a derrota do afeganistão

Views: 0

Ignorai a propaganda. A derrocada do governo de Ashraf Ghani nada tem de surpreendente. Este artigo é de 2009.
A caminho da pior das derrotas
O mais difícil, quando tudo estiver acabado, vai ser encenar qualquer coisa que tente iludir a desgraça à imagem do que foi a partida do último soldado soviético do Afeganistão, protagonizada pelo general Boris Gromov ao atravessar a ponte sobre o Amu Darya para o Uzbequistão ao sol de um meio-dia de Fevereiro de 1989.
A mais poderosa aliança militar do mundo, os seus aliados australianos, sul-coreanos e demais envolvidos caminham inexoravelmente para um fracasso militar e uma catástrofe política no Afeganistão, numa guerra que, passados oito anos, falha nos objectivos e se revela equívoca na estratégia e tácticas.
Guerra para quê?
Firmar um governo em Cabul suficientemente forte para impedir que o Afeganistão reverta a favor de investidas radicais islamitas na Ásia Central e covil de organizações terroristas é, agora, sacrificadas a realidades intratáveis a democratização ou os direitos das mulheres, o objectivo da NATO.
Limitar a produção e tráfico de drogas, desviando, na medida do possível, os seus proventos do financiamento de actividades subversivas e terroristas, surge, subsidiariamente, como condição muito necessária, mas não impreterível, para a NATO e aliados virem a conformar-se com uma autoridade autocrática em Cabul capaz de evitar a desagregação do estado afegão por via de acordos com potentados regionais e senhores da guerra.
Barack Obama acabou de selar o compromisso de mais tropas no terreno e maior compromisso na formação de militares e polícias afegãos na expectativa de dentro de quatro a cinco anos poder iniciar uma retirada gradual de tropas.
Em números redondos, os Estados Unidos contarão, em meados de 2010, com 100 mil militares no Afeganistão e os seus aliados somarão outros 40 mil homens, chegando, assim, a níveis de presença no terreno superiores aos cerca de 120 mil homens que a União Soviética mobilizou ao apogeu da intervenção que se arrastou por uma década desde o final de 1979.
Afeganizar a guerra, duplicando os actuais efectivos do exército para 240 mil homens e da polícia para 160 mil, afigura-se difícil de conseguir a curto prazo.
As actuais taxas de deserção no exército rondam um para quatro e os efectivos mal chegam aos 134 mil homens. A desproporção étnica, dada a dificuldade de recrutamento entre a maioria pashtun (40% da população), é, ainda, perigosa, dado que os tadjiques (um quarto da população) representam 41% dos efectivos e dominam as chefias militares e do ministério da defesa.
Baixas civis e militares muito aquém das provocadas pelas tácticas de terra queimada e gente massacrada da URSS, legitimação internacional por obra de mandatos da ONU, distinguem, no imediato, a guerra da NATO da invasão soviética.
Os investimentos em infraestrutruras e desenvolvimento rural claudicam, no entanto, ainda mais do que os tentados durante a intervenção soviética, e a corrupção administrativa é tão endémica e pervasiva quanto a dos anos oitenta e surge potenciada pelo tráfico de drogas, que ronda, presentemente, os 4 mil milhões de dólares por ano.
Pior do que antes
Um dos factos alarmantes resume-se a isto: sem apoios estrangeiros significativos (como o arco que uniu Washington, Islamabad, Riade e Pequim contra Moscovo) ou equipamento militar de ponta (caso dos fatais mísseis Stinger, que fizeram claudicar o domínio aéreo soviético), a insurreição taliban no Sul e Leste do Afeganistão, além da guerrilha de históricos radicais islamitas como Gulbuddin Hekmatyar, e revoltas locais alastrando além das áreas de maioria pashtun, replicam para pior o impasse que levou à derrota soviética.
Desta feita, o pecado original não advém de um erro de cálculo estratégico ao desencadear a invasão, como ocorreu com a intervenção soviética de Dezembro de 1979, apesar de desde os idos de Outubro de 2001 a investida militar liderada pelos Estados Unidos esbarrar contra as resistências dos tradicionalismos locais e, sobretudo, claudicar ante algo que implica pensar estratégia.
Um governo afegão alinhado com a Índia (alvo de sucessivos atentados à sua representação diplomática em Cabul desde que Nova Deli apostou em Hamid Karzai ou quem seja poder na capital afegã e se mostre adverso a submter-se ao Paquistão) será sempre tido em Islamabad como um risco estratégico.
A contenção dos riscos de subversão radical islamita nas províncias pashtun na fronteira do Afeganistão nunca será tida em Islamabad como algo que valha contrição militar face à Índia e, pelo lado do Paquistão, o vizinho da Ásia Central pode ir ardendo a fogo lento.
Nada ajuda
A acrescer risco ao compromisso de Obama, advém o crescendo de tensão com o Irão, as dificuldades previsíveis para cumprir o calendário de retirada do Iraque, e os custos da guerra num clima pouco propício, sem que o governo de Cabul revele lisura ou eficácia administrativas.
Custos de 3,6 mil milhões de dólares/mês, quase mil mortos norte-americanos até agora, outros 30 mil milhões de dólares por ano para pagar o reforço de efectivos no Afeganistão, tornam cada vez mais difícil de fazer aceitar uma guerra por um eleitorado que dentro de um ano decidirá as maiorias no Congresso de Washington.
As contas estão feitas e as realidades no terreno obrigariam a um muito maior investimento em tropas e ajuda económica efectiva que são inaceitáveis para os eleitorados ocidentais.
Quando a guerra e os caixões retornarem em força, passado o Inverno no Afeganistão, e se aproximarem as eleições gerais britânicas e as votações para o Congresso de Washington no final de 2010, pouco haverá para apresentar de positivo da investida militar.
A partir daí será o princípio do fim, a busca afogueada de compromissos para uma retirada, sem que se possa presumir o que venham a ser as consequências globais da pior das derrotas possíveis: a que nem se pode assumir como tal.
(Artigo de 2 Dezembro 2009)
May be an image of 2 people, people standing, people sitting, motorcycle and road
Like

Comment
Share
0 comments