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Nova Portugalidade
Episódios desconhecidos da história de Portugal: a crise anglo-portuguesa de 1525
Portugal e a Inglaterra são aliados famosamente antigos. O tratado de aliança que une os dois Estados, o de Windsor, data de 1386, mas não haveria abuso em datar de 1147 a colaboração entre aquelas monarquias atlânticas. Nesse ano, decisivamente auxiliados por uma força inglesa que se achava a caminho da Terra Santa, os portugueses haviam recuperado Lisboa aos árabes; tão relevante fora o seu papel que o primeiro bispo da Lisboa libertada, Gilberto de Hastings, era inglês, e foi inglesa a forma do Rito Romano – o Uso Sarum – que se celebrou em Lisboa até 1536.
As relações entre Portugal e a Inglaterra não deixaram, contudo, de conhecer frequentes arrufos, abalos e até ameaças de conflagração bélica. Foi assim em 1525, ano do casamento entre João III de Portugal e Catarina de Áustria, irmã do Imperador Carlos V. A mão da irmã do imperador-rei – Carlos comandava vasto império em que se incluíam a Espanha, a Áustria e os Países Baixos – forçara os portugueses ao pagamento de dote avultado. Infelizmente, acabou por naufragar o galeão incumbido da entrega; o navio desapareceu a curta distância da costa inglesa e Henrique VIII, que então reinava em Londres, apressou-se a ordenar uma operação de salvamento.
De acordo com os registos ingleses, a carga que foi possível recuperar do navio valeria “quatro mil vezes o soldo anual de um homem”, o que tornará compreensível que Londres se tenha tentado apossar dos bens recuperados. Portugal protestou energicamente, ameaçou Henrique com a guerra e este, temendo o longo braço da marinha portuguesa, aceitou deixar o problema aos tribunais. Para isso se convocou a Câmara Estrelada – em inglês, Star Chamber, um tribunal composto pelo Conselho Privado do Rei e por juízes de Direito Consuetudinário – que, sem surpresa, deu razão a João. Os portugueses recuperaram o ouro perdido e a guerra foi evitada. Ora veja-se o temor que inspirava o nome de Portugal nas cortes da Europa.
Rafael Pinto Borges