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Partilha-se o meu artigo de opinião, publicado ontem no jornal Diário Insular:
Descontaminar para acrescentar futuro.
Não há nada pior para a inação do que o desconhecimento ou então a pulverização de responsabilidades.
Este artigo centra-se na temática da contaminação/descontaminação de locais em torno da Base das Lajes e na sua total ou parcial inépcia. Esse problema arrasta-se há décadas e nesta última há alguma ação que aponta sempre para a necessidade de estudos e mais estudos, complementados por outros estudos e mais estudos. Cada relatório aponta para mais um estudo que conclui que a poluição sobe e desce, como à partida se esperava de um comportamento onde há períodos de maior e menor chuva. A água que recarrega aquíferos é toda originária da água da chuva que se infiltra no solo até chegar aos aquíferos. Assim, o que está no solo acabará no aquífero em quantidades variáveis que dependem da fração orgânica/inorgânica de solo e subsolo, do tempo de residência ou degradação de cada substância no ambiente e, evidentemente, da precipitação.
Nos últimos dois anos, toda a gente começou a perceber as inconsistências da dita “despoluição de solos e aquíferos” e técnicas utilizadas para os descontaminar: “puxar os hidrocarbonetos sobrenadantes com uma palhinha”. O que é consistente nesse processo é a poluição.
Relativamente aos solos, ficamos a saber no último relatório do LNEC que solos contaminados do South Tank Farm (extraídos na década de 80), foram colocados no site 5014 e que estão a contaminar as águas por se estarem aí a infiltrar poluentes. Tentou-se descontaminar um site, contaminando outro. O que se fez com solos recentes?
Só em 2018, com a mediatização nacional dessa problemática se começou a perceber o desconhecimento e a vontade teórica de se tentar dizer que se está a fazer alguma coisa. Negava-se a contaminação evocando a lei. Está na altura de se mudar a lei porque pior do que a irracionalidade que usa esse argumento pode ser o vazio legal.
Em 2018 o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva afirmava ao Expresso que “… São 41 os locais contaminados ou potencialmente contaminados e em 23 não há nenhum problema. Nos 18 restantes há dois intervencionados em que as duas partes (Portugal/EUA) estão de acordo que houve descontaminação e um outro, conhecido por Main Gate Area, onde foi necessária a intervenção americana”. Dizia ainda que “…o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) considera que há progressos, mas são necessárias novas análises aos solos.” Ora na atualidade, se temos progressos, não os conhecemos, a não ser que os progressos sejam entendidos como “progressão” de hidrocarbonetos para os aquíferos como se afirma no relatório do LNEC de 2020.
Ainda em 2018, o Ministro da Defesa de então, Azeredo Lopes, afirmava que “o novo estudo (do LNEC) iria analisar 33 locais, que resultavam de um cruzamento de informação já conhecida de outros relatórios e de novas suspeitas levantadas junto da opinião pública.”. Basta cruzar os números de locais contaminados/potencialmente contaminados para se perceber que os 18 locais referidos por Santos Silva são, em termos absolutos, muito diferentes dos 33 mencionados por Azeredo Lopes.
No mesmo dia em que Azeredo Lopes prestava declarações à Lusa, Tibério Dinis, Presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória, afirmava que tinha recebido informação “…que, além da intervenção em dois locais, outros oito locais estão a ser ou serão alvo de uma ação de descontaminação. Além disso, recebemos também indicação de se ter registado uma melhoria dos resultados nas intervenções realizadas na Porta de Armas e no South Tank Farm”, afirmou, defendendo que se deu, “sem dúvida, um passo decisivo””. Matematicamente, 2+8=10 o que corresponde a um número muito diferente de 18, 33 ou até mesmo de 18-2=16.
No relatório do LNEC de 2020, relativamente à Porta de Armas afirma-se que “Resultados recentes mostram ter havido um ressurgimento de LNAPL em diversos locais, como consequência da ausência de remoção de LNAPL nos últimos anos, podendo inclusive ainda haver fontes de contaminação por hidrocarbonetos, conforme a anomalia geofísica de baixa resistividade”. Ora, a anomalia geofísica de baixa resistividade foi logo encontrada no primeiro estudo do LNEC em 2011 e pelos vistos nunca desapareceu, por isso, não se percebe como se confunde “melhorias” com “piorias”. Também indicia esse parágrafo que em 2018 e 2019 pouco ou nada se fez.
Diz o LNEC, em 2016, que existiam em 2004, 38 locais contaminados ou potencialmente contaminados, dos 41 que Augusto Santos Siva também menciona. 38 é um número diferente de 23 e também dos 33 de Azeredo Lopes.
Com estas pequenas contagens de matemática básica não sabemos efetivamente o que se está a passar em 10, 16, 18, 33 ou 38 locais contaminados ou potencialmente contaminados. Esses números, em termos de escala, vai de um número extremamente otimista (10) a um número mais pessimista (38). Também se conclui que desde a negação de contaminação do aquífero basal por vários atores, até Outubro de 2020, quando o LNEC vem dizer que “…este composto (não é um composto, mas vários compostos porque BTEX corresponde a Benzeno, Tolueno, Xileno e Etilbenzeno, digo eu) surge em todas as amostras de água recolhidas, incluindo nos furos do aquífero basal”, vai uma grande distância.
É pertinente ter informação sobre todos os sites contaminados e potencialmente contaminados. Também me parece pertinente perceber, dada a falta de sintonia entre vários agentes políticos e técnicos o que é que foi feito em cada site e a razão pela qual, se a há, para que tais sites tenham deixado de ser classificados como contaminados ou potencialmente contaminados. No meio disso tudo há ainda outro problema de que não se fala, e que diz respeito ao Pit 18, cuja contaminação grave é referida “en passant”, num dos relatórios do LNEC.
Quem descontaminou ou quê e quando? Como descontaminou ou porque não descontaminou? Quem aceitou que um site estava descontaminado e porquê? Quem contaminou, isso, já sabemos.
É fundamental que haja transparência total no processo de descontaminação. Em tempos dizia que “se contamina às escondidas, mas a descontaminação deverá ser feita às claras”. É importante que haja acompanhamento pela sociedade civil de qualquer processo de descontaminação. Em cada um desses processos há imensas perguntas a colocar porque está em causa “acrescentar futuro” à ilha Terceira.
Imagem do Relatório do LNEC, referente a 10 depósitos contendo 10 000 litros de água do aquifero basal, no site 3001, para análise.

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