a sopa de pedra J.m. Soares de Barcelos

J.m. Soares de Barcelos
1 hr ·
A SOPA DA PEDRA
Conto Tradicional Português

Um frade andava no peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram aí dar nada. O frade estava a cair com fome, e disse: – Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança.
Diz o frade: – Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa. Responderam-lhe: – Sempre queremos ver isso. Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse: – Se me emprestassem aí um pucarinho. Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro. – Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas. Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele: – Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor. Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. Diz o frade, provando o caldo: – Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal. Também lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse: – Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam. A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panela. Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade: – Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça… Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e enquanto se cozia, tirou do alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntou-lhe: – Ó senhor frade, então a pedra? Respondeu o frade: – A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez. E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.
Extraído de Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, 1883.