A geolocalização laboral”.Félix Rodrigues

Partilha-se artigo de opinião publicado no jornal Diário Insular com o título:
“A geolocalização laboral”.

Vivemos tempos de modernidade, e por outro lado, de perda de privacidade. Por vezes a perda de privacidade é consentida porque se julga que a modernidade é mais importante. Cada coisa tem o seu lugar, por isso, somos cada vez mais obrigados a pensar.
Imagine-se que permito, como funcionário público que sou, a quem me dirige, que possa aceder aos meus dados pessoais, num telemóvel que comprei com o meu salário, com as aplicações que quis e entendi lá colocar. Que autoridade tem, quem quer que seja, de me exigir que aceda à minha geolocalização?
Imagine-se que quando sou geolocalizado estou no local mais privado que qualquer ser humano gosta de ter, mesmo no horário de trabalho.
Imagine-se que, contrariamente ao estereótipo de funcionário público, desleixado, que se balda ao serviço, que trata dos seus assuntos pessoais no tempo de serviço, que marca férias só para prejudicar a entidade profissional, que odeia relógios de ponto, que odeia atender o público e cujo grande sonho de vida é reformar-se antes do tempo de reforma, que até sou aplicado e profissional. Teria de perder a minha privacidade por causa de um estereótipo?
Quantos funcionários públicos ficam deprimidos quando se reformam?
Quantos funcionários públicos adoram o que fazem e se sentem uteis? Os estereótipos não são nada mais do que imagens preconcebidas de determinadas pessoas, coisas ou situações profissionais.
Diria que a grande maioria dos funcionários públicos se sentem úteis, o que não significa que também não se sintam dececionados com lideranças. Há minorias que estragam a imagem, mas isso é comum a todas as profissões ou classes profissionais.
A geolocalização é equivalente a uma pulseira eletrónica e se não fui preso nem condenado ninguém me deve exigir que ande com ela. Acho que isso é politicamente indefensável e não creio que haja nenhum partido que o defenda, nem mesmo com o argumento da modernidade. Seria útil para o patrão ou entidade patronal? Sim, provavelmente para os patrões ou entidades profissionais controladoras, burocratas ou persecutórias. Numa sociedade livre, cumprem-se objetivos, estabelecem-se metas e as lideranças são esclarecidas. As responsabilidades são individualizadas quando o devem ser e coletivas quando o merecem.
Já me irritam algumas facetas do geocaching, onde se escondem papelinhos em lugares inadmissíveis, quanto mais não me irritaria se transformassem os funcionários públicos em “objetos de geocaching”.
A geolocalização de qualquer funcionário público ou privado quase que se equivale a direito de propriedade do empregador ou administrador da coisa pública sobre um funcionário. Esse conceito entronca no de escravatura, mesmo que essa seja eletrónica. A lei é o garante das liberdades. Enquanto a tivermos teremos sempre cumpridores, na sua grande maioria, e prevaricadores, numa pequeníssima minoria, por isso, abaixo a “geolocalização laboral”.

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