contaminação na Ilha Terceira (ao contrário do que o MNE diz)

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Diário Insular, 19 de Março, 2019

ANÁLISE DOS DADOS DAS DUAS ÚLTIMAS DÉCADAS

Taxa de cancro na Terceira acima da Região e do país

Sejam quais forem as contas que são feitas, a Terceira parece apresentar, nos últimos 20 anos, taxas de cancro largamente superiores às médias regional e nacional.

“Se admitíssemos que cada hospital regional diagnosticou nos últimos 20 anos a população da sua ilha, teríamos taxas por cada 100 mil habitantes de 337 casos por ano em São Miguel, mais baixa do que a regional, 111 casos no Faial, também muito baixa relativamente à taxa regional, e 627 casos na Terceira, muito superior à regional e superior à nacional de 2018”, afirma o investigador da Universidade dos Açores, Félix Rodrigues.
Este sublinha que nesta análise não se colocaram os casos de diagnóstico de laboratórios privados, centros regionais de oncologia ou outros por não se saber onde alocá-los geograficamente. “Se admitirmos estarem uniformemente distribuídos pela população das ilhas, a relação de desproporcionalidade entre taxas por essas três ilhas manter-se-ia muito díspar, com a ilha Terceira encabeçando a maior taxa de cancro”, adianta.

Outros cálculos

O cenário regional é diferente. “Considerando as taxas de cancro em Portugal por cada 100 mil habitantes e para a Região Açores (tendo em conta os números constantes da tabela 7 do relatório dos vinte anos de estudo oncológico nos Açores) verificamos que a taxa regional dos Açores nos últimos 20 anos (472 pessoas por cada 100 mil habitantes) é ligeiramente mais baixa do que a taxa nacional de 2018 (563 pessoas por cada 10 000 habitantes). A diferença pode ser explicada pelo facto das técnicas de diagnóstico terem evoluído muito nos últimos vinte anos, daí que o resultado dos Açores por ano, ser inferior ao de Portugal em 2018 possa ser explicada por esse avanço tecnológico, ou seja, pelo facto de nos últimos 20 anos ser mais difícil fazer um diagnóstico de cancro nos Açores do que no Portugal de 2018”, sustenta.
Félix Rodrigues integra um grupo de investigadores, que fizeram outras contas. Os resultados para Terceira surgem sempre preocupantes. “Sabendo que historicamente as populações de São Jorge, Pico, Graciosa, Flores e Corvo vinham para o Hospital da Terceira e que os do Faial tendiam a ir para São Miguel, façamos agora dois grandes grupos (São Miguel, Santa Maria e Faial) e (Terceira, Pico, Graciosa, São Jorge, Flores e Corvo). Obtemos assim as taxas de 304 para o agrupamento de São Miguel e 405 para o da Terceira, muito mais elevada neste último agrupamento liderado pela ilha Terceira. Se assim for, para que a taxa deste agrupamento seja muito mais elevada só se justificaria se as outras ilhas do agrupamento da Terceira tiverem taxas brutais de cancro explicando assim essa enorme disparidade entre os dois grupos cujo peso populacional maior é da Terceira.

Continua-se a admitir uma distribuição uniforme dos cancros diagnosticados em laboratórios privados, centros de oncologia regionais e certidões de óbito”, explora.

“Só quando consideramos que todos os casos diagnosticados de cancro nos laboratórios privados ou outros, nos centros regionais de oncologia e pelos certificados de óbito são todos de São Miguel, Santa Maria e Faial é que a taxa desse agrupamento liderado por São Miguel (423) ultrapassa o do agrupamento anterior liderado pela Terceira (405). A diferença até nem é muita sendo apenas de 18 pessoas por cada 100 mil habitantes”, acrescenta o professor da academia açoriana, concluindo: “Façam-se os agrupamentos que se fizerem, tendo em conta que há mais gente da Terceira a ser diagnosticada em São Miguel do que de São Miguel na Terceira, e não é possível aceitar que a população da Terceira não tenha diagnósticos de cancro em laboratórios privados e centros de oncologia ou certificados de óbito com causa de morte por cancro, os agrupamentos com os diagnósticos da Terceira dão sempre as taxas mais elevadas”.

Ligação potencial à Base das Lajes

Recorde-se que a possibilidade de maior incidência de cancro na Terceira é um debate que tem estado aceso.

Algumas vozes defendem que um eventual fenómeno dessa natureza está ligado a contaminação provocada pelas infraestruturas norte-americanas relacionadas com a Base das Lajes.

No final do ano passado, por exemplo, uma série de reportagens intitulada “Lajes Confidencial”, da TVI, explorava as consequências para trabalhadores portugueses que trabalharam na base ou na construção de infraestruturas militares.

Um caso foi o da obra de construção do SouthTankFarm, a maior estrutura de armazenamento de combustível desta natureza erguida pelas forças militares norte-americanas fora dos Estados Unidos da América. A empreitada, que envolveu centenas de trabalhadores, decorreu de 1985 a 1990.

Alberto Vieira, capataz na obra do SouthTankFarm, que tem sofrido vários problemas de saúde, incluindo cancro, afirmava: “Parece que não houve nenhum que não tivesse problemas. Aquele pessoal que aguentou mais tempo (a trabalhar lá). A força do pessoal que trabalhou lá, parece que não há nenhum que não tenha marcas no corpo”.

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Descontaminação ambiental da Ilha Terceira
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