a língua portuguesa no mundo 28º colóquio 2017

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1. Afinal como vai a língua portuguesa no mundo? E as suas derivadas ainda sobrevivem?

Hoje fala-se mais Português em Angola do que no tempo da colonização apesar da forte competição das línguas nativas. Em Goa existe um recrudescimento do interesse pela língua portuguesa e novos livros têm surgido mais de 50 anos após a extinção da presença lusófona. Em Malaca, na Malásia, cerca de 1.000 pessoas falam um crioulo tal como 80 % dos antigos habitantes falava Papiá Kristang, que também é falado atualmente em Singapura e Kuala Lumpur, sendo muito parecido com o malaio local na sua estrutura gramatical, mas 95% do seu vocabulário deriva do português.

Até há pouco tempo o português também era falado em Pulau Tikus (Penang), mas hoje considera-se extinto. A comunidade eurasiana tem 12.000 membros na Península Malaia. Ativos estão o MPEA (Malacca Portuguese Eurasian Association) e SPEMA (Secretariat of the Portuguese/Eurasian Malaysian Associations) com 7 associações dos seus membros em Alor Star, Penang, Perak, Malaca (MPEA), Kuala Lumpur, Seremban e Johor Baru. Há também em Singapura uma associação eurasiática. Lembremo-nos que Malaca se separou do domínio português em 1641, há 376 anos.

Cerca de um terço dos eurasianos de Singapura têm sobrenomes portugueses. Curiosamente um jovem singapurino, Kevin Martins Wong, recentemente redescobriu a língua dos seus avoengos e está a ter sucesso na sua revitalização em Singapura onde apenas restavam cem falantes. Desenvolveu um currículo de dez aulas de duas horas cada, e atualmente ensina Kristang a duas centenas de pessoas. Tendo obtido fundos elaborou um plano de revitalização do idioma a desenvolver nas próximas décadas e conta lançar um dicionário e um livro didático já em 2019. Em 2004 fora publicado o Eurasian Heritage Dictionary em inglês por Valery Scully e Catherine Zuzarte com 1500 palavras de Papiá Kristang) e provérbios dos quais retiro apenas quatro exemplos:

Pinchah pedra, skundeh mang (atira a pedra, esconde a mão)

Nunteng kabesa, nunteng rabu, (sem pés nem cabeça)

Albi grandi, fruta pekeninu (árvore grande, fruta pequenina)

Nunteng agu, nunteng sal (sem água e sem sal)

De mais de 200 étimos portugueses selecionei kereta (carreta, “carro”), sekolah (escola), bendera (bandeira), mentega (manteiga), keju (queijo), meja (mesa) e nenas (ananás), sepatu (sapato), mulheh, maridu, bonitu e soldadu. Poucas pessoas sabem que quando Sir Thomas Stamford Raffles refundou Singapura em 1819 havia apenas uma centena de habitantes e foi um português que serviu às suas ordens quem se encarregou de a povoar com portugueses de Malaca, Macau e Hong-Kong.

Passemos agora a Korlai na Índia, perto de Chaul, onde 900 pessoas falam o crioulo português numa comunidade cuja igreja se chama de “Nossa Senhora do Monte Carmelo”. Chaul separou-se do domínio português em 1740, há 277 anos.

Em Goa, o idioma português está a desaparecer rapidamente sendo falado por um pequeno setor das famílias mais abastadas. Apenas 3 a 5% da população continua a falar Português (menos de 40 mil pessoas). Goa assiste a uma neocolonização demográfica com 35% da população sendo imigrante de outros estados indianos. Nas escolas da Índia a língua portuguesa é ensinada como terceira língua (não-obrigatória). Existe um Departamento de Português na Universidade de Goa e a “Fundação do Oriente” e a Sociedade de Amizade Indo-Portuguesa estão em funcionamento. O último jornal em língua portuguesa foi publicado na década de 1980. Em Panaji ainda são visíveis em lojas, edifícios públicos muitos cartazes em português. Em Diu, na Índia, o crioulo português está quase extinto. Em Damão na Índia: (Damão Grande ou Praça, Campo dos Remédios, Jumprim, Damão da Cima) apenas 2000 pessoas falam um crioulo português. Goa, Damão, Diu e outros enclaves deixaram de fazer parte do domínio português em dezembro de 1961, há 56 anos.

