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Um conflito entre as Rússias
A independência da Ucrânia, assim como a da Bielorússia, foram acidentes precipitados por convulsões políticas no coração do mundo russo, decorrentes do fim da URSS. Não sendo nações, nem povos, mas expressões de combinações variadas das caleidoscópicas margens culturais da Rússia, ali não há uma identidade colectiva objectiva, uma organização social diversa, uma estrutura familiar própria, nem uma tradição política e institucional, mas apenas particularismos religiosos e linguísticos, tão ou menos expressivos como os de outras regiões da Rússia. A dificuldade dos ocidentais em perceber o que ali se confronta – o mito de uma “nação” frente à evidência da história – remete-nos para o problema da invenção das nacionalidades, tal como Patrick Geary soberbamente a colocou na introdução ao The Myth of Nations (2002), obra que tenho lido na 3º edição italiana, de 2019. Os “nacionalismos” são sempre violentos e excessivos quanto mais lhes falta a autenticidade, pois que à falta de passado, há que o inventar sob a forma de crença racional, ou seja, de ideologia de um grupo que ocupa o poder e procura a justificação e a legitimidade para o exercer. Estranho que a UE, sempre tão afoita na condenação dos nacionalismos como fautores de guerra, seja tão entusiasta do “nacionalismo ucraniano”. Se guerra houver, ninguém o pode prever, será mais uma guerra entre duas Rússias do que um conflito entre nações, pelo que a Europa ocidental, muito menos os EUA, se deviam intrometer senão com bons ofícios que levem as partes a pontos comuns de consenso. Infelizmente, há quem queira uma guerra a todo o custo para, assim, justificar a manutenção da servidão europeia a uma certa ideia da ordem internacional dissolvida pelo colapso do mundo soviético.
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