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‘Vemos com extrema preocupação o aumento de casos’
Cristina Fraga Presidente do Conselho de Administração do Hospital do Divino Espírito Santo revela as limitações existentes com o sistema de distribuição de oxigénio
“Todos os doentes com Covid-19 internados no HDES necessitam de oxigénio ou apenas estão a receber oxigénio os doentes na Unidade de Cuidados Intensivos?
Dada a disfunção pulmonar que caracteriza a infecção COVID-19, todos os doentes com critério de internamento estão sob oxigenoterapia (quer UCI quer não UCI). Caso contrário, estariam sob vigilância da sintomatologia no domicílio.
A quantidade de 225 litros de oxigénio utilizada está a ser direcionada apenas para os doentes Covid-19 ou para outros setores do HDES?
A quantidade referida pelo Secretário da Saúde diz respeito apenas à UCI-COVID19. Na verdade, cada enfermaria tem capacidade para aplicar um total de 300 litros – não é uma questão de armazenamento de oxigénio que está em causa, mas sim de capacidade de utilização. O HDES tem uma capacidade instalada de utilização/distribuição de oxigénio de 280 a 300 litros na área em apreço. Capacidade essa que só foi conhecida depois da actual Administração ter procedido ao seu levantamento e registo (há cerca de 2 meses) e que não foi alterada no último ano. Por outro lado, o incremento da capacidade de disponibilização de oxigénio não é um projeto que possa ser executado numa questão de dias ou sequer de meses – aliás, neste momento com a emergente taxa de utilização existente, é simplesmente materialmente impossível fazê-lo. Por outro lado, a utilização de oxigénio também depende do número de utentes que necessitam de ser ventilados ou sob ONAF ao mesmo tempo, sendo por isso um valor que oscila consoante o número de casos que chegam à nossa Urgência com necessidades específicas. Pelos estudos que temos, em média mais de 10% das pessoas infetadas com COVID19 poderão necessitar de intervenção de cuidados intensivos (com oxigénio), portanto, quanto mais casos de infeções existam, maior a probabilidade de esgotarmos a nossa capacidade de resposta. Presentemente, como foi ontem anunciado pelo Secretário da Saúde, estamos nos 2 terços da capacidade, mas esse valor pode oscilar rapidamente para baixo ou para cima. É por isso que o HDES tem protocolos com outras unidades de saúde no continente português, destinados a enviar pacientes a quem prevemos que não poderemos dar resposta em meios técnicos – e esse procedimento já foi por diversas vezes usado no passado.
O HDES considera estar num nível crítico de capacidade disponível de oxigénio?
Se se refere à existência de oxigénio nos depósitos, a resposta é não. E se se refere à capacidade de disponibilização, a resposta por enquanto também é não, embora, como já referido acima, tudo dependerá de quantos casos de COVID19 teremos para tratar em simultâneo. É por isso que vemos com extrema preocupação o aumento do número de casos detetados entre a população. O HDES há 25 anos foi construído com uma estrutura de distribuição de oxigénio com capacidade para 300 L por enfermaria, que não foi adaptado mesmo depois da pandemia se ter iniciado. Nessa altura da construção do HDES não existiam terapêuticas de ONAF (oxigénio nasal de alto fluxo), que são hoje fundamentais no tratamento de pacientes com COVID19.
Que medidas podem ser tomadas para reforçar a capacidade de oxigénio no HDES?
Em relação à quantidade de oxigénio armazenada, a situação é a seguinte:
O fornecimento de gases medicinais ao HDES é efectuado pela empresa AIR LIQUIDE MEDICINAL SA. De acordo com o CPA da RAA Portaria nº 1370/2015 de 29 de setembro. O oxigénio medicinal pode ser fornecido em garrafa ou em líquido. O abastecimento de oxigénio em garrafas é feito por substituição em função das solicitações dos serviços do HDES. E a empresa dispõe de um stock em S. Miguel para abastecer toda a RAA. O oxigénio líquido depois de evaporado nas instalações do HDES é distribuído através das respectivas redes internas. O HDES tem tanque de armazenamento que é abastecido por isocontentores (15 000 L) transportados por via marítima com periodicidade quinzenal (sempre que necessário passa a semanal). Existem 4 isocontentores afetos à operação da RAA (1 em enchimento, 1 em viagem do continente para a RAA, 1 a circular entre as ilhas, e o outro de manutenção). À chegada a P. Delgada o contentor faz um primeiro abastecimento no HDES, depois segue para o HSEIT e posteriormente para o HHorta, regressando a S. Miguel para transvase do restante num contentor existente nas instalações da empresa em S. Miguel. A capacidade de armazenamento de oxigénio líquido no HDES é de 13.500 litros o que com um consumo médio de 2% ao dia (média anual) dá um stock para 50 dias. Recentemente em S. Miguel existe mais 1 isocontentor (15 mil litros) que já prevê o reabastecimento do HDES.
Nenhum problema a esse nível por enquanto, portanto.
Dado que se prevê no futuro a duplicação da atividade da Medicina Hiperbárica (até à pandemia o principal consumidor de oxigénio) já existia um projeto para a instalação de um outro reservatório de 21.000 L. No entanto, esse projeto obriga a transferência do local de armazenamento e à realização de obras.
A rede de abastecimento de oxigénio, nomeadamente para os serviços de Internamento, é calculada para um débito de 10 l/min por paciente com um coeficiente de simultaneidade de 10 a 20%, dependendo do tipo de paciente. Devido à situação pandémica os hospitais estão praticamente lotados o que implica um coeficiente de simultaneidade de consumo de oxigénio perto dos 100%. Ao adicionarmos a terapia de alto fluxo de oxigénio aos doentes COVID-19 (com débitos de 30 a 60 ou mais L/min por paciente), estamos a aumentar o consumo de oxigénio para valores 5 vezes ou mais superiores ao pressuposto para a qual a instalação foi calculada, podendo colocar em risco o abastecimento de oxigénio nesse e noutros serviços do hospital.
Ao longo do último ano foram efetuados investimentos para se aumentar a capacidade instalada de oxigénio?
A realidade é que não. Ao nível da aplicação/distribuição de oxigénio, o último Conselho de Administração, seguindo as políticas de Saúde então em vigor, não testou a capacidade de resposta da enfermaria onde estariam os doentes COVID sob ONAF, não melhorou essa enfermaria nem planeou uma 2ª enfermaria com capacidade para ONAF (que geram aerossóis e por isso têm de estar em quartos individuais com pressão negativa; neste momento só temos quartos com pressão negativa em uma enfermaria – a da UCI COVID19).
A atual administração herdou uma situação difícil também a esse nível, ainda para mais quando os casos de COVID19 começavam a disparar. Mesmo assim, logo a 11 fevereiro iniciou-se um processo com vista a melhorar as condições de segurança e de qualidade no atendimento dos doentes na Urgência Respiratória-SU COVID Adultos, expandindo a referida área de atendimento para a atual Sala de Espera da Urgência Geral. Foi também autorizada a aquisição de material necessário para a instalação das condutas de gases medicinais e sistemas de aspiração nessa área, que já está instalada e pronta a ser utilizada se necessário. Mas por enquanto não será possível aumentar a capacidade de aplicação de oxigénio, o que irá requerer obras de fundo que são impossíveis realizar neste momento.”
(Luís Pedro Silva – Açoriano Oriental de 16/04/2021)

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- Muito bem, a verdade assumida… Em frente!
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