A SOCIEDADE DA SOLIDÃO,por chrys c

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  1. 613. A SOCIEDADE DA SOLIDÃO,por chrys c14.10.2025

 

Um idoso foi encontrado em outubro 2025, em avançado estado de decomposição no apartamento onde vivia sozinho, em Valência, Espanha. O homem terá morrido em 2010, sem que ninguém tenha dado pela sua ausência, segundo o El País.

O corpo foi descoberto depois de os bombeiros terem sido chamados por um vizinho do andar de baixo, devido a uma infiltração causada pela chuva. Quando entraram pela janela do sexto andar, depararam-se com uma “imagem macabra”: o corpo do idoso, rodeado por pombas mortas, insetos e um ambiente de extrema degradação.

Os relatos recolhidos pelo El País descrevem o reformado como um homem reservado e solitário. Após o divórcio, afastou-se da família e passou a viver sozinho. Tinha dois filhos com quem já não mantinha contacto há muitos anos. Sempre que era visto na rua, fosse no restaurante ou no supermercado, estava sempre sozinho.

“Cumprimentava, mas não se metia com ninguém. Quando deixámos de o ver, pensámos que estava num lar de idosos”, recorda um vizinho.

Durante todos estes anos, a pensão de reforma continuou a ser depositada regularmente na conta do homem. Graças a isso, as despesas da casa foram sendo pagas sem que ninguém suspeitasse da morte do idoso. Segundo as autoridades, não há sinais de crime.

Aqui há um outro culpado, a entidade que pagava a reforma (Estado ou privado) e que não exigia anualmente a prova de vida daquele idoso, pois se o fizesse o cadáver teria sido encontrado em 2011.

Motivo para dizer, uma vez mais, que nós idosos somos transparentes ou invisíveis. De facto na maioria dos casos, gente deste grupo etário nem é vista nem se quer vista pela maioria dos seus descendentes, demasiado ocupados com a mesquinhez das suas vidas materialistas, sem tempo nem empatia para com os mais velhos, como deveriam ter aprendido dos seus avós e demais antepassados.

Raro é o dia em que a comunicação social não nos narra outros casos de abandono de idosos em hospitais onde foram abandonados pela sua prole, e lá ficam esquecidos para não serem levados por eles para suas casas onde seriam um incómodo sempre presente e a precisar de atenção. Por isso é mais fácil deixá-los nos hospitais, ou se forem afortunados num qualquer lar, legal ou ilegal, tanto faz, desde que não chateiem. Mesmo que nesses lares sejam objeto de sevícias, ou vítimas de uma qualquer megera a sedar, bater e insultar idosos. Os lares de idosos continuarão a ser depósitos de vivos sem valor para a sociedade, sem inspeções nem fiscalizações, mas serão construídos mais e melhores hospitais para animais.

Uma sociedade injusta e desigual, onde nalguns casos mais vale sermos mesmo invisíveis.

No natal de tanta falsidade pintada com cores róseas na TV ninguém falou do lar de idosos onde (quase) todos esperaram visitas de quem nunca chegou…. seria o melhor retrato da sociedade em que vivemos. Os filhos na creche ou ATL, os velhos em asilos e os novos a passearem os seus cãezinhos…

Já há tempos um ministro japonês e a senhora FMI (Christine Lagarde) diziam que se tinha de acabar com os velhos…mais precisamente as suas palavras foram: “os idosos vivem demasiado e isso é um risco para a economia global! Há que tomar medidas urgentes.” Podem dar o exemplo e desaparecerem já da face da terra…

 

Dado que a maioria da população em Portugal tem mais de sessenta anos, não vai tardar que se multipliquem casos destes e venham os sociólogos falar do problema da solidão na terceira idade, os geógrafos políticos venham lamentar a desertificação humana do interior profundo de Portugal, os políticos se expliquem com a introdução de alterações inócuas às leis, as instituições de solidariedade social se queixem da crise e da falta de apoios para prestarem ajuda solidária aos idosos, a PSP se lastime da falta de meios humanos para uma política de proximidade, e os filhos e os netos continuem a colocar em asilos os idosos para não terem o trabalho de cuidar deles ou a ignorá-los só por que são velhos.

Vou já começar a tomar medidas para quando estiver só, velho e desamparado, para não me deixarem morrer sozinho com o gato e os periquitos que não tenho nem quero ter.

Sendo uma pessoa dada às letras é provável que mantenha um diário.

Um diário sobre a dor…a dor que sentiu por ter sido abandonada pela família… Talvez o sofrimento fosse muito maior, mas as palavras só permitiram extravasar uma parte desses sentimentos, gravados em algumas frases:

Onde andarão os filhos?

Aquelas crianças sorridentes que embalei no meu colo, que alimentei, de que cuidei com tanto desvelo, onde andarão?

Estarão tão ocupadas?

Talvez não me possam visitar, nem ao menos para me dizerem olá?

Ah! Se soubessem como é triste sentir a dor do abandono…

A mais deprimente solidão… Se ao menos pudesse caminhar…,

Os anos passam e os meus filhos não entram por aquela porta, de braços abertos, para me envolver com carinho…. Os dias passam… E com eles é a esperança que se vai… No começo, era a esperança que me alimentava, ou eu a alimentava, não sei… Mas, agora….

Como esquecer que fui esquecido?

Como engolir esse nó que teima em ficar na minha garganta, dia após dia?

Todas as lágrimas que chorei não foram suficientes para desfazê-lo…

Sinto que o crepúsculo desta existência se aproxima…

Queria saber dos meus filhos…. Dos meus netos….

Será que ao menos se lembram de mim?

A esperança, agora, parece estar atrelada aos minutos…

Que a arrastam sem misericórdia…para longe de mim…

Em Ponta Delgada (2018), dois anos depois de terem surgido alegações de maus-tratos a idosos na Santa Casa da Misericórdia, nos jornais locais e na RTP Açores, veio a TVI fazer uma reportagem e todos ficaram chocados, até o governo regional que (quase) não sabia de nada…nestes casos o melhor é mesmo matar o mensageiro e a Santa Casa intentou uma ação contra a malvada TVI.

Aqui nos Açores escondida sob tanta miséria humana havia também a pedofilia, a violência doméstica, o mau aproveitamento escolar e outras maleitas além dos maus tratos a idosos e a cientistas, que aparentemente não são muito apreciados por estas bandas. Lá surgia de vez em quando um ou outro escândalo, mas como sempre a indignação das gentes nunca durava mais do que três dias bem contados que aquele povo temente a deus, amante da bola e da música dolente não tinha capacidade de se concentrar muito tempo sobre um só tema.

 

 

 

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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