a seca de 1863 e a de hoje

Views: 0

ENTRE A SECA DE 1863 E A DE HOJE:
PARA REVER OUTRAS CRISES DA NOSSA HISTÓRIA
Todas as culturas e crenças associadas forjaram, ao longo dos tempos, estratégias mágicas que impetrem o bálsamo dos céus. Para os Cherokee, nos EUA, e outras sociedades onde o animismo sobrevive, – na África, Austrália, Nova Zelândia, nos Balcãs, – o ritual da dança da chuva é um recurso recorrente onde os espíritos da terra e dos antepassados são invocados para trazer a chuva e assegurar a fartura na colheita. A lógica cristã e católica prossegue a fé de Elias, o qual, conforme o relato bíblico, tinha “a certeza de que Jeová acabaria com a seca, mas não sabia quando ele faria isso”. Por sete vezes, ordenou ao seu servidor que perscrutasse na direção do mar em busca da nuvem prenunciadora, segundo o texto (1 Reis 18:43). Ao cabo de longa espera a água rolou do alto em refrigério, cumprindo a lei do Caos Ordenador…
Não são de hoje os divórcios entre a chuva e a terra, as sedes prolongadas que gretam a pele ressequida do solo, minguando a fartura do agro e o motor da Vida. Por exemplo, no longínquo ano de 1863, então sem ajudas europeias, o Jornal do Porto fundamentava-se nas notas do Archivo Rural, proficiente radiografia do estado das colheitas. O mal havia sido assinalado por inícios de março, pondo em aflito transe o lavrador, de norte a sul: “em Faro, os cereais e os legumes têm-se ressentido muito da seca e em Évora as searas têm sofrido com a falta de chuvas” – escrevia-se a 31 desse mês.
Os débitos terrestres desencadeiam um rol de inevitáveis pedidos celestes, com início em Aveiro, com as preces ad petendem pluviam. Anuncia-se um ano de fome e multiplicam-se por todo o país as procissões de penitência, mantra coletivo suplicante do precioso líquido. Em meados de abril, diziam do sul que “as sementeiras de cereais e legumes estão quase perdidas e os gados têm sucumbido por falta de pastos”.
O lisboeta Jornal do Comércio clamava: “não se ouve senão queixas e lástimas dos lavradores por causa da teimosa seca. Os trigos, cevadas e centeios estão enfezados e prometem pequena produção”. De Bragança, no início de Maio, anunciavam-se colheitas “escassíssimas” na “terra quente”, os prados naturais quase secos. Portugal, um país vulnerável às mudanças climáticas… e não “climatéricas”, que esse é território… menstrual!
Imagem: Procissão contra a seca em Lisboa, 1896. In Apocalipses, ob. cit.
6 shares
Like

Comment
Share
0 comments