.
TALVEZ… Embora o formato editorial do Expresso nesta coluna (uma espécie de universo a preto e branco) não tenha permitido mais do que “não, mas…” Ora, se há matéria que não pode ser vista a preto e branco, esta é certamente uma delas.
——
Importa antes do mais esclarecer que o meu “não” é um “não, mas…”. E de modo nenhum subscrevo discursos coloniais ora em voga, que repudio e nos envergonham.
Começa porque exijo eu também a devolução quando se trate de apropriação ilegal à luz do direito internacional. E não se pense que se trata de coisa menor. Basta dizer que a Convenção sobre Bens Culturais Roubados ou Ilicitamente Exportados, assinada em Roma em 1995, ainda não foi ratificada por grande número de países europeus, bem como pelos EUA e Canadá (foi-o por Portugal em 2003). E até a velhinha Convenção de Haia (1954) apenas foi ratificada pelo Reino Unido no ano passado e pelos EUA há menos de uma década, ou seja, após a invasão do Iraque e do saque do respectivo Museu Nacional, de que foram depois encontradas peças à venda no mercado de arte internacional.
Curiosamente, a Convenção de Roma não foi também subscrita pela maioria dos países africanos. Porquê? Atentos os níveis de corrupção, pode supor-se que seja porque parte das suas elites políticas preferem ficar de mãos livres para abastecer o mercado com peças que depois se esfumam em colecções privadas, a quem ninguém ousa reclamar devoluções. O comércio mundial de arte africana assim o indica. Sejamos prudentes, pois.
Por outro lado, porque tratar as relações coloniais diferentemente das da guerra, do domínio imperial ou até do comércio de antiguidades? E quais os sentidos da restituição? Ainda há pouco se discutia em Berlim se um padrão erguido em 1485 por Diogo Cão deveria regressar para a Namíbia. Porque não então para Portugal, seu país de origem? E qual o âmbito da restituição? “Apenas” as peças de grande afeição identitária? Ou todas, desde o mineral de há milhões até ao fóssil de há milhares de anos? E obtidas como e quando? O Obelisco que Cleópatra (colonizada e oprimida) “ofereceu” a Júlio César (colonizador e opressor) deve regressar? E também as recolhas de Darwin de espécies hoje porventura extintas?
E o que são “as origens”? Países desenhados por metrópoles coloniais e profundamente coloniais no seu interior? Grupos que se dizem representantes de povos de há milénios ou mesmo séculos? E qual o destino final desses bens: expor em museus, esconder porque nunca deveriam ser expostos, enterrar de novo ou até cremar, para cumprir aquilo que o “esbulho colonial” possa ter interrompido? Nos EUA, os tribunais, “acolitados” pelos cientistas, tiveram já de intervir para que tal não sucedesse a esqueleto datado de há 8 ou 9 mil anos. E assim será em numerosos casos, onde a oposição não se fará entre colonialistas e indigenistas, mas entre entendimento científico, ou Luzes, e velhas dogmáticas, ou Trevas. Ora, chegados aqui, os museus só têm um caminho a seguir: defender a Razão, contra todas as irmandades (islâmicas ou não) e contra todos os fundamentalismos.
O que fica, então? Fica o critério subjectivo e estreito de uma vezes dizer “sim”, outras vezes dizer “não”. Sim, quando estiverem em causa valores identitários longamente sedimentados e indiscutíveis (mais de povos do que de países). Não, em todos os casos contrários, mormente naqueles que tenham como destino final o descaminho, a ocultação ou até a destruição dos bens a devolver.