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stórias da minha terra. jun. 12, 1972
endormido corpo de pisar pedras
notívago leito
proibidos sonhos
sensacionalista da miséria alheia
o repórter bateu a chapa
primeira página de amanhã
cidadão-sem-rosto
identificado
o corpo de madrugar
pagará taxa de turismo
(a cidade
ruas e jardins
são do povo
não os usurpem!).
2.
oito anos descalços
duas estrelas cavas
na puída esquina
policromático recorte
remendos de olhar severo
faces nuas e suplicantes
“dois pensos uma c’roa”
(aqui começa
hoje
a ficção infinda do orgulho
em destino de pobre)
3.
“quem compra?”
soletra sem futuro adolescente
nas novas avenidas da mentira
fachada de estômago às moscas
pregando revoltas de dores postergadas
ilusórios ecos de recusa
silêncio-da-fome-sem-dias
perdida pressa de passos
nem mãos nem afagos
murchas violetas
cestos de eterna-espera
(decidida
incisivamente
estrangulemos esta voz
pobreza incómoda nos desperta
compremos um sonho
já sequestrado
na-fome-da-ilusão-sem-dias).
4.
criança sem escola
também a ti
interditaram a imagem e o invento
não vendas
parcas esmolas em retrato-de-esquina
apregoa tão-só
pensos de curar todas as misérias
árdua aprendizagem do dia a dia
inditosa saciedade do ócio
(nenhum óbolo
paternalista
caritativo
sofreará o vício de séculos espoliados).
5.
famílias há
aos gritos
morrendo onde calha
qualquer sol
qualquer ocaso
sugadas dia a dia
gratuitamente
promíscuas enxergas
moribundas
subvivas
sem heroicas gestas
prostradas
resignantes
(surdas rebeldias
assanham-se homens
assacam-se cães
CUIDADO! silenciam a voz do povo
com místicas perigrinanças)
6.
dileta terra
aqui o clima
a natural beleza
turísticos pósters da indigência
mascarem-se de pedintes os indígenas
todos
decorem-se cidades
ruas
vilas
praias
esplanadas-do-torpor-repetido
depois
cobrem-se as esmolas
todas
(milhares de fardas por pagar
dezenas de conselheiros a engordar).
7.
saudade
palavra rara
sonorífero da vontade
sempre adiada
repartida
palavra antiga
dor nova
(re)fundida
desolados
extensos feudos e baldios
para turista vir-ver-voltar
e já partiam novos e velhos
colonizadores da ambição desvairada
eterna
embaladora
esventravam povos
lendárias famas
viúvas de vivos
vozes de fábula
(no reino-do-clima-do-perpétuo-sol
nunca espantou saber
única
a saudade
- certeza histórica
de todas as cruzadas).
8.
opiados nasciam
analfabetos
ministros havia
tecnólogos da (des)informação
instituíam concursos
festivais
eleições de misses
para as massas
folclores de aluguer
touradas
fados
mulheres
no reino-sem-esperança
o povo
anestesiado e grato
bebia
o suor
calado
bailava o vinho
chorava fadas de folhetim
batia palmas
ao sagrado retrato
insensíveis olhos
via inaugurações
escolas
fontanários e pontões
via casacas
ministros
presidentes
banquetes
jantares
comemorações
9.
esqueletos de domingo
marginais habitantes do trabalho
sem futebol
longa espera
plácida contemplação
perdidos oceanos
da morte mais lenta
sonâmbulos visionários do sacro império
perene destino de colonizadores
bronzeados pelo sol
(pouco e tímido porque grátis)
rastejavam
esmoleres de fim de semana
milionários-da-ilusão-repercutida
heróis-de-todo-o-ano
à conquista de um só mês
(onde o dinheiro para comprar um verão decente?)
que restava senão endormir o desejo insatisfeito?
convictos sebastianistas
do nevoeiro
povo
de discursos ouvidor
de impostos pagador
gente
cantada
decantada
desencantada
escrava-do-sempiterno-senhorio-da-tradição
por que arrastas imagens de liberdade?
promessas que não saberias usar.
10.
vou ficar atento
anfitrião
alguém pode espertar
sou urgente para o adeus
(espanto desfraldado
ingénuo bandeirante
quem me acredita?)
alguém pode morrer
defraudado
longe
antes do tempo?
NO INSTANTE EXATO EM QUE FALAR!)