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A Chantagem Populista: França à beira do colapso e o espelho português
Por Maria João
A França encontra-se novamente no centro da turbulência política europeia. O primeiro-ministro Sébastien Lecornu apresentou o seu governo e renunciou em menos de um mês, deixando Emmanuel Macron sem bússola e sem margem para manobra. À primeira vista, parece apenas mais uma crise política; na verdade, é o sintoma de algo mais profundo: o esgotamento do modelo centrista e o avanço calculado do populismo institucional.
O colapso francês não começou nas ruas, começou nas instituições. Desde as eleições de 2024, o Parlamento vive um impasse permanente. Nenhum bloco tem maioria, e cada votação é uma guerra de trincheiras. O governo tornou-se uma operação de sobrevivência. No meio desta paralisia, o orçamento de 2026 transformou-se no epicentro da crise. Se não for aprovado, a França entrará num regime de gestão provisória, um mecanismo constitucional de emergência que, em circunstâncias normais, seria impensável numa das maiores democracias da Europa Ocidental. Mas o impensável é agora rotina.
Marine Le Pen percebeu-o antes de todos. Recusou participar em negociações, anunciou que censurará tudo o que venha do governo e declarou guerra aberta à própria ideia de compromisso. O que parece obstinação é, na verdade, estratégia. Le Pen descobriu que, num país exausto de elites, o caos é o novo capital político. A sua tática é clara: bloquear tudo, sabotar o processo, provocar o colapso institucional e depois apresentar-se como a única capaz de restaurar a ordem.
Este não é um ato de oposição; é uma forma de chantagem política. Ao recusar jogar segundo as regras, Le Pen não desafia apenas Macron, desafia a democracia francesa. O Parlamento, transformado em campo de batalha, deixou de legislar para começar a implodir. E essa implosão interessa-lhe. Quanto mais o governo falhar, mais a sua retórica ganha força. Quanto mais as instituições se desgastam, mais a sua promessa de “ordem e soberania” parece sensata.
É uma estratégia perigosa porque, desta vez, a extrema-direita já não é marginal, é estrutural. Le Pen e Jordan Bardella representam um populismo que se veste de respeitabilidade, fala de orçamento, economia e segurança, mas cujo objetivo é simples: desacreditar o Estado liberal por dentro. O caos, para eles, é o método.
O risco é que, ao desestabilizar a França, Le Pen compromete a própria arquitetura europeia. Uma França bloqueada é uma França silenciosa. Sem Paris, o eixo europeu desintegra-se. A Alemanha está presa às suas crises internas, a Itália mergulha no nacionalismo de Meloni e a Europa perde o seu centro político e moral. O colapso francês seria mais do que uma crise doméstica; seria um golpe estratégico contra a União Europeia num momento em que a guerra na Ucrânia e o avanço dos autoritarismos exigem precisamente o contrário: coesão.
E aqui entra Portugal. O país observa à distância, mas Ventura observa de perto. André Ventura é o aprendiz atento deste modelo de chantagem política. O seu discurso replica a fórmula de Le Pen: transformar o ressentimento em força, esperar o colapso dos outros e posicionar-se como o único “incorruptível”. Ele sabe que o governo de Montenegro é vulnerável. Quando os ministros começarem a cair, e inevitavelmente cairão, Ventura não oferecerá soluções, oferecerá ruído. Fará do caos o seu palco.
O Chega, tal como o Rassemblement National, não quer governar, quer condicionar. Quer transformar o Parlamento português num espelho do francês: paralisado, tóxico e refém da retórica. Ventura percebe que, num país cansado da lentidão política, basta agitar o fogo do descontentamento para que o eleitorado, em nome da ordem, entregue o fósforo.
O populismo não conquista o poder por força, conquista-o por exaustão. A chantagem de Le Pen é o ensaio do que Ventura pretende reproduzir. Ambos exploram a fadiga democrática e a ilusão de que a estabilidade pode nascer da destruição. Mas a história ensina o contrário: o colapso institucional é o prelúdio do autoritarismo.
A França está a ensinar-nos, em tempo real, como se destrói uma democracia sem tanques nem golpes, apenas com táticas e cansaço. Portugal faria bem em aprender a lição antes que seja tarde. Porque quando o centro se cala, os extremos não apenas falam, tomam o poder.
