A legião de pobres e excluídos nos Açores devia tirar o sono a muita gente”

Views: 0

Desde 1870

Source: “A legião de pobres e excluídos nos Açores devia tirar o sono a muita gente”

“A legião de pobres e excluídos nos Açores devia tirar o sono a muita gente”

22-11-2018Escrito

Padre WeberO Padre Weber Machado Pereira, conhecido como “o padre dos pobres”, com uma vida de luta no combate à pobreza e exclusão social nos Açores, lança amanhã um livro em Ponta Delgada, no Auditório Luís de Camões, pelas 20h30m. “Denunciar, Formar, Amar” é o título da obra, organizada e coordenada pelo jornalista Santos Narciso, com prefácio do Padre António Rego. A apresentação do livro estará a cargo de Américo Natalino Viveiros, Director do “Correio dos Açores”, havendo ainda um momento musical organizado por Carlos Sousa. O nosso jornal conversou com o Padre Weber.

Como nasceu a ideia deste livro?

Pe. Weber Machado Pereira – A resposta a esta pergunta vem bem explicitada logo no princípio do livro pelo Santos Narciso.

Numa conversa casual com o senhor Padre António Rego, nas Capelas, ele lançou-me o desafio de recolher em livro alguns textos dos muitos que ao longo dos anos foram sendo publicados na imprensa local, para que não se perdessem, ou melhor, para que eventualmente pudessem ser lidos por pessoas que nunca tiveram acesso aos meus, até porque na sua opinião muitos deles tinham ainda muita actualidade.

Numa certa ocasião, falei da sugestão do Padre António do Rego ao Santos Narciso, dizendo-lhe que não me sentia com condições para fazer aquele trabalho. E aquilo que me recusava a fazer, quis fazê-lo o Santos Narciso.

“Denunciar, Formar, Amar” – porquê este título? Esta compilação de textos, para além de ser uma forma de recordar o que já escreveu na imprensa local, é também uma forma de continuar a denunciar causas? Como disse, alguns textos mantêm-se actuais…

O título foi escolhido por Santos Narciso.

Muitos dos textos são, de facto, uma denúncia de atentados a direitos humanos dos pobres, que para muitos nossos concidadãos se tornaram invisíveis.

Pena é que não se tenha criado uma mentalidade em que estes atentados sejam uma fonte de inquietação para a sociedade em geral e para os governantes de uma maneira muito especial.

Quando aquilo que é suficiente para um relativo bem-estar das pessoas está longe de bastar para satisfazer as necessidades que a espiral crescente de desejos for criando e é deixada em roda livre, muito do pior que existe dentro de cada pessoa, como seja a ganância, a inveja o egoísmo, etc., começam a aparecer a desordem generalizada que se manifesta através do roubo, da corrupção, da violência, etc.

É bom lembrar que por mais que se possua há sempre um mais que se vai afastando de cada um de nós, sem termos a possibilidade de o agarrar.

Santo Agostinho percebeu bem a insaciabilidade do ser humano no que diz respeito a bens materiais.

‘Fizeste-me para Ti, Senhor, e insatisfeito estará o meu coração enquanto não te possuir’. Só Deus, na opinião deste grande Santo, é que é capaz de satisfazer o apelo do mais, que caminha sempre à nossa frente. É necessário, por isso, controlar a sede de mais existente em cada ser humano.

Os atentados aos direitos dos mais pobres e excluídos têm de passar de situações aceites passivamente para problemas graves a que os dar solução. Dos muitos problemas com que as sociedades organizadas se debatem, ou que assim são tidos graves pela mentalidade dominante que não é necessariamente a da maioria, é que vão tendo soluções.

É imperioso mudar a mentalidade dominante, pressionada por um materialismo exorbitante que tem no poder do dinheiro a sua componente mais visível.

É necessário controlar a espiral crescente dos desejos, que em muitos casos se transforma em necessidades prementes, que como tais exigem a sua satisfação.

Thales de Mileto, grande filósofo grego, já dizia que a necessidade é a maior força que existe sobre a terra. E, como atrás dizia, importa controlar os desejos, para que não se transformem em necessidades.

Denunciar o atropelo aos direitos primários dos pobres e excluídos é um dever que se impõe a cada cidadão onde more a dignidade de seres humanos.

Seria bom que a fome, o frio, de maneira geral, o sofrimento dos outros, passasse a ser também sofrimento nosso.

É que nós só somos capazes de sofrer, de lutar, por aquilo que é nosso ou que de alguma maneira fazemos nosso.

Como é que vê a nossa sociedade hoje? Muito diferente de há 40 anos quando iniciamos a caminhada autonómica?

Sem dúvida que a sociedade de hoje é muito diferente da que existia aquando do início da nossa Autonomia Constitucional, mas não podemos e por isso não devemos afectar à nossa Autonomia muito do progresso existente actualmente.

Muito dele resulta simplesmente do facto de vivermos em 2018.

O Padre Weber é conhecido sobretudo pela sua acção em prol dos mais pobres. Agora que se fala tanto em planos de combate à pobreza, acredita que será desta?

Relativamente à luta contra a pobreza e exclusão social, devia ter sido feito muito mais.

A legião de pobres e excluídos existentes nos Açores, que em percentagens da população excedem largamente a que se verifica no todo nacional, é uma situação que devia tirar o sono a muita gente. O nosso PIB, felizmente, não é o mais baixo do todo nacional. Mas se é assim, porquê a existência de tantos pobres e excluídos? Alguma coisa corre mal no reino da Dinamarca.

Para que a luta contra a pobreza tenha efeitos visíveis, para além de muitas coisas que são preconizadas no Plano de Acção de Combate contra a Pobreza e Exclusão Social, é imprescindível uma distribuição da riqueza existente por mais gente aqui na Região. E isso afectará necessariamente aqueles que possuem mais do que suficiente para ter uma vida com um nível de conforto apreciável.

Mas estarão estes na disposição de prescindir de uma parte do bolo que dizem pertencer-lhe? Os governos quererão afrontar os problemas que o tocar nos seus pretensos direitos poderão criar?

Espera encontrar muita gente amanhã no lançamento do livro?

Bom… Estarão aqueles que quiserem dar-me o gosto de estar presentes.

jornal@diariodosacores.pt