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Celebramos os acordos com os sindicatos, sim, porque paz social é melhor do que conflito. Mas enquanto isso, a situação da TAP agrava-se todos os dias. Sou a favor da salvação, mas os primeiros meses do plano sugerem o receio maior: o de que três ou quatro mil milhões depois a empresa não se salve. Isto seria um aviso à navegação se houvesse navegação. Não há: há política. Quando entra um comandante no cockpit?
O resgate da TAP serve para manter o hub num país dependente do turismo, mas tem de ter limite de perdas, gestão independente e privatização parcial subsequente. Só que isto já está a correr mal.
1) A terceira vaga já estragou o ano. Depois de um prejuízo total em 2020 que terá topado os €1,1 mil milhões, o primeiro trimestre está a ser um desastre. A terceira vaga da pandemia fechou de novo as receitas e os custos dispararam, porque a TAP já não está em lay-off e a redução de salários atrasou-se. A empresa estará a perder uns três milhões por dia e os cofres estão secos. Mas o pior é que as reservas para o verão são feitas a partir de março e o país vai pagar por ter sido o “pior do mundo” na terceira vaga. Teremos mais turistas do que em 2020, mas podemos falhar a recuperação prevista, até porque há uma guerra de preços nas viagens.
2) A paz social esconde conflitos. Os acordos são duros, há grandes cortes salariais, há recalcamentos (os pilotos da TAP continuam a ser preferidos aos da Portugália) e não será fácil motivar as equipas. Mais: se a paz social implicar que no fim os acordos de empresa regressam ao início (em número de horas de voo, de tripulantes, etc.), a empresa voltará a não ser competitiva.
3) Bruxelas pode exigir mais. A Comissão Europeia está a demorar na análise do plano e pode exigir mais cortes (definitivos) no pessoal e menos slots: se perder capacidade nas rotas rentáveis, as transatlânticas, a TAP vira tapezinha.
4) Gestão a menos. Além de salários, é preciso cortar nos fornecedores e leasings a um nível que não está garantido. E a empresa, que está focada nos custos, tem de virar-se para as receitas. Para isso precisa de contratar uma liderança de topo, pagando bem e dando-lhe autonomia.
5) Política a mais. Não tem a ver com ideologia, mas com experiência e incentivos. Hoje, a empresa é gerida pelo ministro Pedro Nuno Santos, o que dará asneira se assim permanecer após a negociação com Bruxelas. Os políticos não só não sabem gerir um negócio tão complexo como têm incentivos contraditórios com os de uma gestão independente. Agora são os sindicatos, depois serão voos “de interesse nacional” e exigências “a uma empresa do Estado”, pelo meio serão contratados cunhados, etc. etc. etc. Gerir uma empresa em reestruturação é impopular, os políticos têm de sair de cena, entregar e respaldar a gestão. A Caixa foi bom exemplo, a TAP não pode ser péssimo. As pressões políticas constrangem medidas racionais e custam dinheiro, mesmo que Portugal adore o Estado e aplauda medidas erradas que passam bem na TV.
A TAP não terá outra oportunidade, Bruxelas não permitirá ir duas vezes com o cântaro à fonte. Ou isto corre bem ou ficamos a ver aviões de uma tapezinha a queimar impostos.
(Expresso de 26/02/2021)

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