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no DIÁRIO DOS AÇORES.
Abaixo o terceiro-mundismo na Calheta!
“Credível” e “boa-fé”, por um lado, e “terceiro-mundista”, por outro, são palavras que não combinam, no meu modesto entendimento. Vou desenvolver e explicar o assunto, que se relaciona com a grave questão da Calheta de Pêro de Teive, nesta cidade. E digo, desde já, sem rodeios e com toda a convicção: abaixo o terceiro-mundismo na Calheta!
O presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, dr. Pedro do Nascimento Cabral, disse que a empresa concessionária dos terrenos públicos da Calheta de Pêro de Teive revela “boa-fé” e que a mesma pretende resolver o caos urbanístico ali existente. O autarca falava numa sessão pública sobre o assunto promovida, há uns dois meses, pela Assembleia de Freguesia de São Pedro.
Agora, há uns poucos dias, numa reunião da Assembleia Municipal de Ponta Delgada, o dr. Pedro do Nascimento Cabral classificou de “terceiro-mundista” a suspensão da obra de chamada requalificação dos terrenos públicos concessionados na Calheta, embora os procedimentos cumpram a legalidade. Convém lembrar que terceiro-mundista é definido como próprio de países subdesenvolvidos economicamente e socialmente. É, portanto, um adjectivo que não tem nada de simpático…Felicito o dr. Pedro do Nascimento Cabral por ter trazido a palavra certa para o vocabulário relativo ao problema da Calheta.
Há, efectivamente, terceiro-mundismo nesta matéria, mas não é de agora, importa realçar. O terceiro-mundismo começou quando um Governo Regional liderado pelo PSD mandou destruir a enseada e o portinho de pesca da Calheta. O terceiro-mundismo prosseguiu quando um Governo Regional liderado pelo PS concessionou a uma empresa privada os terrenos conquistados ao mar. E depois o terceiro-mundismo nunca mais parou, até hoje, como se pode verificar. Tem sido um rol de trapalhadas, falências, alterações acionistas, contradições, inverdades, promessas não cumpridas e atropelos à legalidade, por vezes com a co-responsabilidade ou a passividade dos poderes públicos.
De forma indirecta, mas sem deixar dúvidas, o presidente da Câmara Municipal chamou de “terceiro-mundistas” à empresa concessionária e ao empreiteiro da obra em causa, que mais não visa do que construir ali um enorme hotel e deixar um limitado espaço verde, talvez para passear cães ou plantar couvinhas e cebolinhas, em estilo de horta comunitária, agora tão em moda…
Já em 2017, também numa sessão pública promovida pela Junta de Freguesia de São Pedro, o então presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada e actual presidente do Governo Regional dos Açores, dr. José Manuel Bolieiro, afirmou que a empresa concessionária do espaço público da Calheta era “credível”, no que foi secundado por um director regional que ali se encontrava em representação do Governo Regional de então.
Eu não sei, porque não a conheço, se essa empresa tem ou não boa-fé e se é ou não credível. Admito, no entanto, que tenha boa-fé e que seja credível, mas para isso não pode ter comportamentos terceiro-mundistas, mesmo que dentro da legalidade e seja com que argumentos for. A expressão não é minha, mas concordo com ela, considerando que o processo da Calheta tem sido sempre muito sinuoso e pouco claro.
Há uns 20 anos que a Calheta de Pêro de Teive vem sendo sujeita a um lamentável terceiro-mundismo, que não é, pois, de agora. E vai continuar, como é óbvio, infelizmente, porque verdadeiramente não há quem queira – com autoridade, coragem, determinação e vontade – acabar com o caos urbanístico ali existente. É só conversa e mais conversa, reuniões, leis para cima e para baixo, anúncios, promessas, orçamentos e manobras dilatórias. Até quando?
A única pessoa – justiça lhe seja feita! – que fez alguma coisa de positivo pela Calheta foi a drª Maria José Lemos Duarte quando assumiu a presidência da Câmara Municipal, ao impor a demolição de umas estruturas que ali tinham sido construídas, mas que nunca foram concluídas, que estavam abandonadas e que não obedeciam à legalidade, constituindo um foco de insalubridade pública. Ela, sim, não foi terceiro-mundista!
Nesta grave questão da Calheta, os que me conhecem sabem bem que eu nunca dei uma no “cravo” e outra na “ferradura”, nunca mudei de opinião consoante as circunstâncias, por oportunismo ou para agradar a políticos e empresários, nunca me deixei levar por promessas enganadoras, nem nunca concordei com o que pretendem ali fazer, que não é um “mal menor”, como alguns, erradamente, consideram. Muito pelo contrário!
Os terrenos públicos conquistados ao mar na Calheta de Pêro de Teive deviam ou devem ser destinados para um amplo espaço de fruição colectiva, que poderá ser uma praça ou um jardim, sem mais mamarrachos hoteleiros ou outros à mistura, como estava previsto de início. De contrário, a Calheta estará condenada ao mais vergonhoso terceiro-mundismo, perante a passividade – há que o dizer! – da sociedade em geral.
