blogue.lusofonias.net

blogue de tudo e nada para mentes pensantes

blogue.lusofonias.net

Acerca das palavras VII: palavrões PAULA DE SOUSA LIMA

Views: 0

Com algum atraso, a crónica que saiu sábado. Espero que gostem, amigos.
Acerca das palavras VII: palavrões
Paralelamente à língua que usamos quotidianamente, mais ou menos cuidada, consoante nos aprumamos ou não, mais ou menos correta, consoante nos preocupamos ou não, mais ou menos preclara e elegante, consoante amamos o nosso idioma ou nem por isso, há o mundo subterrâneo (ou que já o foi) da língua, aquele que é proscrito dos dicionários e mal amado pela boa sociedade. Alguns de nós (poucos já) não convivem com este mundo subterrâneo da língua, mas reconhecem-no, certamente; e a maioria de nós tem familiaridade com ele, lançando mão dele amiúde.
O palavrão, que pode bem ser definido como palavra com intenção insultuosa ou simplesmente usada para exprimir emoções perniciosas, contrariedade, enfado, ira, dor, enfim, e que não é elegante simplesmente porque assim está convencionado, faz parte da língua e cada vez é mais usado em situações correntes. Por razões óbvias, não usarei aqui tais palavras declaradamente, mas o leitor reconhecê-las-á, suponho. Sou do tempo em que dizer m* era coisa mal vista por pai e mãe, avô e avó, que nos mandavam lavar a língua com sabão. Também sou do tempo em que os insultos eram coisa que se resumia em palavras como tolo ou idiota ou palerma. Nesse tempo, os aborrecidos e inoportunos eram mandados à fava ou chatear o Camões ou pentear macacos ou lamber sabão. Tudo isto caiu em desuso e tem um tom imensamente ingénuo. Agora o insulto é mais duro e grosseiro, chegando mesmo a ser usada palavra rude que, originalmente, designa o falo, e não se manda ninguém pentear símios, senão ao excremento, ao falo, sugerindo-se, também, frequentemente, que a pessoa exerça sexo consigo própria.
Ora esta questão do palavrão é-me cara porque me faz ficar perplexa perante as escolhas das palavras ditas grosseiras. Já notou o leitor que tais palavras são quase todas do campo sexual? Pois é. Muito, muito curioso. Aquele tipo de quem não gostamos, seja lá por que razão for, é chamado filho de senhora promíscua e que recebe dinheiro em troca de favores sexuais, aquela tipa que nos aborrece é intitulada mulher licenciosa e que vende o corpo, um outro, que nos disse alguma coisa que nos caiu mal, toma logo o epíteto de falo, uma outra, que nos desagrada, mandamo-la praticar sexo consigo própria, ainda outro é denominado macho da cabra, o que implica ter sido atraiçoado pela mulher. E poderia continuar, mas estou certíssima de que o leitor já percebeu.
E não há algo de muito perverso nisto? Por que razão, pergunto-me e pergunto-vos, o que é negativo se equipara a algo de cariz sexual? Será que temos o sexo em tão baixa conta? Será que encaramos o sexo como algo grosseiro, reles, sórdido, rasca? Ou será que já nem nos lembramos de que filho da rameira tem na sua base uma forte discriminação de teor sexual? Além dos palavrões ligados ao sexo, temos os ligados a algo verdadeiramente imundo, conquanto natural, de que se destaca a nossa interjeição mais corrente: m*. Será que o sexo – e todas as suas derivações em forma de palavra grosseira – é equiparável ao excremento? Parece sê-lo, visto usarmos com intenção ofensiva ou como expressão de muito desagrado os palavrões que já mencionei e outros afins.
O palavrão, cada vez mais comum no linguajar quotidiano, presente na bocas ainda mais ou menos ingénuas de adolescentes de ambos os sexos, a quem muito apetece mandar lavar a língua com sabão, banalizou-se, é certo, mas também se tornou, talvez justamente pela sua banalização, algo de inconscientemente proferido. É de crer, pelo menos eu estou em crer, que quem, em mau tom, diz a outrem para ir pratica sexo consigo próprio não tem em mente que está a desmerecer o ato sexual, que é algo não só natural como igualmente prazeroso. A verdade é que, infelizmente, a língua é usada, as mais das vezes, sem cuidado absolutamente nenhum, sem que sobre ela pensemos ou reflitamos. E é pena, é mesmo pena.

Comments
  • Arthur Virmond de Lacerda No Brasil usavam-se mandar pentear macacos, lamber sabão, ir às favas; chatear Camões, não. Aqui passa-se o mesmo fenômeno que aí: a maior parte dos palavrões é sexual; trivializou-se mandar à merda e bater punheta. Indago-me por que o fenômeno é concomitante aí e cá; será porque brasileiros e portugueses leem-se nas redes sociais, os brasileiros são expeditos em insultar e deram o exemplo para os portugueses ? Possivelmente. Ademais, a colônia brasileira aí é grande e dela provirá a trivialização desse vocabulário que, realmente, nas últimas décadas tornou-se mais chulo e agressivo. Há outra expressão: “não encha o saco”, em que se não sabe se o “saco” é o escroto ou o quê. Tenho teoria relativamente a porque o calão é sexual.

    Paula De Sousa LimaPaula De Sousa Lima replied

    1 reply 9h

  • Arthur Virmond de Lacerda https://arthurlacerda. wordpress. com/2014/04/17/quero-pica/