saudade paterna e homenagear os mortos

 

 

em memória do meu pai 27.11.1914-5.2.1992

(in ChrónicAçores uma circum-navegação)

Nota-se, assim o observo empiricamente, um nítido decréscimo de participação comparativamente à infância, o que quer dizer, ou há menos gente a acreditar na vida além-túmulo ou isto parece estar destinado apenas aos mais velhos que eu. O decréscimo de crentes católicos em Portugal deve contar pois, apesar de no último censo serem 92,2%, apenas 10% ia regularmente à missa… Eu tenho para mim que não é preciso haver um dia no calendário, propositadamente colocado a seguir ao Dia de Todos-os-Santos.

Esta data tem algum relevo para uma minoria, e obviamente um dia de Finados em dia de laboração normal não deixa grande margem de manobra para as pessoas irem aos cemitérios, depois de se levantarem cedo, deixarem os filhos na escola, voltarem do trabalho, irem buscar os filhos ao ATL (Tempos Livres), prepararem o jantar, etc. Penso que cada um, na reclusão do seu lar, deve dedicar os momentos que quiser ou sentir necessidade a homenagear os seus mortos, da forma como melhor o entender. Por vezes, bastará um pensamento ou uma lembrança de como nos fazem falta num momento de dor, de alegria, de dúvida. Essa sim seria uma forma mais adequada de nos lembrarmos daqueles que nos deixaram e de quem sentimos a falta, porque – não o neguemos – há muitos que nos deixaram e de quem não sentimos falta nenhuma…esta coisa da religião, cria hipocrisias que levam a venerar todos mesmo os que não queremos ou por quem nada sentimos, incluindo antepassados que nunca conhecemos.

Desde há muito que dedico momentos silenciosos, de pausa, para recordar aqueles que gostaria estivessem comigo em determinados momentos, para saborear com eles uma vitória pessoal ou profissional, para partilhar com eles um triunfo particularmente interessante ou apenas para nos darem uma palmada congratulatória nas costas. São meus companheiros de sempre mesmo que já não estejam no rol dos vivos, a sua memória perdura e dessa forma os homenageio, sem vasos nem flores, nem peregrinações ao sítio onde deixaram as ossadas terrenas. Talvez o faça por ser assim que gostaria me recordassem, tanto mais que desde 1974 decidi que iria ser cremado com as cinzas lançadas ao mar. Na altura exigia o Oceano Pacífico, mas dada a distância a que estamos creio que terei de me satisfazer com o Atlântico Norte.

De repente, dei comigo a pensar que sou demasiado exigente com o meu filho mais novo, tal como o meu pai foi exigente comigo e posso estar errado. Vou tentar emendar-me. Fui bafejado com uma criança inteligente, ativa e dinâmica, sem dificuldades no ensino e continuo a exigir dele uma calma e uma atitude que – eu próprio – só tive em fase adiantada da vida. Repito trajetos genéticos na ânsia de ter um filho que sofra menos do que sofri até encontrar a estabilidade emocional e psíquica que atravesso. Quero incutir-lhe a ética de trabalho, de dedicação e respeito pelos outros que raramente se vê nos jovens hoje e que caraterizaram a maior parte da minha vida. No resto não preciso de lhe incutir nada pois sai ao pai e irá decerto beneficiar duma educação mais independente, livre, mais desacompanhado do que tive, andando pela aldeia de bicicleta, a brincar com os amigos e a descobrir o que quer que ele ande a descobrir.

1948

1970

 

1986