A Calheta é nossa e muito nossa, é propriedade da Região Autónoma dos Açores, ou seja, pertence a todos os açorianos. Não é de políticos e empresários. Acabem com a concessão e devolvam aquele espaço à população, para usufruto geral, longe de interesses financeiros que nos são alheios e que não amam a terra açoriana. E não venham com direitos adquiridos, porque direitos adquiridos só tem o povo açoriano, como único e exclusivo dono da Calheta.
Abaixo o terceiro-mundismo na Calheta, como, de resto, em qualquer outra parte do nosso arquipélago! Não queremos, não precisamos, não merecemos! Somos ou não donos da nossa terra? É preciso que os decisores políticos, sejam eles quais forem e independentemente das suas origens partidárias, tenham a firmeza e a honestidade de não permitir comportamentos terceiro-mundistas, sob pena de também eles serem terceiro-mundistas.
Dirijo uma palavra muito directa ao presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada. O seu pai, o jornalista Jorge do Nascimento Cabral, que viveu durante muitos anos na Calheta, saberia defender muito bem essa zona da cidade de Ponta Delgada. Trabalhei com ele no “Correio dos Açores” e sei como ele amava a Calheta. Siga o exemplo e a lição do seu pai, defendendo a sério a Calheta, sem rodeios, hesitações ou receios. Deixe uma marca muito positiva no seu mandato, uma marca histórica: exija ao Governo Regional, que é o órgão que o pode fazer em representação da Região Autónoma dos Açores, que reverta o contrato de concessão dos terrenos públicos da Calheta, para ali ser construída uma ampla zona de fruição pública, que pode ser nomeadamente uma praça ou um jardim. Isso ainda pode ser feito, contra o terceiro-mundismo. De resto, uma ampla zona de fruição pública criada ali beneficiará o hotel e o casino que a empresa concessionária possui nas imediações. O que querem mais?
Dirijo, igualmente, uma palavra muito directa ao presidente do Governo Regional, dr. José Manuel Bolieiro. Como presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, não prestou a atenção que devia à Calheta de Pêro de Teive, mas isso já passou. Agora, como presidente do Governo Regional, deixe também uma marca muito positiva, uma marca histórica, quanto à Calheta: chame ao Palácio de Sant´Ana os responsáveis da empresa concessionária, para, com respeito e franqueza, lhes dizer que o tempo deles acabou, que não vai haver hotel ali e que a Calheta será totalmente para usufruto da população. Essa empresa não ficará a perder, porque tem outros interesses nos Açores e já lhe foram dadas outras facilidades com óbvios proveitos. Repito: o que querem mais? Ainda recentemente o dr. João Bosco Mota Amaral, antigo presidente do Governo Regional, confirmou que os terrenos conquistados ao mar na Calheta seriam para a construção de um jardim público. Resolva o assunto, então, dr. José Manuel Bolieiro, sem delongas, em benefício da população, contra o terceiro-mundismo. Um hotel naquele espaço não contribui em nada, em nada mesmo, para uma cidade sustentável nos planos social, ambiental e cultural. Ainda estamos a tempo de travar tão danoso processo.
A açorianidade não é uma palavra vã, bonita de se dizer ou escrever em prosa e poesia. Não! A açorianidade é uma condição e, acima de tudo, um sentimento muito profundo, que deve inspirar e orientar todos os açorianos, nomeadamente os decisores políticos, para que saibam sempre defender e promover os Açores, com medidas justas e correctas, no sentido do progresso e da felicidade. Como açoriano tenho o dever e o direito de exigir que a açorianidade seja traduzida na prática na Calheta, para lhe restituir, já não toda, porque é impossível, mas, pelo menos, parte da dignidade e da beleza perdidas, longe do terceiro-mundismo, mesmo que disfarçado de progresso. O terceiro-mundismo só nos prejudica e envergonha.
A Calheta de Pêro de Teive é uma questão de inteligência e de coração! Vamos salvar o que ainda é possível salvar na Calheta! A tese de que já não há nada a fazer é errada, obtusa e retrógrada. Em meu nome e em nome de outras pessoas que pensam como eu nesta matéria, faço um veemente apelo à inteligência e ao coração do dr. José Manuel Bolieiro e do dr. Pedro do Nascimento Cabral para que não deixem matar de vez a nossa amada Calheta, tão cheia de história, de tradição e de emoção. Faço, do mesmo modo, um veemente apelo à inteligência e ao coração dos responsáveis da empresa concessionária da Calheta, para que abandonem a concessão, desistam do projecto do hotel e contribuam, assim, para uma solução verdadeiramente digna para aquela zona da cidade de Ponta Delgada. Se todos se juntarem e colaborarem, a Calheta poderá voltar a ser Calheta, mesmo sem o mar, limpa, arranjada e bonita. Ninguém ficará a perder. Pelo contrário, todos ficarão a ganhar. O tempo urge!
Tomás Quental Mota Vieira
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Jorge Almeida E Sousa
Terceiro mundo é o que não falta na cidade e nos Açores . Aliás há cada vez mais .Para não haver é necessário conhecer o primeiro mundo .