A Chantagem Populista: França à beira do colapso e o espelho português
Por Maria João
A França encontra-se novamente no centro da turbulência política europeia. O primeiro-ministro Sébastien Lecornu apresentou o seu governo e renunciou em menos de um mês, deixando Emmanuel Macron sem bússola e sem margem para manobra. À primeira vista, parece apenas mais uma crise política; na verdade, é o sintoma de algo mais profundo: o esgotamento do modelo centrista e o avanço calculado do populismo institucional.
O colapso francês não começou nas ruas, começou nas instituições. Desde as eleições de 2024, o Parlamento vive um impasse permanente. Nenhum bloco tem maioria, e cada votação é uma guerra de trincheiras. O governo tornou-se uma operação de sobrevivência. No meio desta paralisia, o orçamento de 2026 transformou-se no epicentro da crise. Se não for aprovado, a França entrará num regime de gestão provisória, um mecanismo constitucional de emergência que, em circunstâncias normais, seria impensável numa das maiores democracias da Europa Ocidental. Mas o impensável é agora rotina.
Marine Le Pen percebeu-o antes de todos. Recusou participar em negociações, anunciou que censurará tudo o que venha do governo e declarou guerra aberta à própria ideia de compromisso. O que parece obstinação é, na verdade, estratégia. Le Pen descobriu que, num país exausto de elites, o caos é o novo capital político. A sua tática é clara: bloquear tudo, sabotar o processo, provocar o colapso institucional e depois apresentar-se como a única capaz de restaurar a ordem.
Este não é um ato de oposição; é uma forma de chantagem política. Ao recusar jogar segundo as regras, Le Pen não desafia apenas Macron, desafia a democracia francesa. O Parlamento, transformado em campo de batalha, deixou de legislar para começar a implodir. E essa implosão interessa-lhe. Quanto mais o governo falhar, mais a sua retórica ganha força. Quanto mais as instituições se desgastam, mais a sua promessa de “ordem e soberania” parece sensata.
É uma estratégia perigosa porque, desta vez, a extrema-direita já não é marginal, é estrutural. Le Pen e Jordan Bardella representam um populismo que se veste de respeitabilidade, fala de orçamento, economia e segurança, mas cujo objetivo é simples: desacreditar o Estado liberal por dentro. O caos, para eles, é o método.
O risco é que, ao desestabilizar a França, Le Pen compromete a própria arquitetura europeia. Uma França bloqueada é uma França silenciosa. Sem Paris, o eixo europeu desintegra-se. A Alemanha está presa às suas crises internas, a Itália mergulha no nacionalismo de Meloni e a Europa perde o seu centro político e moral. O colapso francês seria mais do que uma crise doméstica; seria um golpe estratégico contra a União Europeia num momento em que a guerra na Ucrânia e o avanço dos autoritarismos exigem precisamente o contrário: coesão.
E aqui entra Portugal. O país observa à distância, mas Ventura observa de perto. André Ventura é o aprendiz atento deste modelo de chantagem política. O seu discurso replica a fórmula de Le Pen: transformar o ressentimento em força, esperar o colapso dos outros e posicionar-se como o único “incorruptível”. Ele sabe que o governo de Montenegro é vulnerável. Quando os ministros começarem a cair, e inevitavelmente cairão, Ventura não oferecerá soluções, oferecerá ruído. Fará do caos o seu palco.
O Chega, tal como o Rassemblement National, não quer governar, quer condicionar. Quer transformar o Parlamento português num espelho do francês: paralisado, tóxico e refém da retórica. Ventura percebe que, num país cansado da lentidão política, basta agitar o fogo do descontentamento para que o eleitorado, em nome da ordem, entregue o fósforo.
O populismo não conquista o poder por força, conquista-o por exaustão. A chantagem de Le Pen é o ensaio do que Ventura pretende reproduzir. Ambos exploram a fadiga democrática e a ilusão de que a estabilidade pode nascer da destruição. Mas a história ensina o contrário: o colapso institucional é o prelúdio do autoritarismo.
A França está a ensinar-nos, em tempo real, como se destrói uma democracia sem tanques nem golpes, apenas com táticas e cansaço. Portugal faria bem em aprender a lição antes que seja tarde. Porque quando o centro se cala, os extremos não apenas falam, tomam o poder.