a crónica de PAULA SOUSa Lima

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AMIGOS, aqui vai a crónica deste sábado:
Acerca das palavras LIV – a utilidade das palavras ou o inefável silêncio?
Confesso-me uma apreciadora do silêncio. Que me perdoem os amantes dos concertos e festivais e afins, onde ao som, por vezes excessivo, na minha opinião, da música se juntam aplausos ensurdecedores e vozes, quase sempre desafinadas, que tentam acompanhar o cantor ou a cantora. Desconto aqui concertos de música puramente instrumental, que requerem menos efusão por parte dos ouvintes e que, por tal, acarretam menos barulho, coisa que, certamente já o leitor e a leitora perceberam, me é insuportável. Também confesso não ser melómana – talvez por tal não seja assídua nos locais onde se ouve música, seja de excelência, seja a mais medíocre chinfrineira.
Gosto do silêncio, sempre gostei, cada vez gosto mais. É-me particularmente aprazível, é-me fundamental, é-me mesmo indispensável. Que seja interrompido pela beleza do trinado de uma ave canora ou pelo som cadenciado das ondas que vão de encontro às rochas aceito, até me comove, tal como o som de uma flauta ou de um piano, quando, em leveza, se espraia pelos ares. Mas o silêncio, em si, é, não duvido, condição para que sons imensos de beleza, como o trinado do pássaro ou a cadência das ondas, dele irrompam e inevitavelmente (me) emocionem. A questão que deixei no título, porém, foi a que opõe o silêncio às palavras.
Ora, as palavras são úteis, obviamente, muito úteis, extremamente úteis. Tanto que é inimaginável um mundo sem palavras. Sem elas, não haveria comunicação, pelo menos como a entendemos, e o ser humano ainda estaria nas cavernas, certamente, e delas nunca sairia, nem a ser humano, muito provavelmente, teria chegado. É com palavras que nos entendemos, é com palavras que desenvolvemos ideias e as comunicamos, é com palavras que transmitimos sentimentos, saberes, opiniões. Mas é igualmente com palavras que nos desentendemos, que brigamos por causa de ideias, que mostramos maus sentimentos, ignorância, brutalidade. Talvez por isso se diga, popularmente, que “o silêncio é de ouro”. Sê-lo-á algumas vezes, não o será sempre, pois calar-se ante a injustiça, a opressão, a maldade é pecar por omissão, na minha perspetiva o pior tipo de pecado entre todos, por ser aquele que faz das gentes criaturas sem caráter e profundamente cobardes.
Por outro lado, quantas vezes são usadas palavras esvaziadas, isto é, cujo conteúdo não é respeitado – isto tanto nas relações interpessoais de amor e de amizade, como nas relações mais “amplas”, tal é o caso da política. E a verdade é que o homem e a mulher sensato/a muito frequentemente desconfiam das palavras e as usam comedida e cuidadosamente. E ainda existem aqueles que, por terem uma relação mais íntima com as palavras, por as conhecerem melhor, reconhecem que esses conjuntos de sons ou de caracteres se esgotam, se depauperam, se tornam ocas. Estes são os poetas, que, com frequência, aspiram ao inefável silêncio, dado nele não existirem conspurcações e dele poderem nascer novas palavras, frescas e viçosas, sem a carga de desgaste que as palavras das línguas humanas transportam inevitavelmente.
Confesso: preciso do silêncio. Preciso dele para descansar, e nisso serei muito semelhante à maioria das pessoas. Preciso mais dele, porém, para escrever – e não é só para me concentrar, como poderá pensar o leitor ou a leitora; é, sobretudo e em primeiro lugar, para ouvir as palavras, para lhes sentir a cadência, pois entendo as palavras e a sua ligação como música. Há palavras que me encantam, há outras que me enfastiam; há palavras que se juntam bem, cantantemente, há as que se repugnam – é assim que as ouço, que as sinto. Se calhar até sou melómana, embora dum género diferente do comum. Como saberá o leitor e a leitora, cada pessoa estabelece uma relação particular com tudo o que a rodeia, também – e inevitavelmente – com o silêncio e com as palavras.
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