Acerca das palavras XLVII – gírias Paula De Sousa Lima

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Aqui vai, AMIGOS, a crónica deste sábado:
Acerca das palavras XLVII – gírias
Dei comigo a pensar que as gírias têm andado arredadas das reflexões e dos debates sobre as coisas da língua. De facto, há tanto para se comentar e lamentar, desde os erros ortográficos aos de sintaxe, desde o mau uso dos pronomes ao dos verbos, desde os anglicismos aos brasileirismos, et j’en passe, que as gírias se tornaram um mal menor, diria. E digo mal menor porque os supostos puristas da língua sempre “olharam atravessado” para os linguajares que entendemos por gíria.
Aprendi, em tempo idos, que as gírias são usadas por grupos específicos e demarcados, os quais, através duma forma específica de falar, se individualizam e distinguem. A gíria mais (re)conhecida e mais focada tem sido, indubitavelmente, a dos adolescentes, os quais, por inerência da sua idade e da sua forma de estar no mundo, pretendem individualizar-se e distinguir-se. Esta gíria é muito mutável, pois a um grupo de adolescentes segue-se outro, mais novo e mais irreverente, naturalmente desejoso de se diferenciar do anterior e dos cidadãos adultos. Isto é muito natural, conquanto haja quem discorde, julgando a gíria dos adolescentes uma coisa medonha e que devia ser erradicada, dado ser contrária à norma e, por vezes, quase incompreensível. Ora, se é a gíria dos adolescentes contrária à norma e quase incompreensível, isto acontece porque assim o querem tais adolescentes – ao falarem uma “língua” que só entre pares é entendida, afirmam-se como grupo, distanciando-se da mediania dos adultos e, assim, individualizam-se e distinguem-se.
Pensará o leitor, pensará a leitora qual é a opinião da signatária desta crónica relativamente às gírias, em particular em relação à gíria dos adolescentes. Pertinente pergunta a vossa, leitor e leitora. Responder-vos-ei já a seguir, embora já tenha deixado “pistas”, permitam-me que mude de parágrafo, convém, caso contrário o texto pode ficar muito “empacado”.
Pois eu, caro leitor, cara leitora, gosto muito de quase tudo o que é criatividade linguística, portanto as gírias, naturalmente criativas, bastante transgressoras, “caem-me bem no goto”. E, aliando esta minha profissão de escrevente à de ensinar (ou tentar ensinar) a adolescentes, encontro-me frequentemente com o linguajar destes. Já lhes “topo” tal linguajar – e notei, encantada, que o “bro” de há uns anos caiu em desuso, agora diz-se “primo”. É uma delícia ouvi-los e notá-los contrariados quando são “apanhados”, isto é, quando percebem que eu os percebo, coisa não desejável por eles. Esquecem os “piquenos” – tal esquecem muitos adultos – que nós, adultos, já fomos adolescentes e já usámos gíria. Eu nunca abandonava a sala ou me ia embora – “bazava”. Ficava a mãe muito contrariada, tal como ficava com os meus trajes e penteados, mas entranhou-se-lhe o “bazar” e hoje diz frequentemente que fulano ou sicrano “bazou”.
O que aconteceu à mãe acontece-nos a quase todos, pois, mais ou menos inconscientemente, vamo-nos apropriando da linguagem dos mais novos. Quem é que (seja sincero, leitor, seja sincera, leitora) não sabe o que é uma “ganza” e uma “moca”? Todos temos um filho, um sobrinho, um neto, um vizinho, o filho de uma amiga ou de uma vizinha que está na idade da irreverência e que tem uma forma muito particular de se exprimir oralmente, tal os seus amigos. Eu gosto, acho graça, aprecio. Se não se for irreverente e transgressor na adolescência, vai-se ser quando? Temo, é a verdade, adolescentes muito certinhos, muito enfileirados. Há que viver a adolescência, há que ousar, para vir a ser um adulto equilibrado. E há que fazer experiências, mesmo linguísticas, para, um dia, dar valor à regra – esta que, mesmo na idade adulta, deve ser vista como facilitadora, não repressora.
You, Telmo R. Nunes, Vitor Almeida and 21 others
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