Os Burgueses Portugueses do Ceilão existem em Batticaloa (Koolavaddy, Mamangam, Uppodai, Dutch Bar, Akkaraipattu); Trincomalee (Palayuttu); nas comunidades Kaffir de Mannar e Puttalam]. Muitos séculos antes da chegada dos portugueses à ilha de Ceilão, que hoje se chama Sri Lanka, esta era conhecida sob o nome de Taprobana. O Português foi apenas usado entre as 250 famílias (burgueses portugueses) em suas casas em Batticaloa até 1984. Muitos emigraram para a Austrália. Ainda há 100 famílias em Batticaloa e Trincomalee e cerca de 80 famílias afro-cingalesas (Kaffir) em Puttalam. Uma língua quase extinta.

Há uma pequena comunidade de descendentes portugueses na aldeia de Waha Kotte (circa 7°42’N. – 80°36’E no centro do Sri Lanka, a seis quilómetros de Galewala, estrada entre Galewala e Matale), sendo todos católicos romanos, mas desde há cerca de duas gerações que o crioulo português deixou de ser falado. Tem relação com outros dialetos indo-portugueses que floresceram outrora no litoral da Índia. O indo-português também tem relação com o crioulo português de Malaca e também com o crioulo português de Macau e há uma semelhança linguística subjacente entre os crioulos portugueses da Ásia que foi muito útil no comércio. No Sri Lanka, por cerca de 350 anos, a língua de comércio internacional era o indo-português. Ceilão separou-se do domínio português em 1658, há 359 anos.

Em Macau há cerca de 2.000 pessoas que falam português como sua primeira língua e perto de 12 mil como sua segunda língua. Um reduzido grupo de idosos ainda fala o macaense ou Dóci Papiaçam di Macau, um crioulo português. Em 20 de dezembro de 1999 Macau voltou a fazer parte da China. A língua portuguesa é hoje mais falada e estudada do que quando os portugueses lá estavam e quando lá vivi entre 1976 e 1982.

Em Hong-Kong centenas de pessoas falam o macaense. Quase todas são emigrantes de Macau. Nunca foi colónia portuguesa. Os “ton-tons” como são chamados, são quase todos descendentes de Macau e das pequenas colónias de Portugueses da China (Cantão) e mantêm nomes e alguns rudimentos de papiá e de Português.

Timor-Leste: os que falavam o português em 1950 não ultrapassavam 10.000 pessoas e em 1974 dos 700.000 habitantes, um décimo sabia ler e escrever em português e 140.000 podiam falar e entender esta língua. Até 1981, o português foi a língua da Igreja Católica de Timor, quando foi substituído pelo tétum. Entretanto é comummente usado como idioma de negócios na cidade de Díli. O português permaneceu como língua da resistência anti-indonésia e de comunicação externa da Igreja Católica. O português crioulo (português de Bidau) hoje está praticamente extinto. Era falado em Díli, Lifau e Bidau. Timor-Leste tornou-se um estado independente a 20 de maio de 2002 com duas línguas oficiais: português e tétum.

Em Timor como segunda língua oficial já há 25% de falantes de Português quando há dez anos nem a 5% chegava esse número. Lembro a importância da língua portuguesa em contextos hostis como no caso de Timor-Leste onde sob a ocupação neocolonial indonésia, as novas gerações impedidas de falar Português começaram a usar esta língua como língua de resistência.

Na ilha das Flores na Indonésia em Larantuka e Sikka o português sobrevive nas tradições religiosas e na comunidade Topasse (os descendentes dos portugueses com as mulheres nativas) utilizam-no nas suas preces. Aos sábados, as mulheres de Larantuka rezam o rosário numa forma corrompida de português. Na área de Sikka, no Leste de Flores, muitas pessoas são descendentes de portugueses e ainda há quem use esta língua. Existe uma Confraria chamada “Reinja Rosari”. Portugal retirou-se em 1859.

2. ATÉ HÁ POUCOS ANOS, COMUNIDADES QUE FALAVAM O PORTUGUÊS EXISTIAM EM:

Cochim na Índia: (Vypeen) mas desapareceu nos últimos 20 anos. A comunidade portuguesa / hindu de cerca de 2 mil pessoas frequenta ainda a antiga Igreja de Nossa Senhora da Esperança. Portugal retirou-se de Cochim em 1663, há 354 anos.

Em Bombaim: Baçaim, Salcete, Thana, Chevai, Mahim, Tecelaria, Dadar, Parel, Cavel, Bandora-Badra, Govai, Morol, Andheri, Versova, Malvan, Manori, Mazagão. Em 1906 este crioulo foi, depois do Ceilão, o dialeto indo-português mais importante e existiam 5 mil pessoas que falavam o crioulo português como língua materna e 2 mil estavam em Bombaim e Mahim, mil em Bandora, 500 em Thana, 100 em Curla, 50 em Baçaim e mil nas outras vilas. Não existiam à época escolas em crioulo português e as classes mais ricas substituíram-no pelo inglês.

Em Coramandel na Índia: Meliapore, Madrasta, Tuticorin, Cuddalore, Karikal, Pondicherry, Tranquebar, Manapar, Negapatam. Nesta costa, os descendentes dos portugueses eram também conhecidos como “topasses”, sendo católicos e falando o crioulo português. Com o domínio britânico começaram a falar inglês em lugar do português e anglicizaram seus nomes. Fazem parte da comunidade eurasiana. Em Negapatam em 1883 ainda existiam 20 famílias a falar o indo-português.

No Ceilão (Sri Lanka) o crioulo português era falado até pela comunidade burguesa holandesa até ao início do século XX. Depois da Segunda Guerra Mundial, os católicos em Colombo, capital do Sri Lanka reuniam-se nas missas faladas em português (na Igreja de Santo António em Dematagoda). Após a segunda metade do século, uma parte destes católicos velhos começaram a frequentar missas em grupos cada vez menores nas igrejas católicas nas cidades de Dematagoda, Hulftsdorp, Kotahena, Kotte, Nugegoda e Wellawatte. Embora fosse uma língua falada, o português perdia rapidamente a sua importância original nos serviços religiosos nas igrejas católicas, sendo substituído pelo inglês mais moderno e mais procurado.

Já na Indonésia em Jacarta, no subúrbio de Tugu, até ao início do século XX uma espécie de português corrompido era falada pela população cristã. O último habitante que falava crioulo morreu em 1978. Ainda hoje cantam e dançam em português arcaico. Jacarta nunca esteve sob domínio direto de Portugal.

3. DESAPARECEU JÁ HÁ MUITOS ANOS:

Na índia em Mangalore e em Cannanore e nas costas da Índia existiam cerca de 44 comunidades, onde o português era falado.

Em Bengala no Bangladesh: (Balasore, Pipli, Chandernagore, Chittagong, Midnapore, Hugli……) a língua portuguesa foi, nos séculos XVII e XVIII, a “lingua franca”. Após 1811, o português era usado em todas as igrejas cristãs (católicas e protestantes) de Calcutá. No início do século XX, poucas famílias falavam uma forma corrompida de português misturada com muitas palavras da língua inglesa.

Em Solor e em Adonara na Indonésia: Solor, Adonara (Vure)

Na Ilha de Java na Indonésia: na comunidade holandesa de Batávia. Os Mardijkers são os descendentes dos antigos escravos de Malaca, Bengala, Coramandel, e Malabar, que foram convertidos ao Protestantismo quando libertados. Falavam uma espécie de crioulo português e eram o ramo principal da comunidade portuguesa de Batávia. Depois da conquista holandesa de Malaca e do Ceilão eles cresceram consideravelmente. Em 1673 foi construída uma igreja protestante para a comunidade portuguesa de Batávia e depois no século XVII uma segunda igreja foi construída. Em 1713 esta comunidade tinha cerca de 4.000 membros. Até 1750 o português foi a primeira língua de Batávia, porém, depois o malaio passou a dominar. Em 1808, o reverendo Engelbrecht celebrou a última missa em português. Em 1816, a comunidade portuguesa foi incorporada na comunidade malaia. Também entre as famílias holandesas de Batávia a língua portuguesa foi intensamente usada até 1750, apesar dos esforços do Governo Holandês contra o seu uso.

Nas ilhas Molucas na Indonésia: em Ternate, Ambon, Banda, Macassar falava-se Ternateno, um crioulo português das ilhas de Ternate e Halmahera, mas atualmente extinto. Em Ambon, o português sobrevive na língua atualmente falada: o Malayu-Ambom, e que contém cerca de 350 termos de origem portuguesa.

Vários idiomas da Tailândia, Malásia, Índia e Indonésia têm palavras portuguesas ou galegas. A própria língua japonesa tem várias como: arukoru (álcool), pan (pão), veludo, jaqueta, bolo, bola, botão, frasco, irmão, jouro (jarro), capa, capitão, candeia, castela (bolo de pão-de-ló), copo, biidoro (vidro), tempura (tempero), tabako (tabaco), sabão, sábado, choro, tasca, biombo etc.

Em resumo, em qualquer destes locais ao longo desta curta digressão pelo Oriente, portugueses e galegos falam com estas gentes sem dificuldades de maior, mas na Europa torna-se imperioso ressuscitar o galego. É fundamental que ele seja atual e não-castrapo. Os povos só evoluem bem intelectualmente quando se expressam bem na sua língua materna e não numa língua estrangeira colonizada.