a marinha lusa a meter água

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CASO MONDEGO – CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS
O ex-HDMS Glenten (P557) esteve ao serviço da Marinha Real Dinamarquesa entre fevereiro de 1992 e outubro de 2010, tendo sido vendido a Portugal em outubro de 2014 e rebaptizado com o nome de NRP Mondego (P592), sendo o terceiro navio da classe Tejo. Foi aumentado ao efectivo dos navios da Marinha Portuguesa em 5 de maio de 2016 e passou ao estado de armamento em 12 de junho de 2018. Integra o conjunto de cinco navios da ex-classe Flyvefisken adquiridos à Marinha Real Dinamarquesa.
A propulsão do NRP Mondego (P592) é combinada diesel e turbina a gás (CODAG), com três veios propulsores. Cada um dos dois motores diesel MTU 16V 396TB94 acciona um veio com hélice de passo variável. Uma turbina a gás General Electric LM500 acciona um veio central com hélice de passo fixo. Em condições normais, sem limitações, os dois motores asseguram uma velocidade de 20 nós. Com a turbina a velocidade do navio pode atingir os 28 nós.
O navio tem um propulsor de proa, lemes estabilizadores activos e um sistema de automação de toda a plataforma (Lyngso Marine).
Antes da transferência do ex-HDMS Glenten para a Marinha Portuguesa, foram retirados todos os sistemas de armas e respectivos sensores e sistemas de comando e controlo como se pode ver na imagem.
Analisada a lista de avarias divulgada pelos treze militares da guarnição do NRP Mondego que formaram no cais em 11 de março de 2023, sábado, não cumprindo a ordem de largada para missão de acompanhamento de um navio russo, constata-se que o navio teria limitações operacionais significativas, nomeadamente em consequência da avaria de um dos dois motores principais e de um dos três geradores, alegadamente por falta de manutenção. Também por deficiente manutenção, existiriam ainda limitações significativas nos sistemas de segurança, em particular contra incêndios.
Com a margem de erro resultante de não conhecer a situação concreta dos sistemas do navio no dia do incidente de recusa de cumprimento da ordem de largada, admito que a saída do navio para o mar seria possível apesar das significativas limitações operacionais e de segurança. No entanto, dada a natureza e extensão das avarias que alegadamente e de acordo com o comunicado dos treze militares da guarnição já existiam com o navio atracado ao cais do Funchal, afigura-se que teria sido ajuizado e prudente tirar partido dessa circunstância para proceder à sua reparação e não correr o risco de um agravamento da situação operacional e de segurança do navio quando estivesse a navegar em mar alto. É de notar que uma parte significativa dessa reparação acabou por ser feita nos dias imediatos, aproveitando a permanência do navio na situação de atracado.
Relativamente à propulsão, é curioso que nem o comandante nem o CEMA tenham referido a turbina, dado que aparentemente é uma redundância do sistema e poderia evitar que o navio ficasse a pairar por avaria do segundo motor principal. Será que não está operacional ou o navio não tem pessoal habilitado para a operar?
Na entrevista que deu à SIC do passado dia 17, o CEMA afirmou: “Portanto, este navio, de acordo com o relato que o comandante fez ao seu comando superior, o COMNAV, que é o comando operacional da Marinha, é que o navio estaria em condições de cumprir a missão. O próprio COMNAV, que lhe deu a ordem, disse: o senhor vai cumprir a missão, que era relativamente a uma distância curta da Madeira e com um tempo relativamente curto, mas se por acaso sentir dificuldades, tem a minha autorização para voltar para o porto do Funchal.”
Dada a alegada certeza do comandante e do COMNAV de que “o navio estaria em condições de cumprir a missão”, estranha-se que no planeamento da missão tenham posto a hipótese de, no caso de “sentir dificuldades”, o navio “voltar para o porto do Funchal”. Como essa será a solução de recurso normal para qualquer navio em dificuldades inesperadas quando a operar na área da Madeira, é estranha a sua evocação neste caso particular, a não ser que o comandante ou o COMNAV já dispusessem de informação sobre riscos acrescidos do navio vir a “sentir dificuldades”.
Na mesma entrevista à SIC do dia 17, o CEMA afirmou:
“E mais, na dúvida que pudesse, até por fora, haver alguma dúvida sobre o discernimento do comando e da linha de comando imediata dele, eu mandei fazer uma verificação através de outros organismos da Marinha, organismos técnicos, com grande experiência, construtores navais, engenheiros, pessoas muito especializadas, que foram à Madeira, tentar verificar se o navio estaria ou não em condições, face às avarias que tinha, de poder ir para o mar ou não. E a resposta que tive é que sim, ia para o mar com limitações, mas sem pôr a guarnição em risco. E essa resposta tem também, vai ter de certeza, um impacto na avaliação.”
Presume-se que a vistoria realizada por “construtores navais, engenheiros, pessoas muito especializadas,” terá sido realizada em data posterior ao incidente disciplinar do dia 11, quando provavelmente o motor avariado já estaria reparado, a fazer fé nas declarações do comandante do navio, também à SIC, no dia 15. Segundo o comandante do navio, o motor terá sido reparado no dia 12, domingo, e no dia 15 estaria em testes para ser dado “como 100% operacional.” Desconhece-se se no mesmo período terão sido reparadas outras avarias, havendo, no entanto, notícias de que teria sido enviado para a Madeira um número significativo de sobressalentes para o efeito. Se assim foi, a vistoria terá incidido sobre uma realidade diferente da que existiria no dia 11.
Por outro lado, sendo compreensível que a vistoria alegadamente realizada por “organismos técnicos” da Marinha tenha confirmado que o navio estava “em condições, face às avarias que tinha, de poder ir para o mar”, pois não era essa a questão principal, importa conhecer o relatório dessa vistoria, designadamente quanto à caracterização técnica das avarias e à avaliação dos consequentes riscos para a segurança do navio e da guarnição.
Complementarmente, dado que o comandante da Marinha defendeu publicamente que o incidente disciplinar deve ser investigado e julgado como crime, afigura-se conveniente que a situação do navio à data do incidente, ou seja, no dia 11, seja avaliada por uma entidade técnica competente e autónoma, não dependente do CEMA.
São estas as considerações técnicas que as notícias sobre o incidente do dia 11 no NRP Mondego me suscitam, tendo contudo consciência que pecam por se basearem em informação escassa e não validada por observadores independentes.
Imagem dos HDMS Glenten (P557) e NRP Mondego (P592)