas, entre outros. Temos um projecto chamado “Coffee Science”, cujo objectivo é a apresentação de trabalhos científicos às comunidades locais. Além de informar o público em geral sobre diversos projectos, o feedback das pessoas da área para os cientistas é fundamental. Acho muito importante esta informação, pois quem sempre viveu no local tem informações sobre a área que nenhum cientista consegue obter sem esta ajuda preciosa.
O trabalho que desenvolve seria útil na Região?
Penso que todos os projectos que envolvam a investigação, desenvolvimento local e educação são fundamentais em todos os locais, em especial naqueles que são únicos, tais como, por exemplo áreas do Ártico, mas também ilhas remotas como os Açores. Em relação ao meu trabalho mais científico, relacionado com as alterações climáticas, certamente já existem alguns a decorrer nos Açores, mas será importante desenvolver mais projectos que envolvam os impactos sobre a biodiversidade nos Açores, e o mais cedo possível, pois estas alterações não têm fronteiras e o seu efeito é devastador, incluindo para as pessoas. Acho que a Universidade dos Açores terá um papel muito importante nisto.
Gostaria de voltar a trabalhar nos Açores? Em que condições voltaria?
Nunca diria não à minha terra mas, para já, estou a desenvolver um projecto que adoro e faz-me crescer como investigador e pessoa. Encontrei condições que dificilmente conseguirei em Portugal e tenho a liberdade para desenvolver projectos. Acho que seria muito interessante desenvolver projectos em conjunto com a Universidade dos Açores que envolvam o intercâmbio de especialistas e estudantes, pois apesar de os Açores estarem longe do Ártico, têm muito em comum por serem ilhas oceânicas de origem vulcânica, e as alterações climáticas afectam todo o planeta sem excepção. Caso se crie uma dinâmica deste estilo, será muito mais fácil algum dia voltar aos Açores.
Os últimos dados confirmam que se verifica um aumento na extinção de aves a nível mundial. Que impacto isso pode ter no mundo e nos Açores?
As aves, tal como a larga maioria dos animais e plantas, são de extrema importância para o ambiente, pois fornecem serviços de grande importância para o ambiente, tais como a distribuição de sementes, controle de pestes e como polinizadores, entre outras funções. Caso não se evite a extinção de muitas espécies-chave para os ecossistemas, todo o ecossistema entra em desequilibro e, mais cedo ou mais tarde, será impossível reverter os efeitos negativos que afectarão todo o mundo. As ilhas oceânicas, tais como os Açores, por terem uma área reduzida e estarem isoladas geograficamente, sofrerão as consequências de um ambiente em degradação rápida mais severamente do que áreas continentais.
Quais são os planos para o futuro, nos próximos anos?
Nos próximos anos espero continuar a desenvolver o Rif Field Station e criar uma parceria com a Universidade dos Açores, de forma a possibilitar o intercâmbio de projectos, ideias, cientistas e estudantes. Espero nunca perder o contacto com a universidade que me formou como biólogo.
Carlota Pimentel
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- Augusto Corvelo CorveloGrande açoriano nunca esquecendo suas raízes e como sempre nossos politicos sempre a falar do ambiente ,mas so na reciclagem que deve dar um gestão aos seus bolsos cheios de lixo
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- 10 h