a geração dos tik tok

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Hoje uma aluna, durante a realização do teste, que consistia na análise de um poema de Sophia, perguntou o que eram desigualdades sociais. Outro queixou-se de que eu não tinha dado aquela matéria da segunda parte do poema – uma das atividades exigidas era a divisão do poema em dois momentos… Outro ainda achou que “a geração de escravos” de que falava o poema era a descendência ou a família da “princesa desconhecida” do retrato que dela fez Sophia… No ano passado, uma destas alunas chegou a dizer que não sabia o que era a escravatura…
Este é definitivamente um retrato pouco poético do ensino atual. É cada vez mais evidente hoje que o conhecimento e a mundividência dos alunos constroem-se apenas do que assimilam na escola. Muito dificilmente se pode esperar que o conhecimento do mundo seja uma mais valia ou que a abrangência de saberes do mais elementar senso comum enriqueça qualquer debate na aula ou sedimente qualquer ponto de partida para outros raciocínios e novos saberes. É cada vez mais difícil alimentar um debate, por exemplo, porque, para além dessas limitações, ainda há que contar com o desconhecimento de vocabulário, com as dificuldades de expressão e com a inibição de demonstrações emotivas, por mais contraditório que isso possa parecer, em plena era da exposição nas redes sociais.
É assim que a escola assume hoje todos os papéis e mais algum. Da escola, espera-se que eduque em todas as frentes. Em algumas situações, substitui-se mesmo à família. E é por isso que os seus agentes estão esgotados e sem capacidade de resposta. Vive-se nesta permanente angústia de não chegar a tudo. As necessidades são avassaladoras. Chegam-nos exigências da mais variada natureza, tantas quantas as solicitações decorrentes de uma sociedade à beira da falência de valores humanos. Tudo isto, conjugado a um gritante desatino na formalização do ensino nos últimos anos, tem muitas vezes resultado num delírio de insanidade.
As mexidas no currículo no decurso destas exigências, a introdução de cidadania ou de disciplinas relacionadas com tecnologias, e que culminaram ainda com a preponderância de matemática e português ( contra mim falo), tendo por consequência a subtração de horas em disciplinas que foram desvalorizadas, como artes ou história ( 90m no básico e desaparecimento no currículo do secundário em ciências), constituem apenas um afluente neste desabar de motivos que levaram a uma foz de problemas. A construção de muitas divisões e de represas, literal e metaforicamente, só servirão para suspender a fluência das muitas correntes do conhecimento.
Não é possível ler o homem e o mundo através da literatura sem que haja uma confluência de conhecimentos que interagem na base desta leitura. Como podemos exigir então que um aluno conheça os fundamentos de uma arte poética se nunca conheceu sequer o mais básico da história da humanidade em todas as suas componentes? Uns rudimentos de filosofia, de cultura religiosa ou do que mais belo foi feito pelo homem na arquitetura, na música, na pintura…? E como se não bastassem os ermos para atropelar, digo, por preencher, um programa inteiro por cumprir…
Como fazer para chegar a tudo?
No entanto, a realidade ainda nos surpreende. É que já nem o mundo pela televisão os jovens de hoje veem.
Será a próxima geração descendente dos retratos dos tik tok e das redes sociais deste mundo?
Pedro Paulo Camara, Tomás Quental and 31 